21/01/2016 - 12:08
Se existe uma voz preparada para falar em nome do agronegócio brasileiro, ela pertence a Roberto Rodrigues, engenheiro agrônomo formado em 1965 pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) de Piracicaba (SP). Obcecado pelo tema produção de alimentos, Rodrigues não se cansa de repetir que “só há paz se houver alimento para todos”. Ministro da Agricultura no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de ter cumprido uma extensa pauta de serviços na Organização das Cooperativas Brasileiras e em diversas outras instituições nacionais e internacionais, hoje aos 73 anos ele coordena o Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), em São Paulo. Na agenda, sempre lotada de compromissos, estão aulas, palestras, estudos e projetos, além da publicação de 12 livros – o próximo, uma autobiografia, já está a caminho. Na lida diária, além das tarefas na FGV Agro, Rodrigues participa de 29 conselhos de instituições e de empresas, dos quais 15 atuam fora do setor do agronegócio, como o Conselho Empresarial da América Latina (Ceal), onde estão cerca de 600 líderes. No final de novembro, de malas prontas para uma viagem à China, ele recebeu a DINHEIRO RURAL na sede da FGV Agro. Confira a entrevista.
DINHEIRO RURAL – Quais as pautas do agronegócio para 2016?
ROBERTO RODRIGUES – A logística não deve sair da pauta do setor, porque é o nosso maior gargalo. É preciso planejar e dar um rumo a essa questão. A falta de garantia de renda ao produtor e o seguro rural também estão nas primeiras posições. O seguro rural, por exemplo, precisa ser mais abrangente. Além disso, é preciso um crédito rural rotativo e dinâmico. Outra questão é buscar uma política comercial agressiva, algo que a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, está fazendo. Na questão tecnológica somos donos da melhor agricultura comercial do mundo, mas não podemos parar de inovar. Em relação à defesa sanitária, não é possível que o Brasil ainda tenha dificuldade de acesso a mercados por causa do risco de febre aftosa. Essa é uma questão central, além das questões trabalhistas e ambientais. O problema é que isso exige uma estratégia de Estado, mas os instrumentos para a sua execução estão pulverizados dentro do governo e não diretamente ao alcance do ministério da Agricultura.
RURAL – Temos alguma chance de um dia ver isso se concretizar?
RODRIGUES – Estou esperançoso de que teremos uma estratégia para o setor porque acredito que atualmente há um reconhecimento crescente da sociedade brasileira de que o agronegócio está salvando o País. Há uma visão de que a produção agropecuária é relevante e precisa de estratégia. Tendo isso, o Brasil será o campeão mundial da paz. E só há paz se houver alimento para todos.
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RURAL – E quais são as tendências para 2016?
RODRIGUES – São três os temas centrais que determinarão os resultados de 2016. O primeiro é o crédito. Os recursos estão fluindo, mas com atraso, o que afeta a aquisição de insumos agrícolas. Além disso, o crédito está seletivo e mais caro. Isso representa uma redução de padrão tecnológico em algumas áreas de cultivo de lavouras. O que não é um problema nesta safra, porque a terra vem sendo preparada há muitos anos e quanto mais tempo se usa tecnologias, melhor a terra fica do ponto de vista físico e químico. Agora, isso é uma verdade para condições normais de clima, o que nos leva ao segundo tema do ano, que é o fenômeno climático El Niño. Se as condições de clima forem normais, ou até um pouco abaixo da normalidade, não haverá problema de produção. Mas se a seca for maior do que o normal, aí essa espécie de reserva tecnológica será utilizada pela terra como uma proteção. O terceiro tema relevante para 2016 é o câmbio. Nós plantamos em 2014 com um câmbio de R$ 2,70 e colhemos a R$ 3,20. Agora, para a safra 2015/2016 plantamos com um dólar de
R$ 3,70, mas a que dólar colheremos?
RURAL – O que esperar desse cenário?
RODRIGUES – É muito difícil fazer uma avaliação de quanto estará o dólar em 2016. Ao mesmo tempo em que há fundamentos para que a moeda americana permaneça valorizada, há fundamentos que apontam para o contrário. Ouço analistas falarem em um dólar de até
R$ 4,20, mas não acredito nesse patamar; acho que ficará abaixo disso. Em todo o caso, não será um bom negócio colhermos a safra 2015/2016 com um dólar igual ao que plantamos porque os preços internacionais das commodities estão caindo e os custos subiram. Eles aumentaram entre 15% e 20% na safra. Por isso, a questão cambial terá um reflexo muito grande no crédito. Quem deve em reais vai ser menos prejudicado, mas aqueles que devem em dólar, que são os grandes produtores do Centro-Oeste, têm uma espada sobre a cabeça porque vão ficar pendurados no câmbio.
RURAL – Até que ponto os produtores estão olhando para a produtividade de suas lavouras?
RODRIGUES – Eu acho que o discurso da produtividade foi incorporado no Brasil, definitivamente. Há uma mudança de comportamento e isso é fantástico. O produtor rural brasileiro se deu conta de que deve usar a máxima tecnologia ou não será competitivo. É uma mentalidade universal? Não, ela está na cabeça dos agricultores líderes, mas está evoluindo.
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RURAL – A prática tem a ver com mudança de geração?
RODRIGUES – Isso vem ocorrendo com um amadurecimento que se dá de duas formas: com a troca de geração ou com o casamento entre duas gerações. No caso brasileiro há uma mistura de velhos inteligentes com jovens mais preparados. E isso está deixando o setor muito mais competitivo. A tecnologia é parte disso: é preciso ter a melhor, nem que seja para plantar menos.
RURAL – As tecnologias estão definitivamente nas mãos das empresas?
RODRIGUES – De certa forma sim, mas a Embrapa também é uma empresa. Além disso, as universidades já possuem uma visão empresarial. Acho que o grande drama atual é o custo para ampliar o uso da tecnologia e não a forma de acessá-las. Por isso, defendo que a gestão nesse momento tem um peso maior que a tecnologia, inclusive porque a gestão da ciência exige uma administração muito maior de recursos humanos.
RURAL – Como o senhor avalia o desempenho do País na área internacional?
RODRIGUES – O Brasil tem errado muito. Primeiro, ao desprezar a proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), no início dos anos 2000. Em seguida, optou pelo esquema 4+1 no Mercosul, ou seja, os acordos só são feitos em conjunto por todos os países do bloco. Do ponto de vista político é importante e do ponto de vista econômico também, mas, na prática, essa opção engessou o País. O Brasil é muito maior do que Argentina, Paraguai e Uruguai somados e os interesses são díspares. Ao assumir essa postura 4+1, o Brasil matou também a sua relação com a União Europeia. A nossa disposição de fazer ofertas é muito maior do que a dos países do Mercosul, mas estamos há 14 anos sem sair do lugar.
RURAL – O Brasil deveria abandonar o Mercosul?
RODRIGUES – Minha tese é que, sem desprezar o Mercosul, o Brasil tem condições de negociar sozinho e depois trazer o bloco para um pacto. Nós sempre tivemos uma posição muito paternalista em relação aos demais países do Mercosul porque o papel do Brasil como líder regional era o de ajudar os demais. Isso até faz sentido, mas perdemos oportunidades porque 40% do atual comércio de alimentos acontece no âmbito dos acordos bilaterais. E o Brasil não participa de nenhum. Perdemos a ALCA, a União Européia e agora o Tratado Transpacífico (TPP).
RURAL – Até que ponto ele pode afetar as exportações brasileiras?
RODRIGUES – O TPP foi mais um cochilo da área internacional do Brasil. O acordo tem duas implicações negativas para nós. A primeira é a perda de mercado, que ainda não está clara como vai ser. Mas, mais importante do que isso, é que o TPP é o maior acordo multilateral da história. E ele deixa de lado a China e a Índia porque a sua alma é estabelecer regras de acordos bilaterais numa ótica multilateral. Então, é um recado: “ou vocês entram nessas novas regras ou ficam de fora”. Entre-
tanto, o Japão já está fazendo uma parceria com a China. A União Europeia está negociando com a Ásia. E nós estamos de fora de tudo isso.
RURAL – E as nossas relações através da Organização Mundial do Comércio (OMC)?
RODRIGUES – Nós estamos dando um tiro no pé ao colocarmos todos os ovos na mesma cesta, a OMC. Não acho que ela seja uma organização ultrapassada, mas está perdendo o protagonismo. A função da Rodada de Doha era flexibilizar o comércio mundial agrícola, mas ela já dura 14 anos. A discussão não vai em frente porque os mecanismos de protecionismo dos países se recrudesceram. E os países se protegem em acordos bilaterais, com regras que desprezam as da OMC.