Por Sérgio Vieira

Ricardo Mussa está à frente de uma jornada de transformação. O executivo, formado em Engenheira de Produção na Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), comanda desde abril de 2020 a gigante do setor de energia Raízen, que registrou receita líquida de R$ 58,5 bilhões no terceiro trimestre do ano safra 2023-2024. Ele sabe com muita clareza do tamanho de sua responsabilidade e de sua missão para contribuir no processo de transição da mudança de matriz energética em um caminho de descarbonização, liderado pelo desenvolvimento do etanol segunda geração (E2G).

“São quatro anos de muito trabalho. Tenho muito orgulho da nossa jornada. Uma sensação de estar fazendo o que é certo”, disse o executivo, eleito empreendedor do ano na premiação LÍDERES DO AGRO 2024“Poucas vezes tive a oportunidade de estar em um lugar em que a gente pode fazer a diferença para a sociedade.”

Para ele, a consistência no trabalho e a retomada da produtividade agrícola explicam em parte o resultado reportado no início de fevereiro sobre o terceiro trimestre safra 23-24, com lucro líquido de R$ 754 milhões. “O destaque aqui é que essa jornada não terminou. Esse número não é surpresa. Nossa prioridade é justamente a produtividade, melhoria das margens e investimentos no etanol de segunda geração”, afirmou Mussa.

Com aumento da produção de cana, a companhia fechou terceiro trimestre da safra com receita de R$ 58,5 bilhões (Crédito:Divulgação )

Nesse sentido, a companhia avança no pacote de investimentos para ampliação de E2G. No trimestre, os aportes chegaram a R$ 3 bilhões. Por ano, passam de R$ 12 bilhões. “A gente já vendeu a produção de nove plantas da Raízen que nem foram construídas ainda. E com preços garantidos. Por isso esses grandes investimentos”, disse.

Nesse ano deverão estar em operação mais três plantas. Duas estão em fase final e outras duas até outubro. “A Raízen é a única empresa do mundo que tem etanol de segunda geração em larga escala. Era um sonho que virou realidade.” As outras cinco virão em sequência, na equação de duas por ano.

Com 35 unidades de produção em operação, a companhia de energia tem uma quantidade de biomassa suficiente para construir 20 plantas fabris. E com a própria cana a Raízen gera energia para suas fábricas.

“Nossas usinas não precisam de energia externa. A gente usa 70% do bagaço da cana para rodar as fábricas. Isso mostra o potencial grande em aproveitar o excedente de energia elétrica e produzir ainda mais o etanol de segunda geração.”

Visionário, Mussa enxerga aí um grande caminho para o crescimento do agronegócio brasileiro em relação a mercados globais“É uma maneira muito inteligente de a gente exportar, de forma indireta, energia elétrica.”

A companhia é a única no mundo a produzir etanol de segunda geração em larga escala (Crédito:Divulgação )

Fato é que a cana-de-açúcar faz um importante trabalho em transformar a energia solar em biomassa.
• Com um hectare de soja é possível alcançar 3,5 toneladas de biomassa.
 O de milho faz 11 toneladas.
 No caso da cana, esse número chega a 90 toneladas.

A questão é que, durante muitos anos, só um terço desse produto era de fato utilizado. Bagaço e as folhas eram deixados de lado“Mais recentemente a Raízen desenvolveu uma tecnologia para pegar esse bagaço e transformar em etanol, mas não o do carro, mas sim a partir da biomassa. Com isso, a gente passou a ter nova fonte de etanol”, afirmou. “Com tecnologia, a gente aumenta em 50% nossa produção de etanol sem precisar de um pé de cana a mais.”

(Divulgação)

Isso também soluciona um problema que, de certa forma, existia em outros mercados no mundo, que era de não aceitar combustível de produtos que poderiam competir com a alimentação.

Explicando melhor: no caso da primeira geração do etanol, a visão de alguns países era de que a produção do biocombustível estava tirando espaço do açúcar, por exemplo. No caso da segunda geração, ele é produzido com um resíduo, o que o transforma em biocombustível avançado e com grande valor agregado. Isso explica o crescimento da Raízen nos últimos anos nesse segmento.

Para Mussa, a transição energética no Brasil vai acontecer de diversas maneiras. “O grande vencedor hoje é o carro hídrico a etanol, que une a eficiência do motor elétrico com a vantagem do etanol. Esse é o modelo mais indicado hoje para o mercado brasileiro”, disse. “Estou vendo hoje muitas indústrias de outros setores buscando a descarbonização. E o etanol é uma fonte renovável e barata. E a gente faz tudo isso porque o agro brasileiro é muito competitivo.”

Com isso, não é difícil imaginar o protagonismo da gigante Raízen nesse mundo em transformação. “São as poucas as empresas que têm escala, tecnologia e vontade dos acionistas. Temos investidos em iniciativas que fazem a diferença. Temos mais florestas sob gestão da nossa do que tem a Holanda em florestas em todo seu território, por exemplo”, afirmou.

Também é inevitável a comparação. “O que a Tesla fez em 10 ou 11 anos com a eletrificação de seus carros, a gente faz em quatro ou cinco meses. Esse é o tamanho da nossa contribuição. Raízen está do lado da solução.”

Nesse sentido, a empresa firmou parceria com a BYD para impulsionar a mobilidade elétrica no Brasil. O acordo entre as companhias inclui construção de hubs de recarga elétrica na rede Shell Recharge e oferta de energia renovável para as concessionárias da marca chinesa.

“A gente vê um papel importante de eletrificação de frota, principalmente com motoristas de aplicativos. Há espaço para todo mundo. A BYD é uma grande vencedora, uma empresa com muita capacidade no mercado de carros elétricos. E eles enxergaram a Raízen como uma vencedora e pronta para atender seus clientes.”

VITRINE

• A Raízen é licenciada da marca Shell e com uma rede de quase oito mil postos no Brasil, Argentina e Paraguai.
• E a Shell não poderia ter melhor vitrine: desde 2022 ela fornece etanol de segunda geração para os carros da Ferrari na Fórmula 1.
•“Eu brinco que se serve para a Ferrari serve para seu carro também”, disse. A partir do ano que vem, Lewis Hamilton vai poder chegar a essa conclusão com sua nova equipe.

De volta ao agro, Mussa reconhece que os impactos das mudanças climáticas são um desafio extra para a cadeia produtiva, em que pese o fato de que a cana-de-açúçar seja bem mais resiliente do que muitas outras culturas. “No mundo inteiro, os extremos estão mais claros. Isso traz volatilidade de preços e de produtividade. Mas hoje entendo que as empresas estão mais bem preparadas para navegar nesse cenário.” E aí que entra o equilíbrio de um líder no momento de tomar as decisões. Com mais preparo, fica menos difícil transitar na tempestade. “O Ayrton Senna dizia: ‘quanto mais eu treino, mais sorte eu tenho’. Eu penso um pouco assim também”, disse.

Para o executivo, o bom momento do agronegócio brasileiro, e da Raízen, está diretamente ligado à capacidade das pessoas no País. “Estamos no lugar certo, que é o Brasil, com a planta certa, que é a cana, e com a empresa correta. Não podemos perder essa oportunidade”, disse. “Quanto mais a gente produzir, mais a gente ajuda o mundo a se descarbonizar.” E com o executivo correto.