O agrônomo Dalton Dias Heringer faturou no ano passado R$ 4,7 bilhões em receita líquida com a Fertilizantes Heringer, empresa especializada na venda de adubos, com sede em Viana, município da Grande Vitória, no Espírito Santo. O lucro líquido foi de R$ 63,9 milhões. Cinco dos principais bancos que acompanham a empresa, cujas ações são negociadas em bolsa desde 2007, como o Banco do Brasil, Deutsche Bank, Morgan Stanley, Itaú BBA e Merrill Lynch, estão prevendo para este ano uma receita líquida de R$ 5,2 bilhões. No fim do mês passado, com base na cotação de suas ações, o valor de mercado da Heringer era de R$ 582 milhões. “Para quem começou misturando adubo no cabo de enxada e depois saía pelas feiras vendendo, acho que fui até longe demais”, diz Dias Heringer.

Em volume, no ano passado, a empresa vendeu 4,8 milhões de toneladas de adubo, 17% do consumo no mercado nacional, que foi de 28,3 milhões de toneladas, estimado pela Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) em R$ 27,8 bilhões. Hoje, a Heringer compete em condições de igualdade na distribuição de fertilizantes, com multinacionais americanas do porte da Bunge e da Mosaic, controlada pela Cargill. No entanto, ao contrário das concorrentes, que utilizam o produto como uma moeda de troca por grãos nas operações de barter, a Heringer vende diretamente ao consumidor. A Bunge, no ano passado, entregou cinco milhões de toneladas de adubo para 17 mil agricultores. Já a Heringer conta com 50 mil clientes em 3,7 mil localidades, que representam quase 70% do total de municípios do País. “Nosso adubo nunca está a mais de 100 quilômetros de um agricultor que precise dele”, diz Dias Heringer.

A empresa de fertilizantes capixaba cresceu na esteira do Brasil como grande produtor de alimentos e de energia renovável. A produção da safra agrícola 2011/2012, de 740 milhões de toneladas, está entre as maiores da história do País. A Heringer nasceu em 1969, na mesma época em que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) começava a descobrir as tecnologias para recuperar os solos ácidos e pobres de nutrientes do Cerrado brasileiro, que nas décadas seguintes provocaria uma revolução na agricultura do País. A mesma pregada pelo agrônomo americano Norman Borlaug, o pai da revolução verde. Ele dizia que as plantas são explosões de energia e que para detoná-las bastam o sol para a fotossíntese e três minerais essenciais: os macronutrientes nitrogênio, fósforo e potássio, ou NPK, símbolo químico desses elementos.

Dias Heringer, hoje com 74 anos de idade, já pensava sobre os benefícios da fertilização do solo ainda no curso de agronomia, na Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, no início da década de 1960. Filho de cafeicultores em Manhuaçu, município da Zona da Mata de Minas Gerais, foi nessa região que ele começou a empacotar adubo e vender aos agricultores. “Acabei criando a empresa no papel porque precisava de nota fiscal”, lembra Dias Heringer. “Nessa época, eu já havia evoluído do cabo de enxada para uma betoneira para misturar o adubo.”

A partir daí, é possível enumerar uma sucessão de acertos nos destinos da Heringer. O primeiro foi se estabelecer em Viana, no Espírito Santo, próximo do Porto de Vitória, para receber os fertilizantes importados. “Em 1973, quando me fixei no Espírito Santo, não havia logística no País”, diz Dias Heringer. “A única maneira de crescer e de ganhar mercado era receber o adubo no porto, levar até o pequeno produtor e passar a fazer formulações customizadas.” Hoje, a empresa tem 2,7 mil diferentes fórmulas de adubo, todas registradas. O segundo acerto, com a expansão do negócio, foi criar uma rede de 20 fábricas misturadoras de adubo, nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Sergipe, além de Minas Gerais e Espírito Santo, e uma fábrica para produzir fosfato simples, uma das fontes de fósforo na formulação dos fertilizantes. A terceira decisão certeira, e a mais ousada, foi abrir o capital da Heringer na bolsa de valores, que há cinco anos injetou recursos da ordem de R$ 350 milhões na empresa. “Nesse caso, foi uma decisão estratégica para continuar crescendo”, diz Dias Heringer, que junto com os dois filhos, Dalton Carlos e Juliana, detém 68% do capital da empresa. Dos 32% de ações restantes, 60% estão em poder de fundos de investimentos estrangeiros, 28% com fundos brasileiros e o restante pulverizado no mercado. “Com ousadia, a Heringer se tornou a única misturadora de adubo no País a ter o capital aberto”, diz Wilson Rio Mardonado, diretor de relações com investidores da empresa.

A abertura do capital também atraiu gente de peso para orientar os destinos da companhia. Fazem parte do conselho de administração, presidido por Dias Heringer, nomes como o do ex-ministro da Agricultura e coorde nador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, Roberto Rodrigues, e o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sócio da Consultoria Tendências, de São Paulo. Na presidência da Heringer está o filho Dalton Carlos, que a comanda a partir de Paulínia, município próximo de São Paulo, onde está localizada uma das fábricas e também o centro de planejamento corporativo. No Espírito Santo, além do escritório central, a empresa mantém em funcionamento três centros de pesquisa: um para café, criado em 1994, um para pastagens, criado em 2003, e o xodó de Dias Heringer, o Centro de Estudos do Agronegócio (Ceagro), criado em 2004 na fazenda Paraíso, em Vila Velha.

Os eventos promovidos no Ceagro chegam a reunir até 800 pessoas, como ocorreu no início de Setembro no 1º Concurso Estadual de Café Conilon de Qualidade.

Segundo Humberto Luiz Wernersbach, zootecnista e supervisor de pesquisa da Heringer, os centros servem para medir as quantidades de adubo necessárias às plantas e ao manejo do solo. “Avaliar a resposta à adubação é uma rotina fundamental nos cultivos”, diz Wernersbach. Na década de 1970, por exemplo, era utilizada 1,4 tonelada de adubo por hectare. Hoje, segundo a Anda, as 16 principais culturas no País utilizam três vezes mais adubo por área. “Com a melhoria genética das sementes e um manejo do solo mais preciso, o adubo precisa ser calibrado para evitar desperdício”, diz Wernersbach. “Mas já avançamos muito em fertilização do solo.”

Da safra de 1990-1991 para a safra de 2011-2012, por exemplo, enquanto a produção agrícola do País cresceu 173%, a área plantada aumentou apenas 36%. “O País poupou a abertura de 52 milhões de hectares de terras. É fantástico”, diz Dias Heringer. “Mas temos um desafio monumental pela frente, porque no mercado de adubo nós somos tomadores de preço baseado em dólar.” O País é altamente dependente do fornecimento externo de matérias-primas, ocupando uma posição chamada de “price taker” no mercado internacional. Ou seja, o principal candidato a celeiro do mundo está nas mãos de outros países para fertilizar as suas próprias terras.

Não por acaso, o mercado brasileiro de adubos é o que vem apresentando a maior taxa de crescimento no mundo. Nas duas últimas décadas ela foi de 5,8%, enquanto a média mundial ficou em 2%. “O Brasil vai manter esse crescimento do uso de fertilizantes porque o aumento da produção agropecuária vai continuar acelerado nos próximos anos”, diz David Roquetti Filho, diretor-executivo da Anda. O mais recente levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), apresentado na primeira quinzena de outubro, mostra que nesta safra serão colhidos 182 milhões de toneladas de grãos, volume 9% superior à safra anterior. Hoje, a área ocupada pela agricultura é de cerca de 50 milhões de hectares. Nessa conta não estão as áreas de pastagens para a pecuária, de 174 milhões de hectares, dos quais mais de 60 milhões têm acentuada perda de fertilidade e necessitam de recuperação. “O Brasil é um cliente de ouro no mercado internacional de fertilizantes”, diz Mardonado, da Heringer.

A produção mundial de matériasprimas para a formulação de fertilizantes é de 430 milhões de toneladas, um mercado estimado em US$ 200 bilhões. Segundo Roquetti Filho, considerando os últimos cinco anos, o Brasil tem importado 70% do NPK que consome. Em 2011, a importação de fertilizantes onerou a balança comercial brasileira em US$ 9,1 bilhões. “Importamos muito porque nossa produção representa apenas 2% do total de adubos consumidos no mundo”, diz Roquetti Filho. E não há sinal, no curto prazo, de que o Brasil possa superar essa insuficiência na produção de adubos.

Para amenizar a dependência externa, a indústria nacional de matériasprimas para fertilizantes anunciou no decorrer de 2012 que deve investir nos próximos cinco anos mais de US$ 20 bilhões. O esforço é para levar o Brasil a produzir, até 2017, pelo menos 60% de sua demanda por fertilizantes. Segundo a Anda, a produção brasileira dos nutrientes NPK deve sair de 3,4 milhões de tone ladas (equivalentes aos 28,3 milhões de toneladas em produtos) em 2012, para quase dez milhões de toneladas em 2017. “Em relação aos investimentos anunciados em 2011, neste ano houve um acréscimo superior a US$ 5 bilhões em projetos”, diz Roquetti Filho. Entre as empresas mineradoras estão as brasileiras Vale, Petrobras, Galvani e Verde Fertilizantes, a inglesa Anglo American e a canadense MbAC.

Dos três macroelementos formadores dos adubos, as fontes de potássio são as de acesso mais difícil e as mais demoradas para serem exploradas pela indústria da mineração. Um projeto para sair do papel pode levar de três a sete anos e consumir investimentos da ordem de US$ 1,6 bilhão para cada um milhão de toneladas de rocha extraída do solo. O projeto mais ousado é o da Vale Fertilizantes. A empresa vai extrair potássio na região de Mendoza, na Argentina, com toda a produção destinada ao Brasil. Chamado de Rio Colorado e com investimentos da ordem de US$ 5,9 bilhões, a previsão é de que a extração de rocha comece em 2014, com produção de três milhões de toneladas de cloreto de potássio.

Internamente, um dos projetos de grande porte é o da mineradora Verde Fertilizantes, em Minas Gerais. O investimento dividido em três fases entre 2015 e 2019 está previsto em mais de US$ 2 bilhões. “Começaremos com 600 mil toneladas e a intenção é chegar a 1,5 milhão de toneladas”, diz Cristiano Veloso, presidente da empresa. A Verde já pesquisou o solo em 12 mil hectares na região de São Gotardo, em Minas Gerais, e tem nas mãos uma área que pode ser explorada por 36 anos. “Podemos baixar muito a nossa dependência externa”, diz Veloso. Ele alerta, no entanto, que essa não será uma tarefa fácil para a indústria nacional, que paga uma alta carga de impostos, enquanto o produto importado é isento. “É a principal barreira da indústria nacional de matérias-primas”, afirma. A Verde Fertilizantes calcula que, para cada tonelada de potássio extraída do solo, a carga tributária nacional abocanhe 41,6% do custo total de produção, de US$ 415. O mesmo potássio produzido pela fabricante PotashCorp, em suas fábricas do Canadá, tem um custo de produção de US$ 161 por tonelada e é tributado em 18,2%.

Os países produtores de matériasprimas para fertilizantes também estão prevendo investimentos volumosos. Serão tirados do papel, nos próximos cinco anos, 254 projetos que preveem desembolsos da ordem de US$ 88 bilhões, segundo a Associação Internacional da Indústria de Fertilizantes (IFA, na sigla em inglês). De acordo com Magnus Berge, da consultoria britânica CRU Internacional, os principais países produtores de NPK estão atentos ao que ocorre no mundo. “China, Índia, Estados Unidos, Brasil e países da União Europeia consomem 70% do fertilizante produzido no mundo”, disse Berger. “Desse grupo, Índia, Brasil e China serão fregueses por muito tempo.” Para um importador como Dias Heringer, as palavras de Berger soam como música aos ouvidos.