O governo brasileiro tenta reverter possível veto da Índia para a exportação de vacinas contra a covid-19 desenvolvidas pela farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), laboratório vinculado ao Ministério da Saúde, articula a importação de 2 milhões de doses prontas desse produto, produzido em uma fábrica indiana, o que permitiria antecipar para janeiro o calendário de imunização no Brasil. O plano da Fiocruz é também produzir doses, mas o primeiro lote deve ficar pronto apenas em fevereiro.

O laboratório brasileiro informou ontem que o Itamaraty “está à frente das negociações relacionadas à importação das doses prontas das vacinas da Índia”. Integrantes do Palácio do Planalto afirmaram ao Estadão que, se for preciso, até mesmo o presidente Jair Bolsonaro poderá entrar em contato com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, para liberar a remessa de imunizantes.

Caso isso aconteça, não será a primeira investida diplomática do Brasil para a liberação de produtos contra a covid-19 presos na Índia. Em abril de 2020, Bolsonaro conversou diretamente com Modi e pediu o desbloqueio da exportação de insumos farmacêuticos para a produção da hidroxicloroquina. O presidente é entusiasta do medicamento, que não tem eficácia comprovada para tratamento da doença.

A investida diplomática do Brasil ocorre após o CEO do Instituto Serum da Índia, que fabrica as doses da AstraZeneca, Adar Poonawalla, afirmar, no domingo, 3, que o país não permitirá a exportação. “Só podemos dar (as vacinas) ao governo da Índia no momento”, disse Poonawalla, acrescentando que a decisão também foi tomada para evitar o encarecimento do imunizante. Como resultado, de acordo com ele, a exportação de vacinas para a Covax (iniciativa da Organização Mundial de Saúde para garantir acesso equitativo aos imunizantes contra a covid-19) deve começar apenas em março ou abril.

A Fiocruz deve pedir nesta semana o aval para uso emergencial da vacina à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O plano é também solicitar o registro definitivo – que permite a imunização em massa – até o dia 15.

Segundo integrantes do governo federal, o veto indiano não deve atrasar a discussão sobre uso emergencial. Parte das autoridades que acompanha o debate afirma acreditar que a liberação das doses deve ocorrer mesmo com um eventual veto indiano, pois as unidades estariam já reservadas para venda ao exterior.

A Fiocruz e a agência tiveram reunião nesta segunda-feira, 4, para acertar detalhes sobre esses pedidos. Em nota, a Anvisa disse que ainda aguarda dados que mostrem que o produto indiano é semelhante ao fabricado no Reino Unido e que já teve dados clínicos aprovados. “Em termos mais técnicos, o objetivo dessa avaliação é garantir a equivalência quanto à resposta da imunogenicidade, ou seja, a habilidade de a vacina ativar resposta ou reação imune, tais como o desenvolvimento de anticorpos específicos, respostas de células T, reações alérgicas ou anafiláticas”, diz a autoridade regulatória. Se houver diferença entre os produtos, estudos de “comparabilidade” devem ser conduzidos, para mostrar que ambos são ao menos equivalentes.

Produção no Brasil

A importação de 2 milhões de doses prontas da AstraZeneca foi autorizada no dia 31 de dezembro pela Anvisa. Antes, a Fiocruz pretendia apenas receber o insumo farmacêutico neste mês e completar a fabricação das doses no Brasil, que só seriam liberadas em fevereiro, num primeiro lote de 30 milhões de unidades.

Como se trata de importação excepcional, a Anvisa exige que as vacinas fiquem sob a guarda da Fiocruz até que seja dado o registro ou aval de uso emergencial. Trata-se do mesmo processo autorizado ao Instituto Butantã, que afirma ter 10,8 milhões de doses de unidades da Coronavac estocadas, à espera da autorização para o uso.

O governo investiu cerca de R$ 2 bilhões para a compra de doses e transferência de tecnologia para a Fiocruz. No plano nacional de imunização, o governo prevê aplicar doses desta vacina em cerca de 50 milhões de brasileiros de grupos prioritários ainda no primeiro semestre.

A falta de transparência sobre os dados da vacina de Oxford e AstraZeneca gerou críticas na comunidade científica. Um erro de dosagem levou a dois resultados de eficácia do produto: 62% quando aplicada em um regime de duas doses completas e 90% com meia dose seguida de outra completa. Há ainda dúvidas sobre os resultados para pessoas acima de 55 anos.

Responsável por coordenar o estudo clínico da vacina no Brasil, a médica Lily Yin Weckx disse ao Estadão que a primeira dose da vacina já mostra eficácia de cerca de 70% contra a doença, mas em intervalo curto. “A gente ainda pode ficar com a média de eficácia de 70%. O estudo continua; teremos um ano de segmento para ver a persistência da proteção, dos anticorpos, de segurança, etc”.

Segundo Lily, “o que é importante é que temos uma vacina segura, eficaz e que pode fazer a diferença na pandemia. Esses número de 60%, 70%, 80% é de proteção contra a doença covid. Mas se considerarmos doenças graves e hospitalização, a vacina foi capaz de evitar quase 100%”. Ela diz que entre as pessoas que foram vacinadas, nenhuma teve uma doença grave ou ficou hospitalizada por covid. Todas as hospitalizações ocorreram no grupo controle.

Procurados pelo Estadão, nem o Itamaraty nem a Embaixada da Índia se pronunciaram sobre a liberação da importação de vacinas.

Reino Unido inicia aplicação da vacina de Oxford

Um britânico de 82 anos se tornou a primeira pessoa do mundo a ser vacinada com o imunizante produzido pela parceria Oxford/AstraZeneca fora da fase de testes. A vacina começou a ser aplicada pelo governo do Reino Unido ontem. O aposentado Brian Pinker foi o primeiro a recebê-la, no Hospital Churchill, em Oxford.

“Estou muito satisfeito por receber a vacina hoje e muito orgulhoso por ela ter sido criada em Oxford”, disse Pinker, gerente de manutenção aposentado que faz diálise para doenças renais, a poucas centenas de metros de onde o vacina foi desenvolvida. Pinker estava ansioso para comemorar seu 48º aniversário de casamento com a esposa Shirley em fevereiro. “As enfermeiras, os médicos e a equipe de hoje foram brilhantes”, disse ele.

O imunizante da Oxford/AstraZeneca foi aprovado no Reino Unido em 30 de dezembro. O governo do primeiro-ministro Boris Johnson garantiu 100 milhões de doses da vacina, que podem ser armazenadas em temperaturas de geladeira entre dois e oito graus – mais fáceis de distribuir, portanto, do que a injeção da Pfizer/BioNTech. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.