06/08/2018 - 11:00
A venda de um lote de lombo suíno congelado e fatiado, processado pela brasileira BRF, entrou para a história no País. O produto foi vendido pela rede francesa Carrefour, na capital paulista, de novembro do ano passado até meados de janeiro. Na gôndola, aos olhos do consumidor, as peças de carne não tinham nada de mais. Mas elas eram diferentes. Todo o lote de carne poderia ser rastreado pela tecnologia blockchain, com a ajuda da empresa americana de tecnologia IBM. A experiência foi a primeira aplicação prática dessa ferramenta no agronegócio brasileiro. Há muito mais pela frente. “O agronegócio é um dos setores mais sólidos do País e com grande potencial de inovação”, afirma o executivo Antonio Martins, presidente da IBM Brasil. “Enxergamos uma ampla oportunidade para a transformação digital desse segmento.” O teste com o blockchain serviu para rastrear a origem da carne suína. Na embalagem, um QR Code, uma espécie de código de barras, permitia que o consumidor checasse a fábrica de origem do produto, datas de produção, embalamento e transporte, além de sua validade.
Qualquer irregularidade na fabricação ou distribuição poderia ser detectada pelo consumidor. No futuro, essa tecnologia pode englobar todos os produtos de uma fazenda. O céu é o limite para o volume de aplicações blockchain dentro de uma propriedade. Ela poderá, por exemplo, ser a plataforma para o registro de tudo o que ocorre na lida animal, na gestão de insumos, de máquinas, das finanças e até do clima. Ou até transformar qualquer produto da fazenda em uma moeda virtual, chamada criptomoeda.
Daqui para frente, a expectativa é que essa tecnologia seja bastante utilizada no agronegócio. Um dos motivos principais é a questão de segurança. O blockchain é considerado uma das plataformas mais confiáveis que se tem notícia, ao contrário dos demais sistemas na internet. No ano passado, os crimes cibernéticos resultaram em um prejuízo global da ordem de US$ 172 bilhões. “Certamente, o blockchain foi a plataforma mais atacada em 2017”, diz o geólogo Ulisses Mello, diretor do Laboratório de Pesquisas da IBM Brasil. “Mesmo assim, ninguém conseguiu quebrar o sistema.” Não por acaso, a inovação serve de base para o mais conhecido ativo financeiro digital, a criptomoeda bitcoin, criada em 2009.
Mas como funciona essa tecnologia? O blockchain transforma informações em fragmentos digitais (os chamados blocos), que são distribuídos por diferentes servidores por meio da internet. Caso alguém consiga quebrar a criptografia de um desses servidores e altere a informação – uma data de validade, por exemplo –, as outras máquinas que receberam as demais partes da informação acusam a adulteração. Dessa forma, as empresas podem, por meio de controles automatizados, fazer diversas inspeções durante o processo de fabricação e registrar esses dados digitalmente. Quando o produto é finalizado, uma série de certificações garante a procedência e a qualidade.
A IBM, dona de uma receita global de US$ 79,1 bilhões em 2017, é uma das empresas que está apostando na tecnologia no País. Até 2020, a companhia investirá US$ 5,5 milhões em um centro de pesquisas em São Paulo, dedicado à plataforma. Será o primeiro da América Latina e o agronegócio está inserido no projeto. Outros agentes da cadeia também estão nessa corrente digital, como as startups paulistas Agrotools e Solinftec. De acordo com Fernando Martins, do Conselho de Administração da Agrotools, já foram feitos projetos-pilotos de rastreamento para certificar créditos de carbono, gerados pela produção de biogás na suinocultura. “O blockchain dá garantias seguras da origem desse crédito”, diz o executivo da Agrotools. Já a Solinftec faz testes para que as máquinas agrícolas consigam se comunicar diretamente com o blockchain, como se estivessem escrevendo suas atividades na plataforma. Toda a tarefa de um pulverizador, por exemplo, fica automaticamente registrada nesse banco de dados. Outra aplicação promissora é a conversão da produção agrícola em criptomoedas. O Blockchain Research Institute do Brasil (BRI), instalado em abril do ano passado na capital paulista, com sede no Canadá, está estudando com algumas empresas do agronegócio a transformação da soja em um tipo de bitcoin. “Uma saca de soja, por exemplo, pode ser a unidade dessa criptomoeda”, diz Carl Amorim, diretor executivo do BRI. “Com a moeda vai ficar mais fácil financiar a produção.”