Representantes de entidades do setor elétrico voltaram a defender, hoje (31), a revogação da obrigação de instalação de usinas termelétricas na lei que autorizou a privatização da Eletrobras. Eles argumentam que a manutenção das térmicas pode gerar um aumento de R$ 52 bilhões no custo de geração de energia no país até 2036, com impactos forte na economia e no bolso dos consumidores.

A lei de conversão da medida provisória que autoriza a privatização da Eletrobras foi aprovada no ano passado com a inserção de um tema estranho ao discutido no projeto, conhecido como jabuti, que incluiu as usinas termelétricas como parte do processo. A legislação determina a contratação o fornecimento de 8 gigawatts (GW) de usinas termelétricas a gás natural nas regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste a partir de 2026.

O texto define ainda que a inserção dessas usinas a gás no Sistema Interligado Nacional (SIN) ocorrerá até 2030, e que elas operarão em tempo integral com capacidade mínima de 70% por pelo menos 15 anos.

O tema foi debatido na manhã desta terça-feira na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, citou um estudo elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, que mostra que a inserção compulsória no Sistema Interligado Nacional (SIN) das usinas térmicas custaria R$ 192 bilhões até 2036. E que o custo de operação do sistema, no mesmo período, chegaria a R$ 145 bilhões.

Em um cenário sem essa exigência, o investimento necessário para gerar essa quantidade de energia cairia para R$ 173 bilhões e o de operação ficaria em R$ 93 bilhões, uma diferença de R$ 52 bilhões em relação ao cenário com as térmicas.

“E olha que nesse estudo não está sendo considerado o fato de que essas termelétricas estariam sendo localizadas em regiões onde não têm gás e já são regiões exportadoras de energia”, alertou Sales, citando como exemplo a Região Nordeste. “A inserção dessas usinas foge totalmente do que seria razoável do ponto de vista econômico, do que seria razoável na oferta de energia, e ela implica que essa usina seja acionada mesmo que não se precise dela”, disse.

O presidente executivo da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, lembrou que parte dessas usinas deve ficar em áreas sem infraestrutura adequada. Ele disse que a obrigação de contratação das térmicas vai levar obrigatoriamente à construção de gasodutos e de linhas de transmissão de energia para resolver o novo problema.

A associação apresentou uma estimativa de alguns desses impactos, que poderiam gerar um aumento de 10% na tarifa de energia do país, algo em torno de R$ 27 bilhões. O custo com a construção de gasodutos ficaria entre R$ 60 bilhões e R$ 89 bilhões, e as linhas de transmissão custariam cerca de R$ 600 milhões.

“Isso vai levar a obrigação de construção de gasoduto para levar o gás até essas regiões, a construção de termelétricas propriamente ditas, e depois a de linhas de transmissão para trazer a energia de volta. Essa energia deslocará energia de outras fontes, pois os projetos de energia renovável vão ter que esperar para entrar no sistema porque o espaço do mercado estará ocupado pelas térmicas”, explicou.

O gerente executivo de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Wagner Cardoso, disse que a entidade endossa as críticas à obrigatoriedade das térmicas. Na visão da entidade, o governo tem adotado políticas setoriais equivocadas para determinados setores, sem considerar o impacto em toda a economia.

Segundo Cardoso, “o custo maior da energia impacta violentamente nos custos de produção industrial”, diminuindo a competitividade das empresas brasileiras. Ele disse que a queda na participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB) do país, hoje em cerca de 11%, pode ser parcialmente creditada ao aumento com o custo de energia, que vem crescendo desde 1995.

“Hoje a energia é um entrave para o desenvolvimento da indústria, e a explicação é de que a gente tem politicas setoriais equivocadas, impacto crescente de subsídios setoriais e impostos que explicam boa parte dessa situação. Essa é uma escolha errada, na hora errada”, disse.

O presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel, lembrou que “a medida não atende ao planejamento previsto para a operação desse tipo de usina, que deve se localizar próxima a um centro de gás, com estruturas para o transporte e linhas de transmissão para a energia. E devem ainda trabalhar de forma flexível, sem a necessidade de produzir constantemente”. Mas, segundo Menel, não é o que está previsto na proposta, que vai impor a construção de toda essa infraestrutura.

“Ninguém é contra a construção de novos gasodutos no Brasil. Eles são bem-vindos, mas dentro de uma ótica econômica”, disse, acrescentando que “o planejamento setorial deve ser respeitado na sua integridade, sob pena de termos perda de qualidade da governança do setor elétrico”.

O representante do Instituto Internacional Arayara, Juliano Araújo, disse que além de prejudicar a economia, a inserção das térmicas vai trazer diversos impactos ambientais, entre eles ao aumento não volume de gases do efeito estufa na atmosfera, como o CO2.

Ele afirmou ainda que, anteriormente, já haviam tentado inserir a obrigação das termelétricas em outros projetos relacionados ao setor, como o que tratou do novo mercado do gás e o do risco hidrológico.

Em março, ao lado de 22 organizações, a entidade assinou um manifesto contra a inserção de um “jabuti” para a criação de um fundo para bancar gasodutos no projeto de Lei 414/2021, que altera regras do setor elétrico.

Araújo pediu a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as térmicas, que, segundo ele, a inserção no projeto da Eletrobras atendeu a interesses obscuros.

“A associação Arayara pede que obviamente se instale uma CPI sobre a questão da energia, já que há elementos que, para não dizer ilícitos, são ocultos ou com interesses escusos no sentido de impor uma matriz energética suja, que já vem sendo substituída no mundo inteiro”, disse.

O deputado Eliaz Vaz (PSB-GO), autor do pedido de audiência, disse concordar com a criação de uma CPI e que ia levar a sugestão para a bancada partidária. O deputado lembrou que a obrigatoriedade das termelétricas foi colocada no relatório do projeto pouco antes da votação e que não houve discussão aprofundada com os parlamentares.

“Eu não sabia disso [da obrigatoriedade das termelétricas], fiquei sabendo só quando foi apresentado o relatório. Só fiquei sabendo na última hora. Quem articulou não discutiu com a sociedade. Acho que essa situação aqui merece, necessariamente, uma investigação de uma CPI”, defendeu o deputado. “Não podemos dar isso como uma situação já consolidada. É uma legislação que pode alterar do ponto de vista negativo a situação econômica e de crescimento no país”, afirmou.