O Brasil tem uma das maiores bacias hidrográficas do mundo somando cerca de 63 mil quilômetros de rios com potencial de navegação, mas só utiliza algo em torno de 19,5 mil quilômetros. Isso equivale a dizer que só 30,9% são navegados, ou seja, dois terços dessa aptidão natural são desperdiçados. Apesar disso, a navegação por hidrovias é vista como uma solução à expansão do transporte de carga, especialmente para o agronegócio. Investimentos privados são considerados estratégicos no modal, por oferecer alternativa às rodovias, já insuficientes para suprir a demanda, segundo especialistas ouvidos pela RURAL.

O último estudo feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que, entre 2010 e 2018, o volume de cargas nas hidrovias cresceu 34,8%, passando de 75,3 milhões de toneladas por ano para 101,5 milhões. Dados mais recentes do Raio-X do Transporte de Cargas na Cabotagem e Navegação Interior no Brasil, produzido pela Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq), mostram que a navegação de cargas por rios, lagos, lagoas e canais no País aumentou 20,7% em 2019 ante 2018. Já o tráfego marítimo entre portos e deles para hidrovias da navegação interior, a cabotagem, subiu 6% no período. O estudo analisou a movimentação de cargas nos corredores hidroviários dos rios Solimões-Amazonas, Madeira, Tocantins-Araguaia, Paraguai, Paraná-Tietê, Hidrovia do Sul e nas principais rotas ao longo da costa.

Transporte hidroviário cresceu cerca de 35% no Brasil, entre 2010 e 2018, mas ainda é pouco representativo diante do potencial que o modal tem no País

Para o economista e especialista em infraestrutura e fundador da Inter.B Consultoria, Cláudio Frischtak, esse crescimento tem sido importante. “Mas se o Brasil quer se tornar o chamado ‘celeiro do mundo’, produzindo mais de 300 milhões toneladas de grãos, terá de fazer frente para ganhar eficiência”, disse. Ao comparar os custos entre países como Austrália, Estados Unidos, Canadá e Rússia, o especialista aponta que o Brasil tem um dos maiores gastos proporcionais ao Produto Interno Bruto (PIB). “Enquanto em outros países o custo logístico gira em torno de 9% e 9,5%, incluindo transporte e armazenamento, no Brasil é de 12,5% a 13% do PIB”, afirmou.

De acordo com Frischtak, o produtor brasileiro é muito eficiente da porteira para dentro, mas ainda não tem o mesmo desempenho da porteira para fora devido a deficiências logísticas no País. “O calcanhar de Aquiles está na estrutura física, com modais que não se comunicam e funcionam mal. E o investimento ainda está muito aquém do necessário”, afirmou. Levantamento da Inter.B indicou que o aporte do Brasil em infraestrutura de transportes é de 0,6% do PIB, quando deveria estar em 2% para atender as necessidades crescentes. “Precisaríamos de três vezes mais investimentos e esse déficit afeta diretamente a nossa competitividade, mais especificamente a do setor de agronegócios.”

Foi para tentar ganhar mais competitividade que a fabricante de celulose chilena CMPC se uniu à empresa especializada em operações portuárias Neltume para, junto ao governo do Rio Grande do Sul, analisar as possibilidades de incremento na infraestrutura no Porto do Rio Grande. Aproximadamente 90% da produção de celulose da unidade industrial da CMPC, localizada em Guaíba (RS), chega até o Rio Grande pela Lagoa dos Patos. Com um porto privado em sua planta, a empresa, que faturou R$ 6,3 bilhões em 2021, carrega sua produção em barcaças que vão de Guaíba até o Porto do Rio Grande. Dali a mercadoria sai para a exportação. A mesma embarcação se desloca até Pelotas, onde é carregada com madeira plantada no sul do estado e retorna com a matéria-prima até a unidade produtiva.

Segundo o diretor geral da CMPC, Maurício Harger, diante do aumento de 18% planejado para a produção, a empresa aposta cada vez mais no uso da hidrovia tanto para trazer madeira como para levar celulose. Assim, a companhia evita 100 mil viagens de caminhões por ano, o que impede a emissão de 56 mil toneladas de carbono na atmosfera. Em 2021, a CMPC transportou 1,75 milhão de toneladas de celulose e 1,26 milhão de metros cúbicos de madeira pela Lagoa dos Patos. “O custo de logística é muito importante. Por isso, desde 2015 aproveitamos o privilégio de ter uma unidade em Guaíba, trazendo as toras de eucalipto por barcas e depois despachando a mercadoria de forma mais eficiente”, disse o executivo.

“Se o Brasil quiser se tornar o celeiro do mundo terá de apostar no modal para ganhar eficiência” Cláudio Frischtak Inter.B (Crédito:Fernando Lemos)

Com o início do projeto BioCMPC, que elevará a capacidade produtiva da empresa em 350 mil toneladas, acima dos 2 milhões de toneladas anuais, a fabricante de celulose quer que o Porto do Rio Grande também se modernize. “Daí a joint venture com a Neltume para ampliar a eficiência do porto, já que somos usuários de 60% da área de armazenagem tendo investido R$ 25 milhões na hidrovia”, afirmou Harger.

COMPETITIVIDADE Com as dimensões territoriais e a clara vocação de produtor agrícola e de minérios, não faz sentido o País abrir mão da vantagem geográfica de ter a maior bacia hidrográfica do mundo para se tornar mais eficiente, na opinião do CEO da Hidrovias do Brasil, Fabio Schettino. “Ao eleger o caminhão como principal meio de transporte, o Brasil acabou ficando para trás em eficiência e custo, além de a hidrovia ser ambiental e socialmente mais amigável”, disse Schettino. Segundo o executivo, o Brasil tem 3% do total das cargas a granel exportadas por hidrovias enquanto nos Estados Unidos é o dobro e na China chega a 20%. “Isso deixa claro o potencial que temos para transformar o modal no País.” Atualmente, um comboio de 25 barcaças da Hidrovias do Brasil equivale a aproximadamente 1,2 mil caminhões. A empresa movimentou só no primeiro semestre de 2022 cerca de 8,1 milhões de toneladas, 25,2% a mais do que em igual período de 2021. Assim, encerrou os primeiros seis meses do ano com crescimento de 26,2% na receita líquida operacional, para R$ 863,3 milhões, o que gerou caixa 17,2% maior medido pelo Ebitda de R$ 424,6 milhões.

O diretor de vendas da Asia Shipping, Rafael Dantas, reforça que o Brasil deve aproveitar as oportunidades de aumento da exportação. Para a empresa, segunda maior operadora de cargas no Porto de Santos, Brasil e México serão beneficiados com novos aportes também na indústria, após os problemas em várias cadeias produtivas. “E o escoamento das mercadorias precisa estar no foco dos investimentos.”

“Não faz sentido o País abrir mão da vantagem de ter maior a bacia hidrográ- fica” Fabio Schettino Hidrovias (Crédito:GLADSTONE CAMPOS / RealPhotos)