08/03/2017 - 12:09
Uma cachaça, cujo valor da garrafa supera R$ 2 mil, é o símbolo da excelência da marca gaúcha Weber Haus, que produz o destilado à base de cana-de-açúcar no município de Ivoti, próximo a Porto Alegre. O Lote Especial 48 surgiu em 2013, quando a família Weber, proprietária da destilaria, convidou um grupo de especialistas para selecionar os melhores barris da bebida envelhecida por 12 anos. A cachaça Lote 48 foi preparada a partir da mistura do conteúdo de três barris, em um evento que durou três dias.
A técnica é comum para destilados valiosos no mundo, como os melhores uísques escoceses, irlandeses ou americanos. Desse blend foram produzidas duas mil garrafas numeradas. “A primeira saiu por R$ 700 e acrescentamos R$ 1 no preço, a cada nova garrafa vendida”, diz Evandro Weber, 46 anos, herdeiro da marca e diretor da empresa. Do lote, ainda há 400 garrafas à venda.
A família Weber, de origem alemã, tem quase dois séculos de história na produção de destilados no País. Os Weber iniciaram a produção da bebida alemã schnaps, à base de batata no caso, em 1824.
A cana-de-açúcar começou a ser adotada como matéria-prima em 1848, mas a cachaça passou a ser vendida além do círculo de amigos e parentes exatamente um século depois, em 1948. Foi com essa virada que o nome Weber Haus surgiu como uma empresa especializada em cachaças especiais. “A família chegou à conclusão que precisava de uma marca forte, capaz de nos levar a novos públicos”, diz Weber. A produção atual é de 500 mil litros por ano, incluindo marcas que foram lançadas ou adquiridas ao longo do tempo, como Lundu, Velho Pescador, Santa Martha e Trinta Luas. “Compramos marcas tradicionais para manter a forma de produção típica da região ”, afirma Weber.
No Brasil, praticamente toda a cachaça colocada no mercado é produzida em pequenas destilarias. “Dá para dizer que 99% dos alambiques se encaixam nesse modelo”, diz o publicitário Maurício Maia, especialista na bebida. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça são cerca de 800 milhões de litros anuais e 15 mil destilarias.
Espalhados pelo País, há grupos, clubes, confrarias, sommelier de cachaça, ou melhor, cachacier como preferem de ser chamados, buscando modos de apreciar e avaliar as melhores bebidas. A cultura da cachaça premium somente está sendo formada porque há muitas histórias para contar, e elas começam a aparecer. No mercado há até cachaças premium orgânicas, embora elas ainda sejam raras.
Como a marca Werneck, criada em 2006 pelo executivo e engenheiro mecânico Eli Werneck, 67 anos, em um sítio no município de Rio das Pedras (RJ).
Ele produz dez mil litros por ano. “Já havia feito cachaça artesanal na década de 1970”, diz Werneck. “Mas queria algo diferente.”
As cachaças premium estão ganhando espaço pela qualidade que a técnica do envelhecimento vem conferindo à bebida. Maia diz que no Brasil não havia a cultura de deixar a bebida por vários anos em barris lacrados e nem a tradição em tanoaria, a produção dos barris para o seu envelhecimento. “Nos últimos dez anos começaram a surgir as empresas que produzem com madeiras tipicamente locais, como o jequitibá, a amburana, a castanheira, o bálsamo e a amendoeira”, afirma ele. “A escolha da madeira é fundamental para características de coloração, cheiro e sabor da bebida.”
As cachaças mais valorizadas do mercado, no entanto, continuam sendo aquelas envelhecidas em tonéis de carvalho norte-americano e, principalmente, francês. Mas a classificação de uma cachaça superpremium não está apenas na qualidade da bebida e sim no conjunto de atributos que vão até a apresentação e a exclusividade do produto. “Os lotes limitados, com no máximo três mil unidades numeradas e assinadas por um mestre alambiqueiro de renome, são características muito valorizadas nas cachaças especiais”, afirma Maia.
Werneck, por exemplo, criou em 2014 a suprepremium Safira Régia, um blend envelhecido por cinco anos. São 960 garrafas numeradas, metade já negociada por R$ 360 cada. É o caso também de outra marca gaúcha, a Harmonie Schnaps, no município de Harmonia, próximo a Porto Alegre. Em 2003, ano de sua criação, Leandro Augusto Hilgert, 41 anos, guardou o equivalente a 1,2 mil garrafas em barris de carvalho para comemorar os dez anos da destilaria.
Hoje, cada garrafa da cachaça extra premium chega a custar R$ 600. “Sou a quinta geração de alemães no Brasil e a cultura da cachaça faz parte da nossa história”, afirma Hilgert. Atualmente, a Harmonie Schnaps fabrica 25 mil litros de cachaça por ano. Além disso, desde 2007, com o velho alambique da família restaurado, a cachaçaria entrou para a rota turística Sabores e Saberes do Vale do Rio Caí, na qual estão 13 famílias da região. Em 2013, as cachaças da Harmonie Schnaps ganharam o mundo. Duas receberam medalhas de ouro no Concurso Mundial de Bruxelas, na Bélgica, um dos mais renomados
do mundo.
FAMA Outro brasileiro que foi a Bruxelas e também saiu do concurso com uma medalha de ouro nas mãos é Martin Braunholz, 60 anos, dono da microdestilaria Hof, de Serra Negra (SP). O fato ocorreu um ano depois, em 2014, para uma cachaça envelhecida, que ganhou na categoria Spirits Selection Brasil. Quem olha Hof hoje quase não acredita que o negócio da cachaça, que leva o nome de Alma da Serra, começou por causa de algumas cabras leiteiras.
Braunholz comprou um sítio em 2004 e iniciou a criação de animais da raça saanem somente para produzir queijos, doce de leite, além de um licor de leite. Mas, para vender os quitutes, ele começou a participar de exposições agropecuárias. “Foi o sucesso do licor de leite de cabra que me inspirou a fazer a cachaça”, diz ele. A produção da bebida envelhecida é de 20 mil litros por ano e preço médio da garrafa, R$ 120. “São barris de até 300 litros que, por serem menores, fazem com que a bebida pegue mais o sabor da madeira.”, afirma Braunholz.
Mas a história de maior repercussão nos últimos anos tem celebridades como protagonistas. Os cantores sertanejos Leonardo e Eduardo Costa passaram os anos de 2015 e 2016 com um show no qual a cachaça fez parte do espetáculo. Entre uma música e outra, os cantores tomavam uma cachaça que se chama Cabaré, o nome do espetáculo.
E em vários momentos, eles convidavam o público a experimentar a bebida. O show ao vivo foi visto por dois milhões de pessoas. Na internet, no canal YouTube, 100 milhões de pessoas acessaram o vídeo Cabaré.
A tacada foi de mestre. A cachaça Cabaré, envelhecida por 15 anos, vem sendo vendida por R$ 350 cada. O lote premium é dez mil unidades. Mas os cantores sertanejos não produzem uma única gota da bebida.
Por trás dessa história está Giovanni Tápparo, 32 anos, um dos sócios e diretor financeiro da destilaria Dom Tapparo, no município de Mirassol, interior paulista. A destilaria produz 600 mil litros por ano. O lance para capturar os cantores foi ousado. Tapparo conta que em 2015 patrocinou um show dos cantores na região de Mirassol. E não pensou duas vezes: ofereceu a bebida de um lote especial a eles. “Os dois gostaram tanto da cachaça que se tornaram nossos sócios”, diz Tapparo. “Como o show se chamava Cabaré, batizamos a cachaça com o mesmo nome.” Tapparo conta que a cachaça começou a ser produzida pelo avô em 1978, inicialmente para presentear os amigos. “Era só presente para os amigos naquele tempo, mas a cachaça virou uma grande história para contar”, diz Tapparo.