Tragédias como a de São Sebastião, litoral norte paulista, reforçam a importância dos sistemas de resposta a alertas de desastres naturais, como de chuva forte. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, redes de alarmes são uma medida indicada para áreas com alto risco de deslizamentos. O modelo, dizem, não é solução definitiva, mas pode salvar vidas quando há um desastre como o do carnaval, com 65 mortos. Precisa vir acompanhado de outras estratégias, como definir rotas de fuga, treinar moradores, avisos em celulares, informes na mídia e ofertar abrigos para quem deixa a casa às pressas.

Sirenes instaladas em comunidades do Rio desde 2011 – quando temporal na Região Serrana fez mais de mil mortos – vêm salvando vidas, dizem especialistas. Apesar de eventuais reveses (como avisos cujo eventos climáticos não são tão fortes quanto o previsto), ele é o mais usado internacionalmente quando é preciso alertar o maior número possível de pessoas velozmente sobre ameaça iminente – natural ou não. São sirenes, por exemplo, que alertam os ucranianos para bombardeios russos e indicam a hora de buscar abrigo.

No Rio, sirenes nas comunidades em áreas de risco são acionadas pelo Centro de Operações Rio (COR) – órgão da prefeitura que monitora a cidade e integra ações para reduzir efeitos de chuvas fortes, desabamentos, enchentes e incêndios. No COR, é possível acompanhar o volume de chuva e o ponto em que encostas ficam instáveis. Mas apenas soar a campainha não resolve.

“Não adianta acionar a sirene se as pessoas não sabem o que fazer”, diz Paulo Canedo, professor da Engenharia da Coppe, da Universidade Federal do Rio (UFRJ). “É preciso ter plano de contingência para evacuação que indique quem sai primeiro, para onde as pessoas vão, quem sobe para salvar idosos que não conseguem descer sozinhos, tudo isso.”

Nos Estados Unidos e no Japão, os planos de contingência para tsunamis e furacões envolvem várias etapas de alerta – via mídia, mensagens de celular – até sirenes e veículos com mensagens de som. Há ainda treinamentos regulares, com rotas de fuga.

Para temporais fortes, a Agência Meteorológica Japonesa prevê cinco níveis de alerta para a população. No nível três, idosos e moradores com deficiência são orientados a sair da zona de perigo, justamente por demorarem mais para se deslocar. A evacuação de todos é recomendada a partir do nível quatro. Com alto risco de terremotos e ondas gigantes, no Japão treinar as respostas a desastres integra até currículos escolares. Um caso, conhecido como Milagre de Kamaishi, virou referência após alunos de uma escola na área costeira sobreviverem ao tsunami de 2011 justamente porque sabiam como agir.

Nos últimos anos, Alemanha e França também têm reformulado seu sistema de alerta, com sirenes e mensagens de celular. Na Cúpula do Clima 2022, no Egito, as Nações Unidas anunciaram o plano de reunir US$ 3,1 bilhões (R$ 16,1 bilhões) para que todo o planeta tenha cobertura de sistema de alerta até 2027. É caro, mas a Comissão Global de Adaptação estima que US$ 800 milhões (R$ 4,2 bilhões) para países em desenvolvimento evitam prejuízo de até US$ 16 bilhões (R$ 83,4 bilhões) ao ano.

Hora certa

Outros problemas recorrentes são tomar a decisão de acionar a sirene – e acreditar nela. “O prefeito, às vezes, pode ter dificuldade de acionar. Ocorre de ser acionada, todos saírem e no fim a chuva nem ser muito grande. Ai todo mundo xinga o prefeito”, diz Canedo. “Outro problema é (fazer) a população acreditar na sirene e sair de casa.”

Líderes comunitários também podem acionar sirenes localmente. Em alguns lugares, são usados pluviômetros caseiros, feitos de garrafa PET, marcador barato e eficiente para estimar o volume de água e os riscos imediatos. Algumas lideranças também usam apitos para alertar moradores e têm até grupos previamente treinados para resgatar quem tem dificuldades de locomoção.

“Um plano de contingência precisa ser construído na época certa, não com chuva caindo”, diz Marcelo Seluchi, do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden). “É preciso bom mapeamento das áreas de risco, definir rotas de fuga, saber onde estão os abrigos. É importante que a população saiba qual a rota de fuga mais próxima, para onde ir, fazer simulados, e saber quando abandonar a casa. Vai ter sirene, SMS, gente batendo na porta?”

O Cemaden monitora nacionalmente chuvas e riscos de deslizamento e alertas as Defesas Civis locais. Sobre São Sebastião, o órgão federal diz ter alertado a Defesa Civil paulista mais de 24 horas antes. Mas a precipitação foi subestimada: previstos 200 a 250 milímetros, e foram mais de 600 mm.

Esse é outro problema. Previsões do tempo e de desastres naturais se baseiam em monitoramento de dados, usando séries históricas. Com a aceleração da crise climática, olhar para o comportamento da natureza do passado tem ajudado menos a prever o futuro.

A Defesa Civil paulista diz ter feito alertas nas redes sociais, na mídia e por mensagens no celular. O total de aparelhos cadastrados no litoral norte, segundo o Estado, é de 34 mil. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) admitiu que os alertas não foram efetivos e prometeu levar sirenes a pontos críticos.

O Rio também envia mensagens de celular a moradores de áreas de risco. E o COR faz alertas gerais, por meio da imprensa, sobre condições meteorológicas e eventuais riscos, além de mobilizar bombeiros.

Em Campos do Jordão (SP), equipes da Defesa Civil vão para as ruas preventivamente em caso de chuva forte. Caso constatem sinal de deslizamento iminente, a própria equipe bate de porta em porta, alertando moradores. É uma estratégia difícil, no entanto, de ser aplicada em cidades maiores ou em bairros de difícil acesso.

Especialistas concordam, porém, que tais medidas são emergenciais. Evitam tragédias ainda mais dramáticas, mas estão longe da solução ideal. “A sirene serve para o lugar indevidamente ocupado, onde a coisa saiu do controle”, diz Canedo, da UFRJ. “Mas que tal não precisar ter sirene, tirar pessoas das áreas de risco? Ao menos não deixar novas comunidades lá?”

Encostas ficam ainda mais perigosas com o desmate e o lançamento de esgoto in natura no terreno. Reflorestamento e saneamento básico ajudam a reduzir riscos e erguer contenções. Recife, por exemplo, dá material de construção e apoio técnico para os próprios moradores fazerem reparos contra deslizamentos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.