10/09/2018 - 10:00
Arlindo de Azevedo Moura, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), divide seu tempo entre São Paulo e Brasília. A Associação fica na capital federal, mas ele também chefia a Santa Colomba Agropecuária, que tem terras em Mambaí (GO) e é conselheiro da Terra Santa Agropecuária, cujas fazendas ficam em Mato Grosso. Em ambos os endereços, Moura invariavelmente usa ternos bem cortados. No entanto, em meados de julho, ele trocou a gravata por uma confortável camiseta – de algodão, claro. O executivo trilhou os 761 quilômetros entre a capital paulista e a fazenda Pamplona, propriedade de 17,9 mil hectares em Cristalina (GO) para observar a colheita de perto e comemorar os bons resultados. No início da safra 2017/2018, plantada em outubro do ano passado, a taxa de câmbio era de R$ 3,30. Na hora de colher, o câmbio subiu para R$ 3,90. “Quem plantou com o dólar baixo vai vender com ele alto. A rentabilidade será boa”, afirma Moura. Sua celebração não é isolada. A alta do câmbio vem impulsionando o mercado de algodão, que cresceu acima do Produto Interno Bruto (PIB) pelo segundo ano consecutivo. Na safra 2017/2018, o Valor Bruto da Produção (VBP) deverá chegar a R$ 31,8 bilhões, maior número desde o primeiro levantamento realizado em 1989. Essa cifra indica que o Brasil se consolida como um grande produtor de uma fibra de melhor qualidade e maior rendimento.
O cenário em que Moura foi fotografado é um bom exemplo desse entusiasmo. A fazenda Pamplona é uma das 16 propriedades da SLC Agrícola, companhia aberta controlada pela família gaúcha Logemann. A corporação possui 404,5 mil hectares em seis Estados e faturou R$ 1,9 bilhão no ano passado. Na safra 2017/2018, a SLC plantou 95,1 mil hectares, 8,6% mais que no ciclo anterior, o que deve resultar em 170 mil toneladas de pluma, um avanço de 8%. O número não é um acaso. Aurélio Pavinato, presidente da SLC, diz que a empresa já previa um aumento da demanda chinesa. “Na China, as fibras sintéticas estão perdendo espaço no mercado”, diz Pavinato. “O custo vem crescendo devido à alta dos preços do petróleo e ao fechamento de fábricas, consideradas muito poluentes.” Com isso, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), as importações chinesas de algodão em pluma devem subir de 1,1 milhão de toneladas em 2017/2018 para 1,5 milhão de toneladas em 2018/2019.
Isso se refletiu nos preços, claro. Em julho deste ano, a libra-peso da pluma era negociada a US$ 0,88 no mercado internacional, o equivalente a US$ 1,96 por quilo, cotação 12,6% superior aos US$ 1,74 por quilo do mesmo mês de 2017. Somando-se a valorização de 19% no câmbio nesse período, o produtor vem desfrutando de um aumento de quase 34% em seu faturamento por quilo de pluma exportado. Esse movimento de alta foi turbinado pela imposição, por Pequim, de uma sobretaxa de 25% nos produtos de algodão dos Estados Unidos. “A China consome mais do que produz e agora voltará a importar depois de reduzir os estoques”, diz Pavinato. Segundo o executivo, o Brasil tem grandes possibilidades de aproveitar bem esse movimento. “O País está expandindo sua produção no momento certo, já que nem os Estados Unidos e nem a Índia deverão produzir mais do que agora.” Segundo o USDA, a área plantada nos Estados Unidos cresceu para 5,5 milhões de hectares na safra 2018/2019, um avanço de 7% em relação ao ciclo anterior, mas a produção deverá se manter estável. Na Índia, os produtores têm de enfrentar a queda da resistência dos cultivares transgênicos do algodão à ação das lagartas, e a área plantada deve cair para 10,8 milhões de hectares na safra 2018/2019, uma redução de 11,9% ante a cifra anterior.
Com isso, o produto brasileiro vem ganhando espaço. Até a safra 2016/2017 o Brasil era o quarto maior exportador mundial, com vendas de 610 mil toneladas. A terceira posição ficava com a Austrália, que exportava 880 mil toneladas. No entanto, o algodão brasileiro ganhou impulso. A área cultivada em 2017/2018 subiu 25,2% e foi para 1,2 milhão de hectares. O total colhido deverá cravar históricos dois milhões de toneladas. E a produtividade cresceu 2,6%, avançando para 1,7 tonelada por hectare. Com isso, as exportações devem crescer quase 50% e ampliar a presença do produto nacional no mercado asiático. “Cerca de 900 mil toneladas, ou 45% da produção brasileira de 2017/2018, deverão ser exportadas”, afirma o presidente da Abrapa. Se esse prognóstico se confirmar, o Brasil deve não apenas substituir a Austrália como o terceiro maior exportador. Segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), os embarques previstos para a safra 2018/2019 são de 1,2 milhão de toneladas, e colocará o País na segunda colocação, superando as exportações indianas.
Para isso, porém, o Brasil precisa ampliar sua produção. O País ainda está longe de ser o maior produtor mundial. Segundo o mais recente levantamento do Comitê Consultivo do Algodão (Icac, na sigla em inglês), a Índia é o líder, com 6,1 milhões de toneladas, seguida pela China (5,9 milhões) e pelos Estados Unidos (4,5 milhões). Segundo as projeções da Abrapa, na safra 2018/2019 deverão ser colhidas 2,3 milhões de toneladas, crescimento de 15,4% ante o ciclo anterior. Para Marcos Fava Neves, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, a expansão será justificada pelos bons resultados obtidos em 2017/2018. “O lucro sempre estimula a inovação e a vontade de produzir mais”, diz. “O Brasil pode continuar avançando na busca de eficiência, escala e organização setorial, e focar nos mercado que apresentam maiores chances aumentar suas encomendas.”
Um dos elementos para facilitar a inserção no mercado internacional é a certificação do produto. Os certificados mais importantes são o programa nacional Algodão Brasileiro Responsável (ABR), promovido pela Abrapa, e o licenciamento internacional realizado pela entidade suíça Better Cotton Iniciative (BCI). Ambos atestam a existência de boas práticas sociais e ambientais. Segundo Arlindo Moura, dos cerca de 1.480 produtores brasileiros, 309 possuem o selo ABR e 258 têm a certificação BCI. “Na média, os produtores certificados têm uma produtividade 13% maior que os não certificados”, diz o presidente da Abrapa.
O produtor goiano Haroldo Rodrigues da Cunha possui ambas as certificações e deve aproveitar o momento de expansão do mercado mundial. Vice-presidente da Associação Goiana dos Produtores de Algodão (Agopa), o engenheiro agrônomo cultiva a fibra desde 1991 nos cinco mil hectares na fazenda Santa Maria do Mirante, no município de Turvelândia (GO), juntamente com soja, milho, feijão e sorgo. “O padrão de qualidade do algodão brasileiro é reconhecido no mundo”, diz. “Para atender ao mercado externo, na Santa Maria a área plantada de algodão deve crescer dos 1,1 mil hectares na safra 2017/2018 para 1,4 mil hectares nesta safra.” A produção da fazenda deve aumentar 40%, atingindo 6,3 mil toneladas. “Vendemos 60% de nossa produção para tradings, e o produto deve ser todo exportado.” Em 2017/2018, o faturamento com a cultura de algodão foi de R$ 13 milhões, alta de 30% ante o período anterior. Mas a certificação também terá importância ao mercado interno. Segundo Moura, em dez anos as grandes grifes só comprarão algodão com certificação BCI. “Haverá deságio para o agricultor que não tiver certificação”, afirma. “O futuro será da agricultura certificada.”