A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a abertura de inquérito contra o desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, flagrado humilhando guarda municipal de Santos (SP) após ser multado por andar sem máscara na praia. O julgamento começou a ser realizado no último dia 2, e foi retomado com o voto da ministra Laurita Vaz, que havia pedido vista (mais tempo de análise).

O pedido de abertura de inquérito foi inicialmente negado em caráter liminar pelo ministro Raul Araújo, o que motivou a Procuradoria-Geral da República a recorrer e levar o caso ao plenário da Corte Especial. Para Lindôra Araújo, são necessárias mais diligências para apurar supostos crimes cometidos por Siqueira – o objetivo seria evitar que a investigação do Ministério Público Federal fosse baseada somente em reportagens jornalísticas sobre o episódio. O magistrado pode ser enquadrado por abuso de autoridade.

O caso rachou a Corte Especial, e os dois julgamentos foram marcados pela defesa exaltada de Araújo contra a abertura do inquérito. Na primeira sessão, o ministro afirmou que, apesar de Eduardo Siqueira ter adotado uma ‘grosseira postura’ inadequada para o cargo de desembargador, não teriam sido apresentados indícios que justificassem uma investigação. No julgamento desta quarta, o ministro voltou a defender seu ponto de vista dizendo que o inquérito mira uma situação ‘esdrúxula’.

“Vivemos num país com mais de 50 mil homicídios por ano. Com casos gravíssimos de corrupção. Aí vamos tomar o tempo dessa corte debaixo de não sei quais argumentos ou por uma situação esdrúxula de que alguém usou ou não usou a máscara? Isso não é crime. E por isso não pode instaurar o inquérito”, criticou.

O entendimento do relator foi seguido pelos ministros Napoleão Nunes Maia e João Otávio de Noronha, que disse não ter sido tipificado um crime para ser investigado. “Qual fato típico deve ser apurado? Não usar máscara?”, questionou. “Não tivesse a mídia certamente explorado o caso como explorou, o inquérito não teria sido aberto”.

A divergência começou com o voto do ministro Francisco Falcão, que votou para abrir inquérito. Segundo ele, o episódio envolvendo Siqueira foi um dos ‘mais vergonhosos envolvendo uma alta figura do Poder Judiciário de São Paulo’. Ele foi acompanhado pelos ministros Maria Thereza de Assis e Luis Felipe Salomão, que apontaram a necessidade de mais apurações sobre o caso. Ele foi acompanhado pelos ministros Maria Thereza de Assis e Luis Felipe Salomão.

A ministra Laurita Vaz, ao retomar o julgamento, votou com Falcão e disse que os ‘fatos ainda pendentes de melhor apuração’. Seguiram os ministros Luís Felipe Salomão, Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Mauro Campbell e Benedito Gonçalves.

Relembre o caso

Eduardo Siqueira foi afastado no último dia 25 de agosto por decisão do Conselho Nacional de Justiça, que abriu processo administrativo disciplinar para aprofundar as investigações da conduta de Siqueira no episódio. Durante o período, o desembargador seguirá ganhando regularmente o salário bruto mensal de R$ 35,4 mil (sem considerar penduricalhos, vantagens indevidas, gratificações e outros benefícios).

Em julho, Eduardo Siqueira foi flagrado sem máscara enquanto caminhava em uma praia de Santos. Na ocasião, Siqueira chamou de ‘analfabeto’ um guarda civil municipal que lhe pediu que colocasse a máscara facial que é obrigatória em locais públicos durante a pandemia do novo coronavírus. Um decreto editado pela prefeitura de Santo, em abril, que trata sobre o uso obrigatório de máscaras faciais na cidade, impõe multa de R$ 100 em caso de descumprimento.

‘Decreto não é lei’, respondeu Siqueira ao guarda na ocasião, conforme vídeo que circulou nas redes sociais.

No vídeo, o oficial disse então que ia registrar a autuação e em resposta o desembargador respondeu que ligaria para o Secretário de Segurança Pública do município, Sérgio Del Bel. Siqueira chega ainda a afirmar que o guarda não é policial e ‘não tem autoridade nenhuma’.

Em nota pública, Eduardo Siqueira pediu desculpas por ter se exaltado durante a abordagem da guarda municipal e admitiu que nada justifica os ‘excessos’ que cometeu.

No entanto, em resposta aos processos no CNJ, Eduardo Siqueira afirmou que sua reação contra o guarda, que chamou de ‘analfabeto’, se deu por conta de sua ‘indignação com o desrespeito a questões jurídicas’. O magistrado alega que os agentes teriam cometido ‘abuso de autoridade’.