De 2006 a 2017, a população de jumentos no Brasil caiu de 600 mil para menos de 300 mil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Considerado símbolo de resistência e trabalho duro nas regiões áridas, sobretudo no Nordeste, o equídeo foi aos poucos sendo substituído pela motocicleta nos trabalhos do campo.

Também contribuiu para a drástica redução o aumento no abate desse animal para exportar sobretudo a pele. Conforme dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), somente no ano passado foram abatidos em matadouros autorizados 123.669 equídeos – jumentos, burros e cavalos. O número é praticamente o dobro do total abatido em 2020, de 64.714 animais.

Prevendo a completa extinção dos jumentos no Brasil, a The Donkey Sanctuary – uma organização internacional que há mais de 50 anos luta para que os jumentos do mundo recebam cuidados e bem-estar – acaba de lançar uma campanha nacional pedindo o fim do abate desse animal.

A campanha #salvejegue recolhe assinaturas em uma petição que será levada às autoridades brasileiras. “A campanha quer mostrar que a sociedade brasileira se importa com o jumento nordestino, também conhecido como jegue. A ideia é obter o maior número possível de assinaturas”, disse Patrícia Tatemoto, representante da organização na América do Sul.

Conforme dados do The Donkey Sanctuary, aproximadamente 4,8 milhões de jumentos são abatidos anualmente em todo o mundo. Só no Brasil, em 2021, foram cerca de 64 mil. “Estimamos que uma média de 1.200 estão sendo mortos a cada semana (62.400 por ano), mesmo com a existência de uma liminar que proíbe efetivamente a prática. As evidências mostram que até 20% dos jumentos morrem antes de chegar ao matadouro, portanto, o número dos que morrem neste comércio é maior do que os números oficiais de abate sugerem”, disse.

Pele para a China

O Brasil tem seis abatedouros autorizados para jegues na Bahia e um em Minas Gerais. O comércio, que levou a uma queda dramática na população de jumentos do Brasil, ocorre para atender à demanda chinesa pela pele do animal – que é cozida para produzir o ejiao, produto que se acredita ter propriedades medicinais.

Em fevereiro deste ano, a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, decidiu suspender o abate de jumentos no Brasil para exportação. No entanto, o Ministério da Agricultura informou, no último dia 3, não ter sido notificado da decisão judicial.

“A natureza insustentável desse comércio é inaceitável, principalmente devido ao extenso sofrimento experimentado pelos jumentos, um importante símbolo da história e da cultura do Brasil”, disse Patrícia.

Ela lembra que esse comércio não apenas ameaça a sobrevivência dos jumentos no Brasil, mas também resulta em um risco de biossegurança para populações humanas e animais. “Não existem fazendas de criação de jumentos e eles são capturados e comprados em vários locais antes de serem misturados e transportados por longas distâncias, muitas vezes através das fronteiras do Estado e sem documentação. Os animais são frequentemente privados de comida, água, descanso e assistência veterinária durante a viagem. Um surto de doença em jumentos pode afetar a exportação de outras carnes brasileiras.”

Conforme Patrícia, apesar da longa história de convivência entre o jegue e o brasileiro, principalmente no Nordeste, praticamente não há estudos sobre o papel desse animais em ecossistemas como a Caatinga, o Cerrado e a Mata Atlântica. “Estamos em tratativas para realizar esse estudo. Já mapeamos os cientistas interessados e esse trabalho deve ser iniciado brevemente. Sabemos que em alguns países, como o Chile, o jumento se adaptou à vida selvagem, em ambientes naturais”, afirmou.

Além de um site (www.salvejegue.com.br) que apresenta dados e fatos sobre a situação dos jumentos no País, a campanha está centrada em uma petição online, hospedada no site de mobilização social Avaaz, que irá coletar assinaturas pedindo a intervenção do governo brasileiro para banir permanentemente o abate. As assinaturas serão encaminhadas também ao Senado e à Câmara dos Deputados.

Controle

O Ministério da Agricultura informou que o abate de jumentos somente é realizado após os animais chegarem ao abatedouro com a Guia de Trânsito Animal (GTA), que atesta o controle de saúde do animal. Essa guia é emitida pela Secretaria da Agricultura do Estado de origem dos animais.

A partir da chegada, a empresa faz uma verificação da origem e das condições de transporte e o auditor fiscal federal agropecuário, que é médico veterinário, realiza os procedimentos de inspeção antes e após a morte desses animais.