No final do mês de agosto, o Doric Arrow, um gigantesco navio Panamax, atracou em um dos berços do novíssimo terminal de cargas do porto de Itaqui, em São Luís, no Estado do Maranhão, para receber um carregamento de 66 mil toneladas de soja, destinado à China. De longe, para quem via a embarcação atracada no porto, ela não representava nenhuma novidade, já que os chineses são os maiores clientes da soja brasileira,  tendo adquirido  24,7 milhões de toneladas da oleaginosa,  somente no primeiro semestre do ano. Mas, para o agricultor José Antonio Gorgen, com fazendas nos Estados do Maranhão e do Piauí, cada grão depositado no porão daquele navio tinha o sabor de uma vitória particular, embalada por um sonho de 12 anos, o de exportar a própria produção diretamente, sem intermediários. “Era a nossa carga, vendida e transportada por nós, sem depender de uma trading”, diz Gorgen. “E esse foi só o primeiro navio, pois vamos exportar muito mais.”

O grupo Risa, com sede em Balsas, no Sul do Estado, controlado por Gorgen, faturou em 2014 exatamente R$ 525.921.762,99, valor auditado e registrado em balanço financeiro. Em um segmento com alto grau de informalidade, como é o agronegócio, empresas transparentes como a Risa merecem ser mostradas nos detalhes. O desempenho foi 4,4% superior a 2013, quando a receita chegou a R$ 503,7 milhões. A Risa cultiva soja, milho e sorgo, e vende fertilizantes, defensivos e máquinas agrícolas. Além de produtor, Gorgen é representante de multinacionais, como a americana Monsanto e a alemã Bayer, e também concessionário da Case, fabricante de equipamentos agrícolas do grupo Fiat.


Investimentos: a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, percorreu os quatro Estados que formam o Matopiba, para apresentar o primeiro Plano de Desenvolvimento Agropecuário

O empresário do campo, que tem 50 anos de idade e há 31 reside em Balsas, é o retrato do tipo de empreendedor que está fazendo a história do agronegócio na região do Matopiba, sigla criada com as iniciais do próprio Estado do Maranhão, mais Tocantins, Piauí e Bahia. São 73 milhões de hectares, formados por partes desses quatro Estados, que estão experimentando na última década e meia – e mais intensamente nas últimas safras –, um crescimento sem comparação, no País. O Matopiba é considerado o novo Eldorado do campo, a última fronteira agrícola do País a contar com um potencial extraordinário de crescimento nas próximas décadas. Essas potencialidades levaram  a presidente Dilma Rousseff a assinar, no início do mês de maio, um decreto reconhecendo formalmente a região, com a apresentação do primeiro Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA) do Matopiba. Isso significa que, daqui para a frente, a área passa a fazer parte e beneficiar-se dos pacotes de políticas públicas federais. O projeto criou, também, um comitê gestor sob o comando do Ministério da Agricultura, no qual participam outras pastas, como as da Ciência e Tecnologia e da Integração Nacional, além de representantes dos quatro governos estaduais e dos 337 municípios que formam o Matopiba, entidades de classe e instituições de ensino. Em meados de maio, quando a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, percorreu os quatro Estados para apresentar o PDA, foram várias as declarações no mesmo tom. “O plano vem, justamente, para expandir a produtividade por meio da pesquisa e da inovação, priorizar a infraestrutura e aumentar a renda dos produtores com a assistência técnica e a extensão rural”, disse a ministra, durante a 13ª Feira de Agronegócios de Balsas, quando o PDA foi lançado no Estado.


Novinho em folha: inaugurado em agosto, o novo terminal de cargas do porto de Itaqui, em São Luís, no Maranhão, será a principal saída da produção do Matopiba

Gorgen, que participou do evento e é amigo de Kátia Abreu, ao ponto de hospedá-la em suas fazendas, diz que a necessidade de investimentos públicos na região vêm sendo mostradas pelos produtores há muitos anos. “O governo precisa planejar e executar obras em estradas, portos, ferrovias e hidrovias, além de fornecer energia”, diz Gorgen, focado na melhoria da infraestrutura da região. “Nós, agricultores, já sabemos o que é preciso fazer: produzir com eficiência, e cada vez mais.” O agrônomo Evaristo de Miranda, atual chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, de Campinas (SP), e coordenador do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite) da estatal de pesquisa agropecuária, acompanhou todo o processo de criação do Matopiba, fornecendo subsídios para a elaboração do decreto. 


Evaristo de Miranda: o chefe da Embrapa Monitoramento por Satétile estuda a região do Matopiba, desde a década de 1980

Miranda estuda essa região desde a década de 1980, quando fazia parte da equipe da Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE). “Na época, nós estávamos em busca de áreas com potencial para a produção de alimentos”, diz ele. “Foi daí que surgiu o zoneamento agrícola para a soja, no Nordeste, quando poucos acreditavam nela como uma cultura de peso para a região.” Entre as décadas de 1970 e 1980, a produção da oleaginosa era de irrisórias 700 mil toneladas anuais. Nesta safra, as fazendas do Matopiba colheram 10,5 milhões de toneladas. Mas, para entender a importância que esse grão ganhou, é preciso fazer comparações mais recentes. Em relação a 2012/2013, quando foram colhidas 6,9 milhões de toneladas, o volume atual é 52% superior.

FARTURA  A soja, que reina soberana, divide o espaço com outras culturas comerciais, entre elas o milho, o sorgo, o arroz e o algodão. Nesta safra, estão sendo colhidas 19,5 milhões de toneladas de grãos, em 7,6 milhões de hectares, quase oito vezes a área cultivada há duas décadas – em 1993/1994, a produção foi de 2,5 milhões de toneladas. Para Miranda, a grande virtude da produção em larga escala, no Matopiba, é que ela não concorre com a agricultura familiar, praticada em pequenas e médias propriedades. “Elas podem conviver perfeitamente, mesmo que uma nunca converse com a outra”, diz ele. “Essa convivência harmoniosa é única no País, só acontece nessa região” (leia mais na pág. 40). 


Na mesma cesta: o algodão, juntamente com a soja e o milho, forma o grupo das commodities mais rentáveis para os grandes fazendeiros e empresas do setor

De acordo com Miranda, essa coexistência pacífica entre os dois modelos só é possível porque a agricultura em pequena escala é praticada em locais onde há muita água disponível, em regiões de relevo mais acidentado, uma topografia que não atrai os grandes produtores e grupos empresariais, que necessitam de áreas facilmente mecanizáveis. Por isso, ao longo dos anos, os agricultores de grande porte foram se estabelecendo nas chapadas, geralmente em áreas de acesso mais difícil à água. Para o analista de mercado José Vicente Ferraz, da consultoria FNP Informa Economics, que realiza um minucioso acompanhamento do mercado de terras no País, no longo prazo o potencial de valorização do Matopiba é enorme. “Os investidores olham possibilidades”, diz Ferraz. “À medida que há rentabilidade, os negócios acontecem.” No mais recente levantamento da Informa, Agrianual 2015, o preço médio do hectare em áreas de grãos no Matopiba chega a R$ 11,8 mil, confirmando uma valorização de 11,3% em um ano.



Força nos graos: em 2014/2015, a Risa produziu 112 mil toneladas de soja na primeira safra e   60 mil toneladas de milho, na segunda

Um dos exemplos de grandes grupos que se estabeleceram na região é a Unigell, do empresário rural Fausto Garcia, que cultiva 50 mil hectares no município de Lagoa da Confusão, no Tocantins, e que hoje é um dos principais produtores de sementes de soja na região. Outro exemplo é a SLC Agrícola, dos irmãos gaúchos Eduardo e Jorge Logemann, que estão entre os maiores produtores do País, com mais de 300 mil hectares de algodão, a principal cultura, além de soja e milho. Do total de 17 fazendas, nove estão localizadas no Oeste da Bahia, Piauí e Maranhão. “Esses projetos são típicos da região e a chegada de outros empreendedores é uma questão de tempo, de domínio da tecnologia e da possibilidade do aumento do uso da irrigação”, diz Miranda.

Somente no Oeste da Bahia, onde está a maior concentração do uso de pivôs e sistemas de gotejamento, há 136 mil hectares irrigados. A área representa apenas 7% do total cultivado, mas a expectativa de crescimento dessa participação é grande. O empresário gaúcho Alexandre Grendene, por exemplo, é dono de 45 mil hectares no município baiano de Cotegipe, onde faz seleção de gado nelore para produzir 1,5 mil touros, por ano. A área da agropecuária Jacarezinho, uma fazenda totalmente plana, é um convite ao plantio de grãos. Para o diretor de agronegócio do grupo, o inglês Ian Hill, a agricultura é uma questão de tempo, embora não exista a menor possibilidade de Grendene abandonar a pecuária. “De ponta a ponta, a fazenda Nova Terra é um tabuleiro com desnível de apenas 6% na altitude do terreno”, diz Hill. “É lógico que isso é um convite à agricultura.” De acordo com o executivo, a produção de grãos está em um horizonte de cerca de uma década, tempo para investimentos em uma mini-usina elétrica e infraestrutura que devem ser pagos com o lucro da venda de touros da fazenda.


Vicente Ferraz:o diretor da Informa diz que o Matopiba é um bom negócio, para quem pensa no longo prazo

FUTURO As previsões dos estudos sobre as potencialidades do Matopiba mostram que, dentro de oito safras, a área cultivada deve ficar entre 8,6 milhões de hectares e o máximo de 10,6 milhões, o que significa uma expansão de pelo menos 13% em relação ao que atualmente é ocupado com lavouras. Gorgen, por exemplo, tem uma reserva de dez mil hectares de terras que ainda podem ser abertas, do total de 55 mil hectares distribuídos em quatro fazendas. Nessa conta não estão incluídos 14,4 mil hectares de uma fazenda que está sendo arrendada.  De acordo com o produtor, o movimento de expansão horizontal é importante, mas, o que vai fazer a diferença na região é a expansão para cima, o que significa aumentar a produtividade das lavouras. “Não que tenhamos permanecidos parados no tempo, hoje produzimos o dobro de quando chegamos a Balsas, mas creio que dá para melhorar muito”, diz Gorgen. “A tecnologia vai ser a grande mestra nesse caminho.” 

A Risa produziu, nesta safra, 112 mil toneladas de soja, o equivalente a 1,8 milhão de sacas de 60 quilos, e na segunda safra 60 mil toneladas de milho (997 mil sacas), além de sorgo, que estava sendo colhido na segunda quinzena de agosto, quando esta edição de DINHEIRO RURAL era fechada. O milho é plantado em 17,7 mil hectares, equivalente a 41% da área cultivada com a soja, hoje de 43,7 mil hectares. O projeto para o cereal é chegar a 100% na safra 2018/2019. O sorgo comparece com 12,8 mil hectares.

Atualmente, em anos de chuvas regulares, a produção de milho é de seis mil quilos por hectare, e a da soja, de três mil quilos. “É nisso que podemos mexer, porque terra é como gente, quanto mais bem tratada, maior é o retorno”, diz Gorgen. “Além disso, não é mais possível pagar as despesas do negócio apenas com a primeira safra, porque há um alto grau de patrimônio imobilizado em colhedoras, plantadeiras e tratores que precisam ser usados durante mais meses no ano.” Ou seja, a segunda safra dilui custos.  Segundo Gorgen,  gerenciar o campo é como administrar uma rede, na qual uma coisa depende da outra: é preciso plantar bem, colher rapidamente, secar a colheita e, principalmente, vender bem, sempre que possível incluindo a exportação nesse pacote.  

No próximo ano, a experiência de embarque direto para a China passará a ser rotineira. Gorgen pretende exportar, sem intermediação, toda a produção de soja, milho e sorgo. Nesse processo, ele acredita que vai economizar 4% no custo operacional. Para isso, o produtor precisou abrir um escritório em Montevidéu, no Uruguai, encarregado dos negócios no exterior, o que é uma exigência de mercado. Para ele, a conta é simples. Enquanto, no País, os juros são de 7%, em média, captar recursos lá fora custa 4%. “Se tudo fica em dólar, as decisões são mais assertivas”, diz Gorgen. “Repatriamos o dinheiro, à medida da necessidade.”

O produtor, que nasceu no município de Não-Me-Toque,  no Rio Grande do Sul, diz que quando deixou sua terra natal, aos 19 anos para se aventurar por conta própria no Maranhão, não tinha a mínima ideia do que iria encontrar no Nordeste do País. “Na época, tinha a benção do meu pai, que era meu sócio na compra de uma fazendinha”, afirma.  “Hoje, digo aos meus três filhos que não existe plano mirabolante e que o futuro dos negócios é construído no dia a dia.”  Ele afirma que só tem uma certeza: do Matopiba nenhum Gorgen sai.

TECNOLOGIA QUE ENRIQUECE 
Nem sempre o tamanho da terra é o gerador de sua riqueza


Cadeias sustentáveis: pequenos produtores de mel, como os do Piauí, podem transformar seus negócios em uma atividade rentável, se contarem com assistência

Um estudo sobre a região do Matopiba, apresentado de forma preliminar em junho, pelo Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite), organismo da Embrapa que reúne pesquisadores de várias unidades da estatal, mostra que não é o tamanho de uma propriedade dessa região que determina se ela é rica, mas o grau do uso de tecnologias. “Há fazendas grandes, muito pobres e áreas pequenas muito ricas, e vice-versa”, diz Evaristo de Miranda, coordenador do Gite. “Essas diferenças podem diminuir, à medida que os solos forem corrigidos e que a assistência ao produtor, principalmente ao pequeno e médio, acontecer de maneira sistemática.” De acordo com o estudo, as tecnologias explicam 60% do grau de pobreza das propriedades.

Nos 337 municípios do Matopiba há 250,2 mil estabelecimentos rurais. Desse universo, 80% são de pequenos agropecuaristas, com poucos recursos. “São produtores que ficaram à margem do desenvolvimento do País”, diz Miranda, que nos meses de novembro e dezembro do ano passado percorreu três mil quilômetros visitando assentamentos, entre o Maranhão e o Piauí. “Cheguei a visitar um produtor que recebeu terra do governo há 25 anos e até hoje não tem o título de posse.” Para ele, é impossível integrar esse produtor em uma cadeia produtiva que gere riqueza.


Mas, a criação formal do Matopiba abre uma possibilidade de mudança. “Com o plano, a região começa a pensar em si mesma”, diz Miranda. O estudo mostra as várias cadeias produtivas, como a do mel, da mandioca, além da criação de ovinos e caprinos, por exemplo, e suas potencialidades. No Maranhão, as carências em termos de tecnologias  já foram mapeadas em quatro microrregiões. “O governo do Estado, junto com o Mapa e entidades, como cooperativas de crédito, estão se mexendo para mudar essa realidade”, diz Miranda. “Ações para a redução da pobreza são processos lentos, e quando começam não podem parar. É nisso que acreditamos.”