A empresa que tenta trazer ao Brasil a vacina indiana Covaxin tem entre suas sócias uma firma que deve R$ 20 milhões ao Ministério da Saúde. O valor é referente à compra de remédios de alto custo que nunca chegaram às mãos de pacientes de doenças raras. O contrato foi feito no fim de 2017, quando o ministério era chefiado pelo atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR). Mais de três anos depois, a pasta diz ainda negociar o ressarcimento.

No fim de 2018, o Ministério Público Federal no Distrito Federal entrou com ação contra a Global Gestão em Saúde S. A., contra Barros e servidores que na época atuavam no ministério. A suspeita dos procuradores é de que o atual líder do governo Jair Bolsonaro beneficiou a empresa em contratos. O caso tramita na Justiça Federal do DF e a Procuradoria pede que os réus paguem R$ 119,9 milhões, o que inclui ressarcimento e danos morais a pacientes.

Segundo dados da Receita, a Global é uma das sócias da Precisa Medicamentos, que representa no Brasil o laboratório indiano Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, vacina contra a covid-19. O presidente da Global, Francisco Emerson Maximiano, também é sócio-administrador da Precisa. Apesar do processo envolvendo a Global, nenhuma das duas empresas está impedida de firmar contratos com o governo federal.

O Ministério da Saúde negocia com a Precisa a compra de 20 milhões de doses da Covaxin. Segundo a pasta, o acordo só não foi fechado ainda por “atrasos nos repasses de informações” por parte da empresa. A ideia é começar a receber as doses já em março.

A negociação para a compra da vacina indiana ocorre no momento em que o governo é pressionado para ampliar a oferta de doses. Bolsonaro tenta reduzir a dependência da Coronavac, associada ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político do presidente. Além da negociação com a Saúde, a Precisa tem acordo com a Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABCVAC) para vender 5 milhões de doses ao setor privado.

O imunizante já recebeu aval para uso emergencial na Índia, mas tem dados de eficácia ainda desconhecidos e está ainda na fase 3 dos testes.

Divergência

No fim de outubro de 2017, a Global – sócia da Precisa Medicamentos – venceu edital para compra emergencial de medicamentos de alto custo para doenças raras – proposta de R$ 19,9 milhões. A Anvisa, à época, disse que a Global não apresentou documentos exigidos para liberar a importação dos produtos, o que levou Barros a acusar o órgão de favorecer monopólios.

O então ministro chegou a orientar pacientes, por WhatsApp, a que fossem à Justiça contra a Anvisa. No mesmo período houve outras compras que opuseram Barros e a Anvisa e terminaram frustradas, mas apenas a Global recebeu o pagamento antecipado.

Após decisão da Justiça, a Anvisa autorizou as licenças de importação à Global. Ainda assim, a empresa não conseguiu cumprir o contrato. Apenas poucos frascos foram trazidos ao País e nem sequer foram distribuídos, pois eram apenas amostras de lotes. No fim de 2018 a empresa firmou um acordo para devolver o valor do contrato em quatro parcelas e mais tarde pediu para entregar o valor em 60 vezes, o que não foi aceito.

Em resposta a um pedido do Estadão via Lei de Acesso à Informação, a Saúde se recusou a entregar o processo atualizado de cobrança à Global, dizendo que ele se encontra “em fase de atualização do valor”.

Na ação em que Barros e a Global são réus, a procuradora Luciana Loureiro Oliveira afirma que o ministério “insistia” em dar à empresa “todas as oportunidades possíveis de executar” o contrato.

Procurado, Barros disse ao Estadão que “rechaça” acusações do MPF sobre ter beneficiado a Global e que “repudia” o “ativismo político” de procuradores. “No caso da empresa Global, houve inexecução contratual e foram adotadas todas as providências pelo ministério (…).” O Ministério da Saúde, a Global e a Precisa Medicamentos não quiseram se manifestar.

Barros ‘aperta o cerco’ à Anvisa

Atual líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros tem feito críticas à atuação da Anvisa no processo de aprovação de vacinas. Em entrevista ao Estadão no dia 4, disse que iria “enquadrar” a agência, que não estaria “nem aí” para a discussão sobre as vacinas contra a covid-19. No mesmo dia, o Congresso aprovou regra que prevê um prazo de cinco dias para o órgão sanitário liberar o uso emergencial de imunizantes já aprovados em outros países. O presidente da agência, Antonio Barra Torres, reagiu e disse que estuda ir ao STF se a regra for sancionada.

Barros também apresentou uma emenda à MP 1026/2021 para a Anvisa acelerar a análise de vacinas já autorizadas na Índia. A regra atual permite facilitar o caminho a produtos com aval de agências de peso, como as dos Estados Unidos, China e Europa. A emenda foi aceita no relatório sobre a MP, que deve ser votada na semana que vem pela Câmara dos Deputados.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.