30/04/2019 - 11:37
Canaviais envelhecidos, estiagem entre os meses de maio e agosto do ano passado e um veranico em janeiro devem derrubar a produção de cana-de-açúcar para 570 milhões de toneladas, na safra 2018/2019, que termina este mês. Será a menor produção dos últimos cinco anos no Centro-Sul, região que responde por 92% do total nacional. É nesse cenário que, no dia 1º de abril, começa o plantio da safra 2019/2020. Mas o setor tem um coringa nas mãos. Segundo a consultoria FCStone, há uma previsão de déficit de 700 mil toneladas na produção global de açúcar – na safra passada, a produção mundial foi de 193,1 milhões de toneladas. E isso pode ajudar o segmento no País.
Cobrir parte desse déficit será um desafio para o Brasil. O ex-deputado federal Evandro Gussi, presidente da União das Indústrias de Cana de Açúcar (Unica), entende que os produtores brasileiros têm sido vítimas do que ele chama de “concorrência desleal” por parte de China, Tailândia e Índia na disputa pelo comércio global da commodity. “O problema não está na nossa falta de competitividade”, diz Gussi. “Estamos sendo vítimas de um sistema que afeta a nossa competitividade.”
Ele se refere aos subsídios dados aos produtores desses países.
Segundo a FCStone, uma menor produção global de açúcar ocorre por causa de estiagens e enchentes na Índia e também pela falta de chuvas observadas na Tailândia. Os dois países são os maiores concorrentes do Brasil na produção e no fornecimento global de açúcar. Na safra passada, eles produziram, respectivamente, 32,3 milhões de toneladas e 15 milhões, que, somados, representam 24,5% do açúcar mundial. O Brasil produziu 29,1 milhões (15%). Para o ciclo 2019/2020, a tendência é de que o País produza ainda mais. Isso porque o mix de produção deve ficar mais açucareiro, representando 41% da cana processada. Na safra que está sendo encerrada, açúcar deve fechar com 35,3% da cana moída pelas usinas, enquanto à produção de etanol foram destinados 64,7%.
“O cenário já não é de baixa para os preços do açúcar”, afirma João Paulo Botelho, analista da FCStone. “Mesmo que os estoques globais continuem elevados, já que viemos de um período de superávit na produção.” O estoque de passagem desta safra para próxima deve ficar em 80,3 milhões de toneladas. Cinco safras atrás, o estoque de passagem foi de 43,6 milhões de toneladas.
Andy Duff, analista do setor de Açúcar do Rabobank, projeta o preço em US$ 289,2 a tonelada em outubro, na Bolsa de Nova York, mês que marca o início da safra mundial. É a mesma cotação do final de fevereiro, de acordo com dados da Organização Internacional do Açúcar. Em março de 2020, o preço deve alcançar US$ 310,7 por tonelada, cotação considerada competitiva para cobrir os custos da produção nacional. “O mercado começa a sinalizar que o preço médio não está longe do ideal”, diz Duff. “O mundo vai precisar de mais açúcar brasileiro, acima do que o País produziu nesta safra.”
PRODUÇÃO Um bom ponto de inflexão no setor sucroenergético é que a reforma nos canaviais nesta safra foi de 13,5% da área plantada, número ainda longe do ideal, mas superior à renovação feita, por exemplo, em 2015, de 10%. “O canavial parou de envelhecer. Quando ele envelhece, a produtividade cai. Ainda está aquém do esperado, mas bem melhor do que há quatro anos”, afirma Luiz Antônio Dias Paes, gerente de marketing do Centro de Tenolocia Canavieira (CTC). Por outro lado, a seca também afetou as plantações brasileiras. Não fosse o estresse climático em municípios do Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo, a produção em 2018/2019 poderia ter sido maior: entre 20 milhões e 30 milhões de toneladas. “Poderíamos ter até a moagem de cana entre 595 milhões a 600 milhões de toneladas”, diz Botelho.
Enquanto a safra 2019/2020 mostra que o açúcar terá aumento na escolha das usinas, no ciclo que está terminando a opção foi pelo etanol, com 31 bilhões de litros – 5 bilhões acima na comparação com 2017/2018.
Já em relação ao açúcar, que havia registrado a maior produção nesse ciclo, o número deve cair para 26 milhões de toneladas na safra que está terminando: 10 milhões de toneladas a menos.
A maior produção de etanol resultou em estoques elevados, mesmo com a demanda aquecida. Segundo o Ministério da Agricultura, até 15 de janeiro as reservas chegaram a 7 bilhões de litros, sendo 2,5 bilhões de anidro – usado na composição da gasolina – e 4,5 bilhões de hidratado – vendido diretamente aos consumidores. Já as reservas verificadas até 15 de fevereiro foram menores (4,76 bilhões de litros), mas ainda 19,7% maiores do que os 3,87 bilhões de litros apurados no mesmo período em 2018. “A safra começa com foco no etanol, o que não significa que vamos ficar o ano todo nele”, destaca Antonio de Padua, diretor da Unica.
A expectativa por vendas mais rentáveis fez com que as usinas aumentassem a produção do biocombustível ante o açúcar no final do ano passado. Com o preço do barril de petróleo a US$ 75,30, no começo de outubro, a produção de etanol foi intensificada, com o setor esperando a manutenção dos preços altos para a gasolina – o preço do biocombustível acompanha o do petróleo no mercado interno. No entanto, entre o final de outubro e dezembro, o preço do barril despencou para US$ 42,53 e frustrou as expectativas por remunerações expressivas em janeiro. “Ninguém contava com essa queda brutal no preço da gasolina, o que acabou reduzindo o preço do etanol”, observa Duff. No final de fevereiro, o preço do barril de petróleo estava em US$ 55,48. Mesmo com os valores em patamares menores, a análise do mercado é de que o consumo aquecido manterá uma rentabilidade “satisfatória” para os produtores nos próximos meses.