O governo Lula precisa acabar com o subsídio à gasolina no próximo dia 28, quando termina a prorrogação da isenção dos tributos federais, alerta o matemático Sergio Margulis, economista-chefe do movimento “Convergência pelo Brasil”, que une ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central na defesa da necessidade de levar a conservação do meio ambiente para política econômica.

Ao Estadão, Margulis, que foi economista de meio ambiente do Banco Mundial por 22 anos, afirma que o Brasil tem de “botar o pé no acelerador” na agenda climática para aproveitar a sua vantagem comparativa no processo de descarbonização da economia. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em 2020, a Convergência pelo Brasil publicou uma carta em defesa de uma retomada econômica verde e do fim do desmatamento, após críticas de investidores internacionais ao governo Bolsonaro. O que muda com Lula?

A questão da sustentabilidade está entrando na agenda de todo mundo: governo, setor privado e das pessoas. Achávamos que precisávamos de um diálogo com os reais tomadores de decisão da área econômica. Governo, federações, como a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), têm de estar imbuídos da questão da sustentabilidade. A ideia da Convergência é manter um diálogo com o setor econômico fundamentalmente e trazer a questão da sustentabilidade para o debate. Discutir as vantagens comparativas do Brasil e pensar caminhos do que precisa ser feito de política pública para aproveitá-las.

Qual a estratégia agora?

No governo passado era difícil. Não tinha diálogo, ou muito pouco. O que mais ou menos sobreviveu (de diálogo) foi com o Banco Central, que adotou normativas interessantes. A ideia é ter uma conversa inicial (com o novo governo), e vimos que a própria estrutura dos ministérios já contempla secretarias “verdes” ou algo equivalente. Há espaços de diálogos muito interessantes.

Como avalia a posição do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nessa área?

O discurso dele é muito bom na linha de apoio à questão ambiental. Mas, como em todo e qualquer governo, tem gente que acha que não é tão importante assim. Vamos ver na prática. O que é mais imediato é acabar com o desmatamento. Tem de ter desmatamento zero. Haddad já começa com uma boa sinalização de que está na agenda dele. Ele vai sentar no Fundo Monetário Internacional, no BID, no Banco Mundial, no G-20. Qual é a agenda? A conversa é clima já na saída. Não tem como não ter isso na agenda do ministro.

O sr. acredita na eficácia de uma política transversal, envolvendo muitos ministérios, para a solução de problemas ambientais?

Vai ter de ter. As ameaças do clima colocam um risco muito sério. Não é brincadeira, e não à toa o FMI só fala disso. É um assunto que preocupa as grandes economias. É muita incerteza para ignorar e achar que tem mais tempo. Não tem mais tempo. Nesse lado, sou muito pessimista e preocupado. Está se fazendo muito pouco. O Brasil tem de botar o pé no acelerador, tem de puxar essa agenda, porque é do interesse do País. A China terá de fazer um esforço absolutamente inacreditável para descarbonizar a sua economia. O Brasil, não. O esforço do Brasil é muito menor. Se o Brasil força a antecipação das metas, o que é fundamental para o planeta, isso tem interesse econômico direto. Vamos pisar no acelerador. O governo Bolsonaro não tinha essa leitura. Ele queria dinheiro dos países ricos para descarbonizar. Não entendeu nada.

Faz sentido o governo manter o subsídio da gasolina e do diesel, combustíveis fósseis, como quer a ala política?

Sou completamente contra subsidiar a gasolina. Subsidiar o diesel pode até conversar, mas a gasolina, nem pensar. Está se privilegiando proprietários de automóveis. E a maioria esmagadora das pessoas que consomem gasolina não precisa de subsídio. E é uma opção ter automóvel. É o tipo de subsídio perverso. Quanto mais ficarmos incentivando o uso de combustível fóssil, mais estaremos na contramão na sustentabilidade ambiental.

O custo de manter o subsídio da gasolina é de quase R$ 30 bilhões até o final do ano. É um desperdício?

Poderia ser utilizado em outras políticas de preservação do meio ambiente ou transporte público. Quanto existe hoje de renúncia fiscal, incentivo e subsídios à indústria do petróleo? Segundo o Insper, R$ 125 bilhões em 2020, 2% do PIB! Se o governo fizer uma lista do que faz a favor direta ou indiretamente do aumento do combustível fóssil, verá que é um absurdo, (um valor) muito alto.

A Petrobras ainda está muito atrasada nessa área?

Nesses últimos quatro anos, foi um atraso da agenda ambiental. A Petrobras não teve manifestação nessa questão. Ao contrário, fugiu de investimento, de pesquisas, de avançar no tema, de ter uma definição. No mundo inteiro, todas as empresas petrolíferas, mesmo da Arábia Saudita, olham para novas fontes de energia renováveis. Estão deixando de ser empresas petrolíferas e virando empresas de energia. Elas que estão puxando essa agenda. E a Petrobras está muito atrasada. A Marina Silva (ministra do Meio Ambiente) tem um discurso avançado, mas quando você entra na Petrobras, por exemplo, é um discurso mais pesado. Gostaria de ver algo mais arrojado, mais definido.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.