21/11/2021 - 17:03
Diante da emergência climática, pesquisadores investigam cada vez mais técnicas para sequestrar o dióxido de carbono (CO2), principal responsável pelo efeito estufa. Uma das principais estratégias no mundo tem sido capturá-lo nos processos de produção de bens de consumo, energia e indústrias, para armazená-lo em outros espaços, como no fundo do mar, solo ou rochas. O ponto positivo desses projetos de Captura e Armazenamento de Carbono (CCS – Carbon Capture and Storage, na sigla em inglês) é que eles conseguem atuar em fontes com alta concentração de CO2. Cenário diferente encontra-se ao tentar sequestrar quando ele já está na própria atmosfera – processo que requer muito mais energia.
A Agência Internacional de Energia (IEA), vinculada à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), enxerga o papel da CCS na redução das emissões cumulativas nas próximas décadas. É necessário sair da capacidade de captura atual, de cerca de 40 milhões de toneladas por ano, para uma média de sequestro estimada em 10,4 gigatoneladas em 2070. De acordo com a estimativa da IEA, a indústria de CCS pode gerar impacto econômico total de £ 200 bilhões entre 2020 e 2050 e criar 15 mil novos empregos em todo o mundo. Hoje, a maior parte dos projetos está na Europa e nos EUA.
COMO CAPTURAR? Em setembro, na Islândia, a empresa ClimeWork ligou a Orca, a maior indústria de captura direta de carbono do ar e armazenamento. Oito contentores gigantes retiram o dióxido de carbono da atmosfera, filtram para retirar outros gases, aquecem o material a 100 ºC, misturam com água e injetam no solo. A capacidade é para 4 mil toneladas de CO2 por ano.
No Brasil, uma das apostas é a captação durante a produção do etanol, onde o CO2 é captado com quase 100% de pureza, reduzindo a necessidade de purificá-lo, como faz a Orca. Essa captura na produção pode resultar em emissão negativa, e melhorar consideravelmente a exportação do biocombustível.
Diretor-geral e científico do Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), Julio Meneghini destaca o “Programa Hidrogel” como uma das inovações com maior potencial disruptivo. A aposta é captar nas fontes com alta concentração de dióxido de carbono para fabricar o ácido oxálico. Assim, será possível diluí-lo em hidrogel e aplicá-lo no solo. Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), explica que o hidrogel tem potencial para melhorar os atributos físicos, químicos e biológicos do solo em sistemas agrícolas, de pecuária e de silvicultura.
Um dos desafios é justamente criar o ácido oxálico e reatores que façam a função esperada. “Se usar esse CO2 para a produção do ácido oxálico, você aumenta o ciclo de vida do carbono e melhora não apenas a agricultura e o reflorestamento, como o próprio etanol, que será ainda mais verde”, ressalta ele. As técnicas de inovação em investigação no RCGI são patrocinadas pela Shell e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com cerca de R$ 63 milhões. Mais de 400 pesquisadores atuam no local. “O que buscamos saber é o quanto do carbono do hidrogel ficará estabilizado no solo em condições tropicais”, detalha o professor Cerri. Os primeiros resultados da pesquisa devem sair em três anos. Desde 1997 debruçado em pesquisa de emissão de CO2 e caracterização do solo, o docente Newton La Scala Júnior, da Unesp câmpus de Jaboticabal, ressalta a importância de favorecer o acúmulo do dióxido de carbono no solo a partir das práticas agrícolas. Isso porque a agricultura é apontada como uma das principais causadoras do aquecimento global por liberar os gases de efeito estufa.
OCEANO. Para Marcelo Soares, professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar/UFC), é preciso valorizar mais a capacidade do mar e do litoral atuarem como sumidouro, o chamado carbono azul. O professor explica que um hectare de manguezal absorve quase duas vezes a quantidade absorvida por área de mesmo tamanho na Floresta Amazônica. Ao destruir 1 hectare do manguezal, a emissão de CO2 é dez vezes maior que na floresta.
Esse bioma, assim como as áreas de salinas degradadas no Nordeste Brasileiro, precisam ser restaurados e valorizados, defende Marcelo. “É uma alternativa barata e de muito potencial”, pontua ao listar países como Colômbia, México, Indonésia e Tailândia, que têm mecanismos que contemplam o financiamento de plantio de manguezais. O biólogo defende também a utilização das microalgas marinhas e de fitoplâncton para captura de dióxido de carbono.
O único projeto de CCS autorizado no Brasil é justamente em alto-mar (offshore). A iniciativa da Petrobras está em execução desde 2014 e é a terceira maior operação do tipo no mundo. Em uma década, a redução foi de 40% de emissão de gases de efeito estufa para cada barril produzido. A solução injeta CO2 em rochas e potencializa a capacidade de extração de petróleo. Até 2019 foram 14,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono reinjetados. A meta é chegar em 2025 com 45 milhões de toneladas.
MINERALIZAÇÃO. Investigações de Nathália Weber e outros pesquisadores do RCGI estão na mesma linha de uma das principais apostas de CCS no mundo: a mineralização de carbono. Estima-se potencial de captura e armazenamento na ordem de 2 a 4 gigatoneladas de CO2 por ano. “É muito mais difícil que ele (CO2 mineralizado) retorne à atmosfera, o que torna o processo de armazenamento de carbono ainda mais seguro.” O estudo é focado em formação de rochas de arenitos na Bacia do Paraná.
O potencial de armazenamento nesse local também abre brecha para estudos em formações de folhelhos, outra linha de Nathália. A doutoranda cita que essas rochas têm a capacidade não só de armazenar, mas também de reter o dióxido de carbono na própria camada. Pesquisas nesse sentido foram impulsionadas após o desenvolvimento de técnicas nos EUA que permitem a produção em larga escala do gás natural ali retido. “Essas formações são muito estratégicas por estarem dentro da Bacia do Paraná, que abrange Sul, Sudeste e uma pequena parte do Centro-Oeste. Essas são regiões que têm alta densidade de emissões de CO2.”
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. Além de estabelecer a regulação no Brasil, o diretor científico do RCGI, Julio Meneghini, diz que ainda é preciso avançar mais rápido no uso de inteligência artificial e machine learning. “Só assim você vai descobrir novos materiais que sejam capazes de ativar as reações desejadas.” Neste sentido, a IBM está usando IA para desenhar estruturas moleculares e obter uma melhor membrana de separação de gás. Além disso, há computação em nuvem para realizar simulações de injeção de dióxido de carbono e armazenamento geológico.
Em especial, uma aposta para a academia está em curso: o Hub de Conhecimento de CO2. A plataforma poderá ser alimentada e representar milhares de artigos técnicos para acelerar a descoberta de materiais e ferramentas computacionais e experimentais para analisar e avaliar grandes quantidades de materiais adsorventes. Quanto aos desafios, Mathias Steiner, gerente de Tecnologia e Ciência Industrial de IBM Research Brasil, diz que é preciso otimizar as ferramentas e torná-las ainda mais robustas. “O desafio é testar, validar e aumentar a prontidão do aplicativo com tempos de resposta mais curtos.”
Três perguntas para…
Edmilson M. dos Santos, professor da USP e coordenador do grupo de Advocacy do RCGI
Um dos entraves para a captura e armazenamento de carbono onshore no Brasil é a falta de regulamentação. Um projeto que propõe desenho regulatório da etapa de armazenamento geológico foi compartilhado com o Ministério de Minas e Energia. O texto é de autoria de um grupo de pesquisadores do RCGI. O professor do IEE da USP, Edmilson Moutinho dos Santos, destaca que o assunto é novo e falta conhecimento.
O que falta para uma regulação?
Há um projeto encaminhado ao Ministério (de Minas e Energia) do qual somos mentores da primeira minuta. É um assunto muito novo. As pessoas ainda estão entendendo do que se trata. Envolve elementos constitucionais, contabilidade, necessidade de garantir que o que for capturado fique guardado para sempre. Há um grupo de trabalho para discutir com a sociedade. Já ouviram o setor de carvão e de tecnologia, por exemplo.
Quais regiões têm maior potencial?
Existem boas oportunidades, do ponto de vista de oportunidades físicas. Mas não sei se existem oportunidades econômicas agora. Uma é o Piloto Cubatão-Merluza. É uma plataforma da Petrobrás desativada, onde tem um gasoduto ligando à plataforma com o polo de Cubatão. Outra é relacionada ao BECCS (Bioenergia para Captura e Armazenamento de Carbono). Onde podemos ligar a produção de CO2 das usinas de álcool com campos da Bacia do Paraná. Cidades do interior de São Paulo também podem ser beneficiadas.
Como está a percepção da população em relação às práticas de CCS e aos limites no trato com a natureza ao injetar, por exemplo, carbono em rochas?
Um dos nossos projetos é fazer estudos de percepção pública. Hoje há desconhecimento total. Porém, quando começamos a falar de subsolo já começam as polêmicas. Por isso, é necessário muito tato ao discutir o assunto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.