O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na tarde desta quinta-feira, 17, o julgamento de um processo que coloca em risco imediato R$ 4 bilhões do orçamento anual do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

A discussão foi iniciada no mês passado, no plenário virtual do STF, uma ferramenta online que permite que os magistrados analisem casos sem se reunirem pessoalmente ou por videoconferência. Três ministros chegaram a votar, com o placar provisório a favor das entidades – 2 a 1. No entanto, um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes interrompeu o julgamento virtual e trouxe o caso para a sessão “presencial” de hoje, que está sendo realizada por videoconferência em virtude da pandemia do novo coronavírus.

Na prática, o julgamento do caso será recomeçado agora, do zero – e todos os ministros terão de votar, inclusive a relatora, Rosa Weber.

Para o Ministério da Economia, sem o modelo atual de arrecadação, Sebrae, Apex e ABDI “terão sérias dificuldades para continuar desempenhando suas importantes finalidades sociais”, informou, em nota a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que cuida da área jurídica do ministério.

No centro da discussão está a Emenda Constitucional nº 33, de 2001, que regulamenta a cobrança de contribuições sociais e de Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). A intenção original da emenda era ajustar a tributação do setor de combustíveis, petróleo e derivados, mas sua redação abriu espaço para questionamentos a respeito de contribuições que sustentam o Sebrae, a Apex-Brasil e a ABDI.

Conforme a Lei nº 8.029, de 1990, as empresas brasileiras são obrigadas a recolher 0,3% de contribuição sobre a folha de pagamentos para financiar essas entidades. O Sebrae fica com 85,75% dos recursos arrecadados.

Em 2009, porém, a empresa Fiação São Bento questionou na Justiça a cobrança. A alegação é de que a emenda, ao utilizar o termo “poderão”, definiu que a cobrança pode ser feita apenas pelo faturamento, pela receita bruta ou pelo valor da operação – e não pela folha de pagamentos, que sempre foi o parâmetro utilizado mas não é citada no texto.

A decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, o entendimento firmado pelo Supremo deverá ser aplicado em casos similares que tramitam em todas as instâncias judiciais do País.

“A ideia da emenda era permitir a tributação sobre outras bases, além da folha de salários. Não tinha nada a ver com o Sebrae e outras entidades. Tinha a ver com a Cide-Petróleo”, explica o professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Facury Scaff.

Autor de um parecer a pedido das três entidades, Scaff afirma que, caso o STF declare a cobrança sobre a folha de pagamentos inconstitucional, o Sebrae, a Apex Brasil e a ABDI podem ser extintos de forma imediata.

No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2020, o Tesouro Nacional já havia identificado como um risco fiscal a discussão sobre a constitucionalidade da cobrança. A estimativa de impacto anual, com base em 2019, era de R$ 3,49 bilhões para o Sebrae, R$ 520 milhões para a Apex e R$ 110 milhões para a ABDI. Em cinco anos, o impacto total seria de R$ 23,25 bilhões para as três entidades, conforme o Tesouro.

Previdência. Em seu parecer, Scaff alerta ainda para os possíveis efeitos sobre a Previdência Social. Se a tese que proíbe cobranças sobre a folha de pagamentos for acolhida pelo STF, empresas de todo o Brasil poderão questionar, na Justiça, o recolhimento previdenciário. O efeito nesse caso não será imediato, mas tem potencial de retirar bilhões da Previdência.

O recolhimento do INSS feito por empresas é de 20% sobre o total das remunerações. O valor descontado dos empregados varia de 7,5% a 14%, de acordo com o valor do salário.

O economista José Roberto Afonso, professor do Instituto IDP, lembra que em 2019 a arrecadação das contribuições para o Regime Geral da Previdência Social somou R$ 395,8 bilhões, dos quais R$ 310,3 bilhões foram pagos pelos empregados – 78% do total. Esse é o montante que está em risco.

“Seria bom o governo acordar e correr para defender o Sebrae e os demais serviços, porque, se perder no STF, o impacto será direto em suas contas”, alerta. “Se for vencida essa tese, ela provavelmente derrubará a arrecadação de outras contribuições que entram no cofre da União, com risco até para a Previdência. E o Sebrae presta um serviço público, hoje financiado pelas empresas, que precisará ser financiado diretamente pelo Orçamento da União.”

Afonso teme que uma decisão negativa ao governo no STF também tenha reflexos em outros recolhimentos, como o do salário-educação, que ajuda a bancar a educação básica nos Estados e no Distrito Federal. A alíquota da contribuição é de 2,5% sobre a folha das empresas, mas ela não está definida na Constituição.

Votos.

No julgamento virtual do mês passado, Rosa Weber acolheu o argumento da Fiação São Bento e reconheceu a “inexigibilidade das contribuições para o Sebrae, a Apex e a ABDI” a partir de 12 de dezembro de 2001, quando começou a valer a emenda constitucional.

Agora que o caso foi transferido para o plenário físico, e o julgamento vai ser retomado desde o início, a ministra vai fazer uma nova leitura do voto.

Em um primeiro momento, a questão preocupa em especial o Sebrae, que recebe a maior parte dos recursos. Entidade voltada para o fomento de micro e pequenas empresas, o Sebrae tem unidades em todo o País.

“A questão é definir se o termo ‘poderão’ significará ‘só poderão’ ou ‘poderão entre outros'”, resumiu Scaff.