A escassez de medicamentos para intubar pacientes da covid-19 começa a causar o fechamento de leitos de terapia intensiva. Em São Paulo, ao menos duas cidades estão transferindo pacientes que precisam de intubação, embora tenham à disposição equipe, camas e equipamentos disponíveis na UTI. Mas faltam os remédios.

Com a alta de internações, a maioria dos Estados têm registrado fila por leitos de terapia intensiva. Na rede pública paulista, por exemplo, a espera pode passar de uma semana e parte dos pacientes morre à espera de transferência.

Em São Sebastião, litoral norte, a UTI Respiratória está com oito intubados, mas tem capacidade para 20. Há cerca de 10 dias, todo novo paciente que precisa do procedimento é imediatamente inserido na central de regulação estadual de leitos para ser transferido para São José dos Campos (a 100 quilômetros) ou Caraguatatuba (hospital de referência da região).

“Estamos já há um mês alertando para a falta e a baixa dos estoques”, diz o prefeito Felipe Augusto (PSDB). “Faltam sedativos no mercado. Os estoques foram baixando e chegamos ao nível de colapso, quando não tem.” Ele comenta ter recebido uma “carguinha” de medicamento suficiente para manter só os pacientes já intubados por cerca de cinco dias e fazer o procedimento nos que chegarem enquanto aguardam a transferência. Se houvesse kit intubação, a cidade poderia até mesmo receber pessoas de outros municípios, já que há fila de espera por UTI no Estado.

“Estão sendo transferidos neste momento em estado crítico ou grave, já intubados. Estamos com capacidade de 80% na UTI, mas não vai chegar a 100%, porque não tem insumo. Não colapsamos por falta de vaga, falta de atendimento, mas por falta de insumo”, destaca ele.

Escassez e sobrepreço

Igarapava, de 30 mil habitantes e a 90 quilômetros de Franca, vive drama parecido. A Santa Casa local está com só cinco dos dez leitos de UTI covid em uso por falta do kit intubação. “Nossos leitos estão completos, com todos os equipamentos necessários, equipe. Mas, hoje, a gente não coloca na UTI quem precisa ser intubado. Se precisar, coloca na Cross (sistema de regulação).”

Na segunda passada, mesmo com o valor alto, os kits de intubação foram comprados. O fornecedor, porém, avisou que não conseguiria entregá-los e cancelou a venda. “Custava R$ 32 a ampola de um sedativo que, agora, o fornecedor quer por R$ 270”, conta o interventor do hospital, Marcelo Ormeneze. “Estamos vasculhando (fornecedores) no Rio Grande do Sul, Rio, São Paulo inteiro.”

Ele diz que o hospital guarda as poucas unidades remanescentes para uma “super emergência” e que procurou a gestora da cidade vizinha, que respondeu que só poderia ajudar “se não tiver outro jeito” e “com pouco”. Segundo Ormeneze, para leitos de enfermaria, há remédios, mas vão acabar “já, já”.

Na sexta, a Santa Casa de São Carlos anunciou ter pedido a transferência de 60 internados em UTI e de gravidade moderada por falta de anestésicos. Com a doação de remédios de dois hospitais, a medida foi adiada por ao menos dois dias.

Em nota, a Secretaria Estadual da Saúde afirmou que o governo federal mandou, na sexta, 65,7 mil ampolas de neurobloqueadores e anestésicos, embora tivesse sinalizado envio de 259,8 mil. “A pasta está concluindo a distribuição do quantitativo para as regiões, inclusive Igarapava e São Sebastião.” Disse ainda que os departamentos regionais de Taubaté e de Franca auxiliam para manter o atendimento a pacientes, com remanejamento de remédios e transferências, se preciso.

‘Campo de guerra’

Depois de um ano de pandemia, a sensação é de viver em um “campo de guerra”. Profissionais da saúde relatam o desafio de cuidar dos pacientes – em número crescente, e cada vez mais jovens – e lidar com o cansaço. Esse rejuvenescimento da pandemia pressiona hospitais. Na comparação entre a 1ª semana epidemiológica do ano com a 10ª (7 a 13 de março), as infecções pelo vírus subiram 316%, disse o Observatório Covid-19 da Fiocruz, na sexta-feira, 26.

Já nas faixas de 30 a 39 anos, os casos aumentaram 565%; e de 40 a 49 anos, 626%. Por terem menos comorbidades, a permanência dos mais novos nos hospitais é maior.

“Antes, a gente até falava: ‘eram os avós’. Agora são os filhos e os netos”, diz o infectologista André Baptista, médico residente do Emílio Ribas, unidade de referência em São Paulo. Além disso, as equipes convivem com a ansiedade de dar notícias (más, na maioria) às famílias e a revolta de ouvir sobre flagrantes de festas e aglomerações, como se a crise sanitária nem existisse.

O medo de acabar os remédios é outra sombra. “Se as drogas acabarem, todos vão acordar com um tubo dentro do pulmão. Imagine que situação desesperadora”, define Baptista.

Além das mortes – o País tem mais de 312 mil vítimas até agora -, o número de novas infecções indica que ainda não há sinais de melhora em breve. Médica intensivista do Hospital Municipal de Natal, Ana Patrícia Tertuliano define: “Realmente, o que a gente está vivendo é um inferno”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.