05/03/2021 - 13:10
Denunciado à Controladoria-Geral da União (CGU) após criticar a atuação do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia, o epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (RS) Pedro Hallal promete não se calar. Ele assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que se compromete a cumprir o Estatuto do Servidor Público, que proíbe “manifestações de apreço ou desapreço na repartição”, mas afirmou ao Estadão que o episódio não vai impedi-lo de expressar suas opiniões “exatamente da mesma forma”. Para ele, o TAC “é uma vitória contra uma investida autoritária”.
O que houve desde 7 de janeiro, quando críticas ao governo foram feitas?
No final do ano passado, a gente fez o processo eleitoral de escolha dos próximos reitores da UFPel e o professor Paulo Ferreira foi eleito. No começo de janeiro, saiu a nomeação da professora Isabela Andrade, que tinha sido a segunda colocada. Aí começou um movimento de indignação, como aconteceu em outras 19 universidades até então. Resolvemos expor o que estava acontecendo. Fizemos uma live, e houve várias manifestações. Fiz um discurso de 14 minutos. E, realmente, no último minuto e meio da live, fiz aquela manifestação que acabou viralizando. Disse que o presidente não manda na UFPel e, no final, usei o termo “desprezível”.
O que aconteceu depois?
Um ou dois dias depois, recebi um vídeo completamente descontrolado de um deputado federal (Bibo Nunes), de 12 minutos, dizendo horrores sobre a gente e que iria me processar. Ele entregou a denúncia e o processo então chegou à CGU, que me mandou um relatório em que ficava afastada a possibilidade de qualquer infração disciplinar grave – que era o que o deputado queria – e dizia que a única eventual falta funcional que eles vislumbravam, em tese, seria essa violação que acabou entrando no TAC. A CGU, neste caso, procedeu exatamente como eu procederia como gestor. O TAC é sem reconhecimento de culpa. Com a assinatura, o processo foi arquivado.
A CGU classificou o seu comentário como “infração disciplinar de menor potencial ofensivo”. Como sr. Classificaria?
Não tenho nenhuma crítica à classificação que a CGU fez. Para mim, com a assinatura do TAC, colocamos uma pedra sobre esse assunto. O que espero é que nunca mais um pesquisador brasileiro precise passar pelo que eu estou passando.
O sr. vê nisso uma tentativa de cercear a liberdade de cátedra?
Seria muita coincidência que isso tivesse acontecido exatamente com o pesquisador que vem sendo uma das vozes mais críticas à atuação do governo durante a pandemia. Se for uma tentativa de censura, sairá pela culatra. Seguirei emitindo minhas opiniões exatamente da mesma forma como as emitia antes desse processo, porque a minha opinião científica sobre a condução desastrosa da pandemia pelo governo federal não muda em decorrência desse episódio.
O acordo vai mudar a sua conduta no ambiente acadêmico?
Vou continuar exercendo o meu trabalho como eu sempre fiz, desde 2005. Minhas opiniões continuarão sendo emitidas da mesma forma. Especificamente em relação ao assunto que tanto incomoda, seguirei divulgando que três a cada quatro mortes que aconteceram no Brasil não teriam ocorrido caso o governo federal não fosse um fracasso tão vexatório no enfrentamento da pandemia como vem sendo.
Por que o sr. considera a assinatura do TAC uma vitória?
Porque num momento de exceção como esse, um processo que jamais poderia ter existido poderia ter um desfecho surpreendente. No limite, o deputado que me denunciou queria me demitir do serviço público. E nem uma advertência eu recebi. É uma vitória contra uma investida autoritária, que saiu derrotada. Durante toda minha carreira, jamais cometi infração disciplinar e pretendo seguir não cometendo durante o restante da minha vida pública.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.