10/08/2017 - 8:00
A criação de gado já não é mais a mesma de anos atrás no Triângulo Mineiro, região formada por 35 municípios, onde o Estado de Minas Gerais faz divisa com São Paulo e Goiás. A cana-de-açúcar, que chegou há cerca de uma década e meia, continuamente vem ocupando espaços e espremendo a pecuária. Mas a terra do boi, que tem o município de Uberaba como símbolo máximo por sediar a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), a maior entidade mundial de raças de origem indiana, resiste a entregar de vez sua alma boiadeira para a cana. No máximo, cede lugar a uma parceria, modelo que tem dado resultado justamente por causa da solidez do negócio. “A nossa história foi escrita pela pecuária”, diz Florêncio Queiroz Neto, 38 anos, diretor do grupo Queiroz de Queiroz, de Frutal, município a cerca de 140 quilômetros de Uberaba. “Foi justamente o gado que permitiu a expansão dos nossos negócios para a cana-de-açúcar”, afirma ele. Na última década, o grupo, que tem quase 200 anos de tradição pecuária na região do Triângulo Mineiro, se rendeu à cana-de-açúcar. E foi com a permissão do patriarca, Adalberto Queiroz, de 68 anos, sexta geração a herdar os negócios da família na região. O projeto boi com cana, também conta com a ajuda de outros dois filhos, os engenheiros agrônomos Thiago Queiroz, 34 anos, e Raphael Queiroz, 36 anos. “Na pecuária eu encontro a oportunidade comercial e profissional aliada, ao prazer pelo que faço”, diz Adalberto Queiroz. “A criação de gado abriu as portas para a nossa diversificação, e continua sendo o alicerce do nosso negócio. Ela não é descartável.” Foi com o lucro da pecuária que a família investiu R$ 170 milhões, junto com um sócio, para construir o complexo industrial da usina Cerradão, uma joint venture na qual detém 40% do negócio. O restantes 60% são do grupo Pitangueiras, empresa que pertence à família Andrade, famosa no universo das usinas.
Inaugurada na safra 2009/2010, com uma moagem inicial de 800 mil toneladas de cana-de-açúcar por safra, hoje a usina cultiva 43 mil hectares, entre terras próprias e arrendadas, e processa três milhões de toneladas. No ano passado, o grupo, que é um dos 36 associados à Coopersucar, faturou R$ 600 milhões com a produção de etanol, açúcar e bioeletricidade, 10% acima do ano anterior. “O resultado inclui a venda de 225 mil toneladas de açúcar, das quais 70% são exportadas”, afirma Queiroz Neto. A expectativa para 2017 é produzir 80 milhões de litros de etanol e 250 mil toneladas de açúcar.
A pecuária gerou R$ 150 milhões em 2016, atividade na qual a receita integral é da família Queiroz. “E devemos repetir essa mesma fatura em 2017”, diz Queiroz Neto. A pergunta é: o que explica a aposta dos Queiroz em um setor que fatura quatro vezes menos que a cana-de-açúcar? Antes de qualquer apelo romântico que possa pairar sobre a história da família, não é apenas a tradição centenária que move a atual atividade pecuária dos Queiroz. O lucro está no centro da questão.
No mês passado, a busca por uma resposta em bases econômicas para o negócio da família mineira, e de tantos outros projetos pecuários na região, era um dos objetivos da pesquisa realizada durante o Rally da Pecuária. O projeto é da Agroconsult, de Florianópolis (SC), consultoria que promove todos os anos dois rallys, um para avaliar a agricultura e outro específico para a pecuária. A DINHEIRO RURAL acompanhou uma das etapas do Rally da Pecuária, que passou pela fazenda de gado da família Queiroz, onde ele divide o espaço com a cana-de-açúcar. Neste ano, a Agroconsult está percorrendo cerca de 70 mil quilômetros para mapear as condições da criação e da engorda de gado no País, com previsão de encerrar essa edição no dia 18 de agosto.
No caso da região do Triângulo Mineiro, é preciso entender que a atividade sucroenergética encontrou um terreno muito fértil para avançar sobre as áreas de pecuária. E não há nada a fazer, a não ser embarcar na onda. A região cultiva 630 mil hectares de cana-de-açúcar, cujo valor de produção é de R$ 2,9 bilhões anuais, segundo dados de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os anos de 2006 e 2015, a área da cana aumentou 151% no Triângulo, ante 113% em todo o Estado de Minas Gerais. Em Frutal, onde está a família Queiroz, a cana ocupava 62 mil hectares em 2015, cerca de 68,6% da área agrícola do município. Na pecuária, a área de pastagem ocupada pelo gado no Triângulo cresceu 47,7% na década, passando, hoje, para 5,3 milhões de hectares. Mas cresceu apenas 8% em volume de animais, indo de 4,2 milhões de bovinos para os atuais 4,7 milhões. De acordo com Maurício Palma Nogueira, sócio da Agroconsult, o que está colocado como desafio para a região nesse momento é a possibilidade da intensificação do negócio e a fazenda da família Queiroz serve de exemplo. “É a tecnologia chegando à pecuária e, com ela, as ferramentas dos sistemas intensivos”, afirma Nogueira. “Ela é fundamental para aumentar a produtividade.”
A pecuária pode crescer porque ela também encontrou nesses últimos 15 anos um aliado de peso, além da cana: os grãos. Minas Gerais produziu na safra passada 11,8 milhões de toneladas de soja, milho, feijão e outros grãos, em 3,3 milhões de hectares. De acordo com Feliciano Nogueira Oliveira, assessor especial em bovinocultura da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa), embora o crescimento da área de cana possa sugerir o comprometimento total da pecuária, os dados registram crescimento da atividade. “Foi justamente a integração da área de cana com o cultivo de grãos que barateou o preço da alimentação do gado e permitiu a expansão da pecuária na região do Triângulo.” O município de Uberaba, por exemplo, se tornou o segundo maior produtor do Estado. Na safra passada foram 696,1 mil toneladas. Não por acaso, o governo projeta para o Estado, até a safra 2025/2026, a produção de 18,2 milhões de toneladas de grãos colhidos e o abate de 4,8 milhões de animais, para processar 1,1 milhão de toneladas em equivalente carcaça, volume 27% acima do atual. Com isso, Minas poderia sair da posição de dono do segundo maior rebanho bovino, mas ocupando a quinta posição entre os maiores Estados que abatem bovinos.
No caso da família Queiroz, a estrutura de confinamento para o gado, em Frutal, comporta a engorda de 17 mil animais. Há, ainda, outros 4,2 mil bovinos confinados em uma fazenda arrendada no município de Riolândia (SP). O rebanho total inclui mais 30 mil animais mestiços, mas com base nelore, que dividem o espaço com a cana em oito fazendas. Para dar conta do projeto de intensificação, essa estrutura e a sua gestão vêm sendo sistematicamente modernizadas. Donos de um dos primeiros confinamentos em Minas Gerais, a partir da entrada da cana no negócio, os Queiroz construíram uma fábrica de ração. Diariamente, ela processa 357 toneladas de alimentos para os bovinos, uma mistura de 15 ingredientes, entre milho em grão e germe, silagem de milho, silagem de grão úmido de milho, sorgo, polpa cítrica, bagaço de cana. “O bagaço vem da usina e o restante é comprado no mercado”, diz Queiroz Neto. Já a água da chuva que cai na estrutura do confinamento, construído na última década, vai para tanques de decantação e é bombeada para a fertirrigação dos pastos. No ano passado, em três etapas de 105 dias de engorda, o confinamento engordou 55 mil animais que foram vendidos para o grupo frigorífico Minerva Foods .
Neste ano, os Queiroz esperam repetir a dose, mesmo com a expectativa de queda no confinamento total do País, por conta do cenário econômico tumultuado. Em 2016, o Brasil confinou cerca de quatro milhões de bovinos, praticamente o mesmo volume de 2015, de acordo com a consultoria IEG/FNP. Para 2017, a Associação Nacional da Pecuária Intensiva (Assocon) prevê uma redução de 10% no número de animais confinados. Mas, para os Queiroz, o que vale é fazer contas. Isso porque eles afirmam que estão conseguindo contabilizar um bom e seguro lucro na pecuária. Em 2016, ele foi de R$ 250 por boi, 10% acima do ano anterior. Foram R$ 13,7 milhões limpos para o bolso. “Frutal vai continuar sendo uma boa praça para o boi”, diz Queiroz Neto. “Crise setorial, como a que atravessamos, não abala a nossa confiança de que gado sempre pode se tornar um bom negócio.”