06/10/2021 - 16:02
Reluzente, dourado e com valor garantido. As características do ouro servem como metáfora perfeita para as duas principais commodities do campo brasileiro: a soja e o milho. O fato vale especialmente para a Safra 2020/21 quando os preços de ambas disparam na Bolsa de Chicago. De acordo com o Departamento da Economia Rural (Deral), no último mês de maio a saca de 60 kg da oleagenosa chegou ao pico de R$ 159,74, 70% a mais do que no mesmo mês do ano anterior. Já o milho teve um incremento de 127% na mesma comparação, batendo a casa dos R$ 91,38 a saca.
Carro-chefe do campo, a produção de soja somou 135,9 milhões ton
Nem tudo, porém, saiu ao gosto do produtor. Na Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) a informação é que os preços foram pouco aproveitados, já que boa parte da produção havia sido vendida. “O produtor tinha pouca soja para comercializar nesses preços”, disse José Sismeiro, vice-presidente da entidade. O clima também trouxe uma boa dose de emoção. A falta de chuva em setembro e no começo de outubro do ano passado, resultou no atraso da semeadura principalmente no Paraná e no Mato Grosso do Sul. “Quando o plantio da soja começa errado, ele leva o problema para o milho do ano seguinte”, afirmou Sismeiro. De qualquer forma, se o PIB do Agro alcançou R$ 2 trilhões em 2020, com alta de 24,31%, foi graças ao impulso dessa dupla dourada.
SOJA Apesar da pouca ajuda de São Pedro, os resultados da soja em produção surpreenderam com recorde de 135 milhões de toneladas. Já os embarques no fim da safra decepcionaram em volume. De acordo com dados da Secretaria da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, vinculada ao Ministério da Economia (MDIC), de janeiro a junho, foram embarcadas 57,6 milhões de toneladas, somando US$ 24,8 bilhões, ante as 58,8 milhões de toneladas (US$ 20 bilhões) do mesmo período de 2020. A diferença na receita, que ficou maior à despeito da queda de volume, é explicada pelo aumento dos preços e pelo câmbio favorável às exportações.
Para Daniel Furlan Amaral, economista-chefe da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), apesar de preocupações pontuais, as expectativas futuras são promissoras. “Neste ano devemos embarcar 85,6 milhões de toneladas, ultrapassando o recorde de 2018, de 83,3 milhões de toneladas”, afirmou. A demanda aquecida será consequência de, basicamente, dois fatos já observados e que devem se manter. O primeiro é o aumento do consumo chinês – tanto do grão como de proteína animal. O segundo é a persistência dos impactos da Peste Suína Africana (PSA) que devastou o plantel asiático pressionando o aumento da produção em outros países – que usam soja para compor o alimento dado aos animais. “O esmagamento de soja para ração está maior, assim como a demanda por óleo vegetal”, disse Amaral.
O aumento do consumo aliado a problemas com a safra dos Estados Unidos pressionaram os estoques. Para Gustavo Lunardi, diretor de Operações da SLC Agrícola, a situação beneficiou o Brasil. “A valorização reflete o cenário global, muito puxado pela queda da safra americana que está sofrendo com problemas de clima”, afirmou.
MILHO Diferentemente do cenário da soja, os produtores de milho passaram longe do recorde de produção. As variações climáticas provocaram a quebra de safra o que reduziu a expectativa de produção a 963,4 milhões de toneladas, ante 102,5 milhões registradas na safra 2019/20. Outra diferença em relação ao desempenho da soja veio nos embarques. As exportações do cereal nos seis primeiros meses superaram o registrado no mesmo período de 2020, somando 3,6 milhões de toneladas (US$ 762,4 milhões), ante as 3,2 milhões de toneladas (US$ 578 milhões) da temporada anterior.
Para Cesario Ramalho da Silva, da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), com mais dinheiro no bolso, o produtor aproveitou para realizar melhorias na produção. “O preço incentivou o produtor a investir mais no pacote tecnológico.” Mas, diante da quebra na produção e do real desvalorizado, nem mesmo as melhorias serão suficientes para afastar o temor da falta de produto para o mercado interno. Para Guilherme Bellotti, gerente de consuloria Agro do Itaú BBA, o abastecimento para o restante do ano segue no sinal amarelo. “Naturalmente as tradings fazem uma arbitragem de preços e atenderão, preferencialmente, os mercados que entregam mais rentabilidade.”
Para driblar o problema e atender a indústria de proteína animal brasileira a saída é importar o cereal. Nos seis primeiros meses do ano, o País adquiriu 937,4 mil toneladas de milho, 102% a mais comparado com o mesmo período de 2020. O volume tende a aumentar ainda mais após a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) ter autorizado, em maio, a importação dos Estados Unidos. De lá devem vir ao menos três navios, com cerca de 65 mil toneladas, em julho.
PERSPECTIVAS Para a temporada que começou em 1o de julho de 2021, a expectativa, até o momento, é de recorde para a dupla. De acordo com o Visão Agro 2021/2022 do Itaú BBA, a soja deve registrar novo aumento de produção chegando a 141 milhões de toneladas, com possibilidade de mais grãos para atender a demanda externa, como explica Bellotti, do Itaú BBA. “Com a redução do biodiesel no diesel [de 13% para 10%], temos chance de rever para cima nossa exportação de soja”. Ainda assim, os embarques devem crescer tímidos 2% segundo a instituição.
Já o milho, pode chegar a 118 milhões de toneladas produzidas, volume que o banco condiciona ao aumento de 5% da área cultivada na segunda safra. Mas, para Marcelo Hirakuri, da Embrapa Soja, ainda sim será insuficiente. “A embarcação será menor em função da quebra de safra e o consumo interno crescente, já que se estamos produzindomais ração.”
Em meio às boas expectativas, o produtor não pode correr o risco de descuidar dos cutos. Em soja, a alta deve ser de 22%, enquanto no milho de 19%. Resumo da ópera: no meio da bonança, quem não cuidar do bolso pode amargar prejuízo.