26/03/2019 - 12:55
Bebidas vegetais à base de arroz e aveia. Uma massa produzida com gordura feita a partir de soja e de algodão. Biscoitos e bolachas que levam chia na composição. Há 20 anos, seria impossível imaginar produtos como esses nas prateleiras dos supermercados. Hoje, eles existem e ganham cada vez mais espaço. Estamos na era da chamada “saudabilidade”, na qual o bem que um alimento gera a quem o consome vale tanto – ou até mais – do que o próprio sabor. Provocada por uma demanda cada vez maior do consumidor por produtos mais saudáveis, a indústria teve de se adequar aos novos tempos e investir não apenas em lançamentos, como também na diversificação e, principalmente, na qualidade dos ingredientes.
Em tempos de saudabilidade, os consumidores, mais do que nunca, ditam as regras. O comportamento desse cliente muito mais exigente fez com que as empresas de processados mudassem seus modelos de atuação. Segundo Wilson Mello, presidente do Conselho Diretor da Associação das Indústrias Brasileiras da Alimentação (Abia), a indústria tem, atualmente, uma produção muito mais diversificada do que há uma década. “O consumidor atual está querendo inovação e diversificação, o que traz complexidade à indústria”, afirma Mello. “Uma unidade industrial que no passado contava com apenas três linhas de produção, hoje em dia terá oito linhas para a mesma quantidade fabricada.”
A exigência dos consumidores gerou um salto na indústria alimentícia nos últimos anos. Dados da ABIA apontam que, em 2017, o setor movimentou R$ 642,6 bilhões, aumento de quase 180% sobre os R$ 231,6 bilhões registrados em 2007. Em termos de produção física, o crescimento foi de 25,8% no mesmo
período. A suíça Nestlé, por exemplo – a maior empresa de alimentos do mundo – analisa mais de 150 produtos por ano. A companhia afirma ter melhorado, só no ano de 2017, 41 de 120 ingredientes analisados. Apenas para desenvolver uma nova versão sem açúcar do achocolatado Nescau – um dos seus itens mais famosos –, foram investidos R$ 26 milhões. Outros R$ 140 milhões foram empregados na produção de leite UHT sem estabilizantes, eliminando um componente químico da receita. “O que temos feito, principalmente em produtos que têm o reconhecimento de sabor muito forte, é lançar variedades com menores quantidades de açúcar e de sal”, diz Juliana Lofrese, gerente de Nutrição da Nestlé Brasil.
MAIS NATURAL
No ano passado, a empresa reformulou sua linha de biscoitos, com ingredientes naturais a partir de chia, linhaça, quinoa, tomate e espinafre. As bebidas vegetais, à base de arroz e aveia integral, passaram a não ter mais adição de açúcar. A Nestlé lançou, ainda, uma linha especial de creme de leite sem lactose. “A gente analisa as necessidades da população, para migrar ou adicionar categorias dentro do nosso portfólio”, destaca Lofrese.
A americana Cargill, uma das maiores empresas de agronegócio do planeta, também está atenta à onda da saudabilidade. Em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a companhia trouxe ao mercado uma nova gordura, a Lévia+e, feita a partir de soja e de algodão e usada na fabricação de massas e recheios de biscoitos. A meta é ter, no máximo, 35% de teor de saturados nos alimentos. No caso das gorduras tradicionais, esse percentual pode chegar a 65%.
Num futuro próximo, a ideia é utilizar a gordura Lévia+e também na produção de sorvetes. “Temos uma proximidade com
a indústria e conversamos para identificar as necessidades dos consumidores”, afirma Cristina Faganello, gerente da categoria Óleos e Gorduras da Cargill Foods Brasil. “Por isso, buscamos pesquisadores e técnicos para desenvolver essa gordura mais saudável.” Dona das marcas de atomatados Pomarola e Tarantela, a Cargill afirma que vem reduzindo os conservantes desses produtos de maneira “progressiva”.
Em toda a indústria alimentícia, a análise é de que houve dois momentos de mudança drástica no comportamento dos consumidores nos últimos anos. O primeiro foi em 2007, quando as críticas estavam voltadas aos elevados níveis de sal, açúcar e gorduras dos alimentos. A segunda onda teve início em meados de 2013, com a demanda por produtos naturais e orgânicos e a introdução de mais proteínas. “Na média, de 30% a 35% das vendas da indústria são a partir de inovação, de produtos que não existiam e passaram a ocupar a mesa do consumidor”, observa Mello, da ABIA.
ONDA CRESCENTE
A onda da saudabilidade é tamanha, que alcança até outros setores da indústria alimentícia, além dos processados. Um bom exemplo é a Tetra Pak, multinacional especializada na fabricação de embalagens cartonadas e que investiu R$ 40 milhões na construção de um Centro de Inovação ao Cliente (CIC), em Monte Mor, no interior de São Paulo. Há dois meses, a empresa inaugurou uma planta piloto instalada no CIC, possibilitando às fabricantes de alimentos fazer testes para o lançamento de produtos, sem a necessidade de produção em grande escala. “Estamos trabalhando com os clientes nesse processo de inovação e segmentação, para atender às necessidades dos consumidores de forma mais customizada”, diz Vivian Leite, diretora de Marketing da Tetra Pak.
Para Luis Madi, ex-diretor-geral do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), esse tipo de ação evidencia o comprometimento de todo o setor com os consumidores. “A indústria está readequando os seus produtos e processos para menos calorias, mais fibras, menos açúcar e mais conteúdo nutricional.” Tudo para o bem do consumidor.
O que são os processados
Os alimentos processados são aqueles que, no seu processo de industrialização, recebem a adição de ingredientes não existentes na sua composição original, como gorduras, açúcares, sódio, proteínas e fibras. Esse processo é feito com diversas finalidades, como ressaltar o sabor, garantir que o produto fique livre de contaminação e aumentar a sua durabilidade. Da lista de alimentos processados, fazem parte diversos itens, como doces, bebidas – refrigerantes, sucos e leite –, carnes processadas e queijos, além dos enlatados, massas, biscoitos, pizza congelada, entre outros.