Catorze projetos em análise, que já estavam “qualificados”, assim como pedidos de recursos para atender a “emergência” da situação dos povos indígenas, como é o caso dos Yanomami, em Roraima, terão prioridade na retomada do Fundo Amazônia, anunciaram nesta quarta-feira, 15, a ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, Marina Silva, e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante. O BNDES é o gestor do fundo, formado com doações da Noruega e da Alemanha e congelado desde 2019.

Segundo Marina, os 14 projetos já “qualificados” no processo de análise do BNDES pediam cerca de R$ 480 milhões, que chegam a R$ 600 milhões se atualizados pela inflação. “Ficou estabelecido que existem cerca de 14 projetos devidamente qualificados para serem aprovados. Com a paralisação (do Fundo Amazônia), eles ficaram no limbo. A decisão é de que se os tomadores tiverem interesse em continuar com esses projetos, eles voltarão a tramitar”, afirmou a ministra.

Além dos 14 projetos qualificados, Marina disse que há “outra quantidade” de pedidos ainda não qualificados, que poderão voltar a tramitar no processo de análise do BNDES. No total, são 56 projetos que estão na fila de análise para receber apoio financeiro. Esses pedidos pleiteiam um total de R$ 2,203 bilhões, mas os projetos foram todos apresentados até o fim de 2018, ou seja, é possível que haja necessidade de atualizar os pedidos.

“Por unanimidade, priorizamos projetos para o atendimento da situação emergencial das comunidades tradicionais. O apoio poderá ser destinado para comando e controle e outras medidas”, afirmou a ministra, ressaltando que essa medida tem foco mais conhecido nos Yanomami, mas há situações de emergência também entre outros povos indígenas.

Os anúncios foram feito após a primeira reunião do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) desde 2018, na sede do BNDES, no Rio.

O encontro foi o primeiro passo para a reativação do Fundo Amazônia, após um decreto, publicado no primeiro dia útil do novo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reestabelecer o Cofa. Isso porque a extinção do órgão, determinada em decreto de abril de 2019, editado pelo governo Jair Bolsonaro (PL), serviu de estopim da suspensão para o congelamento dos recursos, ao lado da falta de controle do desmatamento e de ataques promovidos pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Logo nos primeiros meses de 2019, no início do governo Bolsonaro, Salles começou a levantar suspeitas, não comprovadas, sobre a aplicação de recursos do fundo.

Em maio, o BNDES, então presidido pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, cedeu às pressões e afastou uma chefe de departamento. Diante das medidas do governo Bolsonaro, Noruega e Alemanha determinaram a suspensão do uso dos recursos depositados – apenas o apoio financeiro a projetos já aprovados continuou, sem a aprovação de novos pedidos de recurso. Na ocasião, Bolsonaro chegou a fazer críticas públicas ao governo norueguês.

“É uma retomada depois de quatro anos em que mais de R$ 3 bilhões ficaram dormitando, parados enquanto a Amazônia estava sendo destruída, os povos indígenas estavam sendo aviltados”, afirmou Marina.

Mercadante destacou que as ações de fiscalização a crimes ambientais, também chamadas de comando e controle contra o desmatamento, deverão ser o destaque na destinação emergencial dos recursos, porque a política ambiental do governo Bolsonaro incentivou o desmatamento.

“Nunca houve nenhum governo que tivesse como objetivo acelerar o desmatamento. Houve um desmonte da estrutura do Estado (para combater o desmatamento). As operações (de fiscalização) ganharam envergadura maior. Hoje, temos o crime organizado, o ‘narco-garimpo’”, afirmou o presidente do BNDES.

Novo programa federal

O secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Capelli, anunciou que a pasta trabalha num plano para a região amazônica e deu a entender que ele poderá ser financiado pelo Fundo Amazônia.

Segundo Capelli, o Programa Amazônia Mais Segura será lançado nos próximos dias, “em sintonia com diretrizes do Cofa”. A ideia é articular ações da Polícia Federal (PF), da Força Nacional de Segurança (FNS), do Ibama e das Forças Armadas, com ampliação de efetivos, construção de novas bases “terrestres e fluviais” e investimentos em “soluções tecnológicas”.

O objetivo, segundo Capelli, é que “o Estado brasileiro retome o controle efetivo de toda a região, combatendo as ilegalidades que proliferaram na região, desde o garimpo ilegal e o desmatamento, até a presença de organizações criminosas, que antes eram realidade apenas nos grandes centros”.

REDD+

Formado, em 2008, com doações de R$ 3,2 bilhões da Noruega e de R$ 200 milhões da Alemanha, o Fundo Amazônia é uma iniciativa pioneira de REDD+, instrumento desenvolvido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) para recompensar financeiramente países em desenvolvimento pela redução de emissões de gases do efeito estufa associadas ao desflorestamento.

Até 2018, 103 projetos, com valor total de R$ 1,860 bilhão, foram aprovados pelo BNDES, dos quais R$ 1,512 bilhão foram liberados. Com a análise de novos pedidos paralisada, os desembolsos para os projetos aprovados ficaram em R$ 117 milhões em 2021, ante R$ 131 milhões, em 2020. Em 2022, foram liberados R$ 54,7 milhões, no acumulado até agosto, conforme dados dos informes da carteira do Fundo Amazônia, publicados na internet.

Atualmente, o Fundo Amazônia tem em torno de R$ 3,7 bilhões. Segundo a ministra Marina, pelas regras do fundo, diante da redução, já efetivada, de emissões de gases do efeito estufa por causa da moderação do desmatamento, da ordem de 3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), seria possível captar até US$ 15 bilhões em doações. Como o desmatamento aumentou durante o governo Bolsonaro, a redução de emissões foi menor, reduzindo também o potencial de captação de doações.

Logo após a confirmação da eleição de Lula nas eleições de outubro passado, o governo da Noruega já havia sinalizado com a retomada do Fundo Amazônia. Em seguida, a Alemanha formalizou mais uma doação, de 35 milhões de euros. A doação alemã, feita pelo KfW, o banco de desenvolvimento do país europeu, foi firmada em contrato em dezembro, ainda com a gestão do BNDES sob o governo Bolsonaro.

Novas doações

A ministra Marina anunciou também que o governo federal teve sinalizações, por parte da França, da Espanha e da União Europeia (UE), de interesse em fazer novas doações para o Fundo Amazônia.

No início do ano, o Reino Unido já havia sinalizado com a possibilidade de fazer uma doação. Na última sexta-feira, 10, o governo dos Estados Unidos anunciou, sem revelar valores, que também fará uma doação, após a reunião bilateral entre o presidente Lula e seu colega americano, Joe Biden. Nos bastidores, os valores aventados para uma primeira doação dos Estados Unidos, de US$ 50 milhões, foram considerados abaixo do esperado.

Marina minimizou o fato de que os Estados Unidos não anunciaram valores ainda. Segundo Marina, essa definição passa, em parte, pelo Congresso americano. A ministra lembrou que o assessor especial da Presidência dos Estados Unidos para as mudanças climáticas, John Kerry, virá ao Brasil no próximo dia 27, mas disse não saber se, durante a visita, será formalizado um valor para o Fundo Amazônia.