É surpreendente ver o técnico agrícola Jailson Takamatsu apresentar a mesma desenvoltura do povo nativo da região amazônica ao escalar uma palmeira em Tomé-Açu, no interior do Pará, apenas com a ajuda do peconha, utensílio indígena usado para subir em árvores. Um dos herdeiros dos primeiros japoneses que chegaram por ali, ele hoje ajuda os produtores associados à Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), criada há 90 anos. A cidade encravada no meio da floresta Amazônica recebeu um dos grandes grupos de imigrantes vindos do Japão, formando a terceira maior colônia nipônica no Brasil, atrás apenas de São Paulo e Paraná. Com a ajuda deles, Tomé-Açu, que tem 62 mil habitantes e fica a 200 quilômetros de Belém, se tornou uma referência na produção do fruto em sistema agroflorestal, integração entre mata e lavoura que planta sem derrubar as árvores.

ASSISTÊNCIA Jailson Takamatsu assessora os cacauicultores no cultivo pelo sistema agroflorestal (Crédito:Divulgação)

Diferentemente dos japoneses que vieram para o Sul e trabalhavam para os barões do café, as cerca de 50 famílias que desembarcaram na região receberam a garantia de que teriam suas próprias terras para plantar. E foi exatamente por isso que, em 1929, toparam a aventura e fincaram os pés no Pará, empurrados pela grande crise econômica mundial que refletiu severamente sobre o Japão. Mesmo sendo muito dedicados, não demorou para que os imigrantes percebessem que não seria fácil produzir numa região com clima e condições tão diferentes das que conheciam.

Tentaram pelo modo tradicional de monocultura, aproveitando as mudas de pimenta-do-reino que trouxeram na bagagem. Por alguns anos a iguaria foi a principal cultura do Pará, chegando a ser chamada de “diamante negro”. Após um ataque de fusariose quase acabar com as lavouras nos anos 1960, ficou claro que seria mais sustentável e rentável diversificar a produção com frutas da região, incluindo o cacau, que é originário da Amazônia. Hoje, são cerca de 4 milhões de pés de cacau convivendo bem com os de pimenta-do-reino, pitaia, acerola, açaí, castanha, cupuaçu, andiroba, murumuru e palmeiras, das quais se tira o óleo de palma.

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Desde o início, para dar mais unidade ao grupo, os imigrantes japoneses criaram a cooperativa. A Camta ensinou o povo paraense a inserir mais frutas e verduras em sua alimentação e ajudou a reforçar a escolha pela hortifruticultura. Foi preciso investir também na infraestrutura local, incluindo a abertura de estradas para levar os produtos mais rapidamente até o mercado Ver-o-Peso, em Belém. Avançaram muito com as rodovias PA-150 e PA-256, que ligam Barcarena, Tomé-Açu, Paragominas e o Sul do Pará, bem como um novo porto. Ao todo o Japão chegou a investir cerca de US$ 50 milhões para fixar os imigrantes no Norte do País, o que incluiu ainda disponibilizar energia para o local.

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LIDERANÇA Os japoneses foram decisivos para que o Pará se tornasse o maior produtor e exportador brasileiro de cacau, superando a Bahia, famosa pela produção contada nos livros de Jorge Amado. A grande diferença está na produtividade. Cada pé de cacau no meio da floresta, seu habitat natural, produz o dobro de um pé de cacau em solo baiano. Conforme o mais recente Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Pará já responde por 50,68% da produção do País e dispara em rendimento médio, com 948 quilos por hectare (o índice nacional é 469 kg/ha).

Nativo da região amazônica, o cacau encontra no estado do Pará as condições ideais de calor durante o ano inteiro com umidade alta, mesmo em períodos de seca. Também apresenta maior resistência à vassoura-de-bruxa, que devastou as plantações na Bahia nos anos 1990. O fungo causador da doença até apareceu nos cacaueiros paraenses, mas foi facilmente controlado. Em 2022, a colheita aconteceu no mês de abril, mais cedo que o habitual, e rendeu 233 mil toneladas de amêndoas secas, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Em 2010, não chegava a 67 mil toneladas.

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Além disso, a fruticultura tem importante impacto social, segundo o presidente da Camta, Alberto Oppata. “Um hectare de frutas exige mais mão de obra que 50 hectares de grãos. Geramos emprego e riqueza para nosso município”, afirmou. A satisfação vem acompanhada pela cautela. O dirigente alerta para os riscos da aproximação da fronteira dos grãos, em especial pela região de Paragominas. As pulverizações de defensivos comuns nessas lavouras podem afetar a produção de frutas. “Nossos cooperados são orientados a plantar no sistema agroflorestal, respeitando a natureza e as leis. Com ajuda da Embrapa, em nossas roças não se queima nada. Reutilizamos os resíduos e mantemos a riqueza para quem vive da agricultura”, disse Oppata.

Os japoneses foram decisivos para que o pará se tornasse o maior produtor e exportador brasileiro de cacau estrangeiros e embaixadores ao campo brasileiro

O cacau foi levado para a Bahia por razões logísticas. De lá, a Corte Portuguesa enviou o fruto também a outras colônias na África, que acabou sendo beneficiada pela proximidade com o mercado consumidor europeu. “Mas hoje o Brasil é o único país do mundo que planta o cacau, moe, industrializa e consome o chocolate”, afirmou o criador e organizador do Chocolat – Festival Internacional do Chocolate e Cacau, Marco Lessa. A grande parte do parque moageiro ainda está localizada na Bahia e o País já é o oitavo maior consumidor, mas fica bem atrás dos europeus, que respondem por 50% do consumo do cacau no mundo. “As oportunidades, no entanto, são imensas porque metade do mundo ainda não come chocolate”, disse Lessa. “E temos a vantagem da cultura preservacionista, com o plantio em agrofloresta feito 95% por pequenos produtores, o que agrega ainda mais valor à cultura.”

A evolução dessa cadeia produtiva e a consciência a respeito dos modos de produção do cacau são retratadas ao longo da história do festival, criado em 2009. O maior evento do setor na America Latina, com mais de 25 edições e um público acumulado superior a 1 milhão de visitantes, ganhou até sua primeira versão fora do País, realizada em outubro em Portugal. “Queremos mostrar ao mundo que o cacau do interior do Brasil muda a vida de muitas pessoas e, assim, abrir ainda mais as portas do mercado europeu”, afirmou Lessa.

“Um hectare de frutas exige mais mão de obra do que 50 hectares de grãos. Geramos emprego e riqueza” Alberto Oppata, Camta (Crédito:Divulgação)