06/08/2018 - 11:00
O segundo semestre de 2018 será desafiador para todos os segmentos do agronegócio envolvidos com a produção imediata. Isso porque a previsão é de um consumo recorde de fertilizantes na safra 2018/2019, que começa a ser plantada em setembro. A demanda deverá crescer acima de um milhão de toneladas em relação ao ano passado, que já foi o maior em gasto de fertilizantes da história do País, com 34,5 milhões de toneladas. É um volume exorbitante de carga a ser transportada, ainda em meio aos reflexos da paralisação logística e de um tabelamento de frete que criou uma confusão gigantesca do ponto de vista de sua precificação. “Fretes de retorno ao Mato Grosso, que se posicionava em US$ 110 por tonelada, estão acima de US$ 200”, disse o economista agrícola Alexandre Mendonça de Barros, da MB Consultoria, a uma plateia de 2,3 mil agrônomos, pesquisadores, consultores, produtores e estudantes, durante o Congresso Brasileiro da Soja, entre os dias 11 e 14 de junho, em Goiânia (GO). “As margens do setor não permitem pagar esse preço. Imagina quem já vendeu a logística e tem de entregar o produto? E se um produtor quiser travar o frete futuro, como faz? Ninguém sabe como vai fazer isso.” De acordo com a Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), no fim de junho, 75% do fertilizante importado para a safra 2018/2019 estavam parados no porto de Paranaguá, com 18 navios à espera de desembarque do produto.
O imbróglio logístico no País (leia mais na pág. 24) ocorre em um momento no qual a demanda global por soja é crescente. A previsão é cultivar de 355,2 milhões de toneladas neste ciclo, 18,5 milhões de toneladas acima de 2017/2018, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda). Enquanto isso, a demanda estimada é de 357,7 milhões de toneladas, 4,5% acima do ciclo anterior. Não por acaso, embora o Usda aponte uma produção no Brasil de 118 milhões de toneladas na safra 2018/2019, volume de 2,5 milhões de toneladas acima da safra americana, analistas de mercado dizem que o aumento previsto de um milhão de hectares cultivados nesta safra eleva o potencial de produção do Brasil para até 120 milhões de toneladas do grão. Para Mendonça de Barros, o consumo, o crescimento mundial dos últimos dois anos, a projeção de crescimento mundial para este ano e as expectativas de crescimento para o próximo ano trouxeram um padrão de demanda muito forte, especialmente de proteína animal, que usa a soja e o milho como ração. “Os americanos estão fazendo o maior alojamento de frangos de sua história. A produção de carne vermelha está crescendo 5% neste ano, num país que é o maior produtor do mundo”, diz Mendonça de Barros. “Se olharmos para a China, Europa, Leste Europeu, há um movimento muito forte de demanda e de produção de proteína animal. E a soja é fundamental nessa indústria.” Por conta dessa demanda, a previsão da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) é exportar US$ 36,9 bilhões, um crescimento de 16,4% com a venda de grãos, óleo e farelo de soja. No ano passado, o grão rendeu ao País US$ 31,7 bilhões.
FUTURO Mas a organização da cadeia não precisa ser equacionada somente visando ao curto prazo. Para Paulo Herrmann, presidente da americana de máquinas agrícolas John Deere no Brasil, o País precisa garantir seu espaço em uma economia global para os próximos 30 anos. Nesse tempo deverá ocorrer um reposicionamento dos principais Produtos Internos Brutos (PIBs) mundiais. Ele cita especialmente a China e a Índia, duas das maiores economias que dependerão do Brasil para alimentar as suas populações de cerca de quatro bilhões de habitantes. A China deverá sair do atual PIB de US$ 12 trilhões para US$ 50 trilhões em 2050. A Índia elevará o seu PIB de US$ 2,6 trilhões para US$ 28 trilhões. “A China será a número um na indústria e a Índia vai liderar a área de serviços”, afirma Herrmann. “O Brasil, que será a sexta maior economia do mundo e que vai abastecer o mundo de alimentos, não pode se esquecer da tarefa que tem hoje para trilhar bem os próximos 30 anos, que estão logo aí.”
Em busca de uma produção sustentável, um dos atributos mais perseguidos nos dias atuais é aumentar a produtividade da soja, ou seja, fazer a terra produzir mais quilos de grãos por hectare. Na safra encerrada em junho, a produtividade foi de 3,3 mil quilos por hectare, equivalente a 55 sacas por hectare. A região Sudeste registra a maior média, de 3,6 mil quilos, e o Centro-Oeste, que na safra encerrada produziu 53,5 milhões de toneladas, a maior do País, registrou uma produtividade média de 3,4 mil quilos. O pesquisador José Renato Bouças Farias, chefe-geral da Embrapa Soja, em Londrina (PR), diz que esses números podem melhorar muito nos próximos anos. “A pesquisa, junto com as novas tecnologias e o seu manejo correto, vai determinar esse crescimento”, disse Farias, durante o Congresso da Soja. “Nós não temos dúvida de que isso vai acontecer.” A pesquisa tem essa certeza por um fato relevante. Em laboratório, a produção de soja pode atingir até 300 sacas por hectare. Mas claro que isso não ocorre a céu aberto. Para os pesquisadores, o grande exercício é sair das 55 sacas atuais de média nacional para cerca de 70, tendo como meta chegar em 100 sacas por hectare. Isso porque é possível trilhar o caminho e as demonstrações monitoradas de campo têm mostrado o caminho.
No dia 12 de junho, o Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb), uma instituição formada por pesquisadores e empresas do setor, apresentou os dados do Desafio Nacional de Máxima Produtividade 2017/2018. O evento completou uma década, no qual todos os anos um grupo de produtores escolhe, juntamente com um auditor da entidade, uma área de 2,6 hectares da propriedade para ser analisada. No primeiro desafio participaram 140 produtores. A média monitorada foi de 77,8 sacas por hectare, enquanto que a média nacional era de 43,8 sacas. Na safra 2017/2018, participaram 5,5 mil produtores. A média foi de 110,3 sacas de soja por hectare. Entre os experimentos a céu aberto, o vencedor do ano foi o produtor gaúcho Gabriel Bonato, 30 anos, do município de Sarandi, região tradicional de cultivo de grãos no norte do Estado. A família de Bonato é agricultora em uma área de 110 hectares há quatro décadas. A média da safra 2017/2018 foi de 86 sacas de soja por hectare. Para o desafio, ele separou 53 hectares, que fizeram média de 91 sacas, e em 2,5 hectares, onde ele utilizou todos os recursos possíveis, como adubação, por exemplo, a produtividade subiu para 127,1 sacas. “O mais importante é fazer um manejo correto”, diz Bonato. “Ele leva a um bom perfil do solo, e aí é fazer uma boa adubação e investir preventivamente na proteção da planta”. Em relação ao custo, ele foi de 54 sacas na área separada para o desafio do Cesb. Nas demais, o custo foi de 30 sacas.
Mas não é somente em propriedades pequenas que a produtividade pode ir além de 100 sacas. Na fazenda Sete Povos, em São Desidério (BA), que pertence ao produtor Marcelino Flores de Oliveira, ela foi de 104,4 sacas por hectare. A família está na região desde 1975. São 9,2 mil hectares, dos quais 7,2 mil hectares têm produtividade de 86 sacas. Luiz Nery Ribas, presidente do Cesb, diz que o desafio é uma provocação. “Ele acendeu a discussão de que é possível produzir mais nas áreas comerciais”, afirma ele. “É possível transformar a tecnologia em conhecimento.” Para Mendonça de Barros, da MB, é a produtividade que vai fazer a diferença daqui para frente, para atender o mercado. “Há uma década, as autoridades chinesas diziam que seu país não seria importador de commodities, que iriam produzir”, afirma Mendonça de Barros. “Sim, eles produzem, mas se tornaram o maior importador global de alimentos, com mais de US$ 80 bilhões de déficit comercial agrícola. Eles precisam de cadeias de suprimentos em todo o mundo. É a hora do Brasil.”