12/05/2025 - 10:33
Ser uma pessoa negra no Brasil faz você enfrentar um risco 2,7 vezes maior de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra. A constatação faz parte do Atlas da Violência, divulgado nesta segunda-feira (12), no Rio de Janeiro.
O dado foi apurado em 2023. Apesar de ser uma redução ante 2022, quando o risco era 2,8 vezes maior, o indicador revela um aumento em relação a 2013. Naquele ano, a pessoa negra tinha 2,4 vezes mais chances de ser morta do que uma não negra.
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O Atlas da Violência é elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao governo federal, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma organização sem fins lucrativos.
O estudo coordenado pelo pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, e pela diretora executiva do FBSP, Samira Bueno, considera como negros o conjunto de pessoas pretas e pardas, que somam 55,5% da população brasileira e enfrentam as piores condições socioeconômicas.
O grupo populacional classificado como não negro é a soma de pessoas brancas, amarelas e indígenas.
O documento coleta dados de fontes oficiais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pela contagem da população, e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
Homicídios
Ao apontar que o país teve 45,7 mil homicídios registrados em 2023 e taxa de homicídios de 21,2 para cada 100 mil habitantes, o estudo cruza dados com características da população, de forma que consiga apresentar informações sobre o risco de ser vítima de violência.
Entre 2013 e 2023, o número de homicídios caiu 20,3%.
“Embora os dados apontem para uma redução geral dos homicídios no país, essa tendência não se distribui de forma equânime entre os grupos de pessoas negras e não negras”, registra o texto.
Ao analisar os índices de risco, os pesquisadores apontam que, apesar dos avanços na diminuição geral dos homicídios, “a desigualdade racial associada à violência letal não apenas persiste, como se intensifica”.
Dizer que o negro tinha chance de ser vítima 2,4 vezes maior que o não negro em 2013 e 2,7 vezes maior em 2023 representa que esse risco saltou 15,6% no período.
>> Veja os números:
- Em 2023, houve 9,9 mil homicídios de pessoas não negras, equivalendo a uma taxa de 10,6 para cada 100 mil habitantes.
- Entre os pretos e pardos, foram 35.213 homicídios, representando taxa de 28,9 registros para cada grupo de 100 mil habitantes.
- Desde 2013, a taxa dos negros caiu 21,5%, diminuindo de 36,8 para 28,9.
- Taxa dos não negros recuou 32,1%, passando de 15,6 para 10,6.
“Os números que trazemos desnudam as desigualdades e o racismo estrutural que têm atingido a população negra brasileira, traduzidos na violência letal”, escreve o Atlas.
Violência e racismo
Os pesquisadores concluem que “as discrepâncias observadas nas taxas e no risco relativo de vitimização letal evidenciam que a população negra permanece submetida a um cenário de violência desproporcional”.
Os autores lembram que desde 2013 houve marcos políticos e jurídicos, como a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2013, pelo governo federal; a criação do Ministério da Igualdade Racial, em 2023; a Lei 12.990, de 2014, que reservou 20% de cotas raciais nos concursos da administração pública federal; e a Lei 14.532, de 2023, que igualou o crime de injúria racial ao de racismo.
Entretanto, reforça o Atlas da Violência, os dados demonstram a “permanência de uma estrutura racializada [quando a raça ou identidade racial é usada para categorizar, discriminar ou conceder privilégios] da violência, que se expressa de maneira diferenciada nos territórios e resiste mesmo em contextos de avanços legislativos e institucionais no campo das políticas públicas”.
Morte de indígenas
A pesquisa do Ipea e do FBSP também se debruça sobre a violência contra indígenas. Os dados mostram que, em 2023, foram 234 homicídios. Isso indica taxa de 22,8 por cada 100 mil habitantes.
Apesar de ser um índice superior ao da população brasileira como um todo (21,2), o estudo identifica uma convergência ao longo dos anos, ou seja, diminuiu a diferença entre os grupos populacionais.
>> Taxa de homicídios por cada 100 mil habitantes:
2013
Indígenas: 60,5
Brasil: 28,8
2018
Indígenas: 29,5
Brasil: 27,9
2023
Indígenas: 22,8
Brasil: 21,2
Especificamente entre 2022 e 2023, houve comportamento inverso, com aumento da taxa entre indígenas (21,5 para 22,8) e redução da brasileira (21,7 para 21,2).
Ao observar as informações nos estados, Roraima apresenta indicador mais de dez vezes o do Brasil: 235,3 homicídios por 100 mil habitantes. Em seguida figura Mato Grosso do Sul (178,7).
Os pesquisadores descrevem os números de homicídios de indígenas como “problema grave e complexo”, e fazem a ressalva de que os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade apresentam “ausência da caracterização dos povos indígenas (ou das etnias)”.
“Mais interessante seria se conseguíssemos analisar a violência sofrida por cada povo”, observa.
O documento frisa que sem os dados por etnias, fica impedida a compreensão detalhada da violência letal enfrentada por cada povo indígena, “não se podendo inferir, por exemplo, os reais riscos de desaparecimento de povos que possuem baixa representatividade demográfica e altas taxas de homicídio”.
Povos agredidos
A identificação dos povos indígenas foi possível quando se buscou dados de internação hospitalares decorrente de agressões. Os dados cobrem de 2013 até 2024. Nesse período, foram contabilizadas 1.554 internações.
Com as informações de etnias disponíveis, o Atlas da Violência afirma que “as dimensões históricas da violência sofrida por indígenas restam evidentes”.
>> Povos com mais internações por agressão:
- Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, 574 casos (36,9% de todos os casos)
- Kaingang registrou 142 casos de internações nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo
- Terena (66), maioria no Mato Grosso do Sul
Os autores do levantamento acrescentam que o contexto da violência contra o povo Guarani-Kaiowá é marcado pelo avanço do agronegócio e pela piora das condições de vida, sobretudo no Mato Grosso do Sul.
“Como resultado, acompanha-se o aumento de conflitos armados e, consequentemente, agressões físicas diretamente relacionadas à defesa de direitos e retomada de territórios tradicionais”, informa.