Depois que o fundador Ricardo Nunes deixou o negócio à beira da falência, a Ricardo Eletro precisou fechar todas as lojas e manter apenas seu comércio eletrônico. Mas os problemas não acabaram por aí. Em 2022, a Justiça declarou a falência três vezes, todas posteriormente revertidas. Em uma delas, a empresa precisou ficar 45 dias sem vender. A dívida da Ricardo Eletro com credores reportada na recuperação judicial era de R$ 4 bilhões.

No auge, a Ricardo Eletro chegou a empregar quase 30 mil pessoas e a faturar cerca de R$ 10 bilhões ao ano, brigando com as grandes do setor, como Americanas, Magazine Luiza e Casas Bahia. Em 2020, precisou fechar todas as unidades para equilibrar as contas e sobreviver. Sob a gestão de Pedro Bianchi, que veio do fundo Startboard, o Grupo Máquina de Vendas, dono da Ricardo Eletro e criado após a fusão com a varejista Insinuante, em 2011, se recupera pouco a pouco.

Em meados do ano passado, a companhia tinha à venda em seu site 3 mil produtos e agora o número chega a 10 mil. O e-commerce da empresa recebe hoje 25 mil visitas mensais. Ao Estadão, Bianchi disse que a varejista já planeja a abertura de duas lojas físicas em fevereiro no Estado de Minas Gerais e busca crédito para mais três. As lojas terão a marca “Nossa Eletro”.

O crédito seria obtido por meio da liberação de valores bloqueados judicialmente durante o período falimentar. “As Recuperandas abrirão mais 3 lojas físicas imediatamente e que já estão mapeadas e pré-contratadas (além das 2 acima citadas), contratarão novos funcionários, comprarão mercadorias/estoque e farão o marketing/mídia essenciais para dar o maior alcance para abertura de lojas e do e-commerce, em reforço ao seu compromisso com a recuperação judicial, à maximização de faturamento, e ao concurso de credores”, diz o documento da Máquina de Vendas enviado em 18 de janeiro para a 1º Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo.

Além das iniciativas de negócios em andamento, a Máquina de Vendas também negocia com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a quitação do passivo fiscal de R$ 1,2 bilhão.

Americanas pede extensão de prazo para apresentar lista de credores

Americanas

A Máquina de Vendas está entre as que podem se beneficiar no vácuo deixado pela Americanas, ainda que tenha desafios com relação ao poder da sua marca depois de quase sumir do mercado.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, o “espólio” de produtos de fornecedores que iriam para o estoque da Americanas ficará com varejistas de comércio eletrônico de grande porte, como Mercado Livre, Shopee e Magazine Luiza. Mas a Ricardo Eletro também pode absorver uma parcela dos produtos.

O caso da Máquina de Vendas aconteceu em uma época diferente da Americanas. Apesar de ser a última varejista de porte expressivo a passar por dificuldades financeiras, o mercado de 2018, quando começou a recuperação extrajudicial da empresa, era muito diferente. Se nessa época as compras online eram incipientes, hoje são parte relevante das vendas das varejistas.

Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), o comércio online representa mais de 10% do faturamento do varejo. Em 2022, houve crescimento de 5%, com a cifra indo a R$ 169,6 bilhões. Em 2023, o número deve ir a R$ 186 bilhões, com um valor médio anual de compras de R$ 470. O cenário era, portanto, mais desafiador para o setor na época da derrocada da Ricardo Eletro do que é agora na crise da Americanas. A reacomodação do mercado não depende mais apenas do varejo físico.

Crises passadas

Diversos momentos de crise no Brasil já fizeram outras varejistas fecharem as portas. Veja:

2018: Casa Cruz

A Casa Cruz foi fundada em 1893 por José Rodrigues da Cruz. A tradicional rede de papelarias do Rio de Janeiro fechou as portas das lojas físicas em 2017 e tirou seu comércio eletrônico do ar no ano seguinte.

2017: Manlec

Foi uma rede de lojas de móveis e eletroeletrônicos fundada em Porto Alegre em 1953. O pedido de recuperação judicial foi ajuizado ainda em 2014. À época, a empresa enfrentava uma crise financeira que durava anos e o passivo atingia R$ 100 milhões. Em julho de 2017, teve a falência decretada pela Justiça.

2008: Veado D’Ouro

A tradicional farmácia sediada na Rua São Bento, no centro de São Paulo, surgiu em 1858 como uma papelaria e livraria. Criada por Gustavo Gravenhorst e Gustavo Schaumann, a empresa se envolveu em um famoso escândalo de falsificação de mais de 1 milhão de comprimidos do medicamento Androcur, para tratamento de câncer de próstata. A reputação da farmácia nunca se recuperou e as lojas foram fechadas uma década depois da crise do Androcur.

2002: Lojas Arapuã

Fundada em Lins, interior de São Paulo, por Jorge Wilson Simeira Jacob, a varejista se dedicava à venda de eletroeletrônicos e chegou a ter 265 lojas no País. Com uma dívida de R$1 bilhão, fechou lojas e demitiu funcionários em 2002 para tentar sobreviver, mas não cumpriu o plano de concordata de 1998 ao deixar de pagar parcelas aos credores e teve a falência decretada pela Justiça.

1999: Mappin e Mesbla

A rede de lojas Mappin foi fundada em 1913 e teve um fim traumático para o varejo brasileiro, marcado por fraudes e endividamento. Ricardo Mansur comprou a empresa em 1996 e teve sua falência decretada juntamente com a Mesbla, que também lhe pertencia. O Mappin tinha mais de 300 pedidos de falência na Justiça. A dívida das varejistas era de R$ 1,2 bilhão. Os credores incluíam funcionários, fornecedores, bancos, Receita Federal e Estados. Ricardo Mansur foi condenado em dois processos a uma pena de 11 anos e meio de prisão por gestão fraudulenta no Mappin e no banco Crefisul. A Marabraz chegou a relançar a marca Mappin em 2019 no comércio eletrônico, mas o site hoje está fora do ar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.