A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal o recurso de uma mulher acusada de fazer um aborto em 2013 em Criciúma, no litoral de Santa Catarina, a 200 quilômetros de Florianópolis. O objetivo da ação era trancar da ação penal a que ela responde na primeira instância, pelo fato de a mulher ter sido denunciada pela enfermeira que a atendeu, o que seria uma “prova ilegal’.

A mulher perdeu o recurso por 3 a 2. Diante da posição do Supremo, definida nesta quarta-feira, 12, a moradora de Criciúma voltará a responder ao processo criminal por ter feito o aborto. Ela é assistida pela Defensoria Pública.

A acusada era operadora de caixa e tinha 32 anos na época. De acordo com a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Santa Catarina, ela e o companheiro, que trabalhava como servente, decidiram juntos fazer o aborto.

“A denunciada deu entrada no Hospital São José, nesta cidade, em data de 30 de abril de 2013, sendo verificada a gravidez e a utilização do medicamento supra”, diz a denúncia. A mulher teria feito uso de Cytotec, nome pelo qual o Misoprostol é conhecido. O remédio é indicado para tratamento de dores de estômago, mas tem como efeito colateral provocar o aborto.

De acordo com a acusação, a mulher usou o medicamento para interromper a gestação e passou mal, precisando ser internada. Quando procurou o hospital pela primeira vez, o feto ainda estava vivo.

Ela teria fugido do hospital, mas voltou uma semana depois, “06 de maio de 2013, por volta das 12h20, quando então ocorreu a expulsão do feto, morto, fétido e macerado”, de acordo com o que consta na acusação. Ele estava com 25 semanas – pouco mais de seis meses de gestação.

Uma das enfermeiras que a atendeu procurou a polícia e registrou boletim de ocorrência, quando deu-se o início da investigação.

Ricardo Lewandowski, recentemente aposentado da Corte, foi o relator do caso. Em seu voto, ele argumentou que os fundamentos da decisão recorrida “harmonizam-se estritamente com a jurisprudência desta Suprema Corte”. Ele também sustentou que o recurso repetia os mesmos argumentos já apreciados em outras instâncias.

Os ministros André Mendonça e Nunes Marques, que também fazem parte da 2ª Turma, acompanharam o voto do relator. Edson Fachin discordou de Lewandowski e foi acompanhado por Gilmar Mendes.

“Na hipótese dos autos, a paciente teve sua intimidade devassada em decorrência de comunicação às autoridades de informação que chegou ao conhecimento da comunicante em razão do exercício da sua profissão”, argumentou Fachin.

Para o ministro dissidente, a enfermeira não poderia ter violado o dever de sigilo profissional, o que invalida a denúncia feita. “Para além da descriminalização, o direito à saúde das mulheres, especialmente as mais pobres, vítimas dos arriscadíssimos clandestinos procedimentos abortivos, se torna amplamente violado diante da ameaça de notificação às autoridades acerca de eventual prática do crime aborto.”

O sigilo do profissional da saúde em casos de aborto foi recentemente objeto de discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Corte trancou uma ação penal movida contra uma mulher que, no ano de 2014, fez um aborto na 16ª semana de gestação.

O médico que a atendeu fez a denúncia para a Polícia e depois testemunhou no processo. O STJ considerou que as provas do processo eram ilícitas.