18/07/2025 - 7:00
A Coca-Cola dos Estados Unidos não utiliza açúcar de cana. O motivo é o alto preço do insumo no país. Sua produção interna responde apenas a cerca de 30% da demanda, e a exportação enfrenta altas taxas para volumes além de cotas anuais pré-definidas por país.
+Por que o Pix virou alvo de Trump? Entenda alegações e incômodo de Zuckerberg
O presidente Donald Trump, no entanto, quer mudar esse cenário. Em uma postagem de rede social, ele afirmou: “Conversei com a Coca-Cola sobre o uso de açúcar de cana DE VERDADE na Coca-Cola nos Estados Unidos, e eles aceitaram”.
A Coca-Cola foi procurada pela IstoÉ Dinheiro para comentar sobre a veracidade da medida. A empresa ainda não retornou e o texto será atualizado assim que houver resposta.
A fabricante de refrigerantes no entanto terá de lidar ainda com um obstáculo novo caso decida de fato mudar sua produção no país. Trump incluiu justamente os dois principais exportadores de açúcar de cana para os EUA em sua mais recente rodada tarifária. O México, maior fornecedor, foi atingido por uma taxa de 30%. O Brasil, segundo no ranking, será penalizado com 50% a partir de 1º de agosto.
Contradições de Trump
Segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), a produção de açúcar de cana no país na safra 2025/26 deverá representar cerca de 30% da demanda total do país. Assim, seria necessário importar para suprir cerca de 70% da necessidade do insumo nos Estados Unidos.
Para o chefe do Departamento de Relações Internacionais da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Roberto Medina, a situação “desvela o quanto essas medidas estão, em primeiro lugar, desarticuladas, em segundo, muito mal calculadas em termos estratégicos”.
“Isso revela um notável despreparo da gestão Donald Trump em produzir cálculo de risco das suas ações, razão pela qual é quase anedótica a condição de um Trump que ao propor medidas austeras, em forma de bravatas, em ato contínuo, vê-se obrigado pela própria realidade a recuar delas”, analisa Medina.
A Coca-Cola dos EUA
Atualmente, o refrigerante fabricado no país utiliza xarope de milho para adoçar a bebida, uma opção consideravelmente mais barata. Quando comercializada no país, a versão com açúcar de cana recebe o nome comercial de “Coca-Cola Mexicana”.
Especialistas afirmam que o impacto de um reajuste de preço cairia sobre o consumidor.
“A tendência seria ou uma escassez do produto lá, que obrigaria a Coca-Cola a rever ou adiar sua decisão; ou, o que é mais provável, o encarecimento puro e simples”, afirma o economista Robson Gonçalves, professor de MBAs da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Segundo a analista Heather Jones, da Heather Jones Research, se a Coca-Cola trocasse todo seu adoçante atual pelo açúcar de cana, o aumento de custo provavelmente ultrapassaria US$ 1 bilhão. O cálculo leva em conta apenas os custos atuais, sem as novas tarifas.
Para tentar diminuir o impacto das taxas, uma alternativa para os Estados Unidos seria buscar o açúcar de outros países, como Austrália, Tailândia ou o próprio México.
Robson Gonçalves destaca que o país poderia ainda importar o açúcar de cana de um país que não é produtor, como a Alemanha. “Lógico que os custos de frete podem encarecer um pouco, mas o encarecimento logístico alcançaria a ordem de grandeza da tarifa de 50%.”
E os produtores brasileiros?
No Brasil, os produtores de cana-de-açúcar estão mais preocupados com o setor de etanol do que com o açúcar em si. A Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), por exemplo, se pronunciou apenas sobre os impactos no combustível, sem mencionar o caso da Coca-Cola.
A explicação está no fato de que a importação de açúcar já é altamente taxada nos EUA. Atualmente, o país aceita até a entrada de 152 mil toneladas anuais do insumo que provém do Brasil. Qualquer volume adicional enfrenta taxas próximas a 80%.

13/09/2018 REUTERS/Paulo Whitaker
“A tarifa atual fora da cota já é proibitiva”, afirma o pesquisador e professor do Insper Agro, Marcos Jank. “O que está em suspenso é saber se vai ou não ter a cota, mas mantendo a cota, o impacto praticamente não existe.”
Além disso, o mercado americano representa apenas 12% das exportações brasileiras de açúcar. “É um montante significativo, mas está longe de comprometer todo o setor produtivo”, diz Roberto Medina, da Unifesp.
Medina também acredita que a solução pode passar por acordos internacionais. “Diversas economias não têm alternativa senão buscar a cooperação com outros atores. Que esses atores então possam, em termos cooperativos, minimizar perdas e impulsionar ganhos”, conclui.