13/04/2017 - 13:07
A 750 metros de altitude, os campos formados por chapadões que se estendem em cima da Serra da Petrovina, uma sequência de paredões de arenito no sudoeste do Estado de Mato Grosso, formam um tapete de soja à beira da rodovia BR-364, onde o tráfego de carretas, caminhões e bitrens é sempre intenso. Apesar de parecer mais um vasto campo de soja como tantos outros que se espalham pelo País, a área tem uma característica única: dali saem cerca de 325 mil toneladas anuais de um grão especial usado como semente pelos agricultores, volume equivalente a 65% da demanda de 500 mil toneladas para o cultivo das lavouras.
“A Petrovina tem história”, diz o produtor Gilberto Flávio Goellner, 69 anos, dono do Grupo Girassol, que cultiva sementes no município de Pedra Preta, na Serra da Petrovina, desde 1982. “Foram em fazendas formadas à beira dessa rodovia que grandes produtores apostaram em tecnologia para a produção de sementes cada vez melhores e deram suporte ao crescimento do mercado de soja em Mato Grosso.” A semente, que até a década de 1980 era um insumo sem grande destaque na lida da fazenda, tornou-se a matéria-prima mais importante de uma propriedade, após o advento de tecnologias de resistência a pragas e doenças, como os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) ou transgênicos.
Não por acaso, a produção de todas as espécies de sementes, incluindo milho, forrageiras, trigo, arroz, feijão, entre outras culturas, movimenta R$ 10 bilhões anuais no País. Quase um terço desse total, ou R$ 3,2 bilhões, vem do setor de sementes de soja de Mato Grosso, maior produtor dessa matéria-prima no País, de acordo com estimativas da Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat), entidade da qual Goellner é o atual presidente. “Essa é uma cadeia que vem se concentrando, como em toda a economia brasileira, e que passa por um período de transformações”, afirma ele. “Na região da Petrovina não é diferente e precisamos encontrar respostas para enfrentar o futuro.”
O desafio mais imediato para o setor sementeiro é determinar um modelo de legislação para a reedição da Lei de Proteção de Cultivares (leia mais na pág ao lado), hoje com trabalhos paralisados.
A lei em vigor, promulgada no ano de 1997, permite somente às empresas e produtores licenciados no Ministério da Agricultura serem multiplicadores comerciais de cultivares desenvolvidas por grandes multinacionais de biotecnologia, como Monsanto, Du Pont e Bayer, entre outras. Já no médio e longo prazos, o setor sementeiro precisa responder com produtos seguros a demanda em alta dos agricultores. Essa produção de sementes se dará em bases cada mais tecnológicas, para acompanhar o crescimento das lavouras de soja nos próximos anos.
“A biotecnologia tem gerado uma riqueza que se espalha por toda a cadeia produtiva da soja”, afirma Goellner. “É por isso que a Aprosmat mantém laboratórios e apóia pesquisas.”Esse conceito também está na base da Fundação de Apoio à Pesquisa de Mato Grosso (Fundação MT), sediada no município de Rondonópolis (leia mais na pág 38), entidade criada por um grupo de produtores e da qual Goellner foi o primeiro presidente.
Francisco Soares Neto, 46 anos, diretor presidente da entidade, não arrisca dizer qual o grau de influência da semente na produtividade de uma lavoura, mas há ensaios mostrando que ela pode ser superior 10%.
Em um segmento em que esse porcentual pode fazer a diferença entre o lucro e o prejuízo, ficar atento à semente escolhida tem sido uma tarefa certa no campo. Para ele, a semente é o principal fator de produção de uma lavoura, e no qual não é possível o agricultor interferir em seu manejo. “O produtor planta uma semente e ela tem um potencial produtivo”, diz ele.
“Tudo o que estiver em sua volta, como controle de pragas, doenças e solo, é possível de manejar. Mas, o potencial genético de uma semente, o produtor precisa escolher.” A produtividade média na safra 2016/2017, estimada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para o Mato Grosso, é de 3,2 mil quilos de soja por hectare para todo tipo de semente.
A produtividade média do cultivo do grão no País é de 3,1 mil quilos. O Mato Grosso saiu de uma produção de 26 milhões de toneladas do grão em nove milhões de hectares, na safra passada, para 29 milhões de toneladas em 9,2 milhões de hectares nesta safra. O volume é quase três vezes superior ao ciclo 2001/2002, quando o Estado se tornou, definitivamente, o maior em soja no Brasil, na época com 11,6 milhões de toneladas cultivadas.
Para 2030, a previsão é que a área de soja salte para 15 milhões de hectares, dos quais cinco milhões devem ser em terras arenosas. Hoje, essas áreas somam dois milhões de hectares. “Vamos precisar de aprimoramento em todos os setores do conhecimento, porque a monocultura da soja traz inúmeros desafios”, diz Soares Neto. “Isso porque não há atividade que faça frente a ela e tudo indica que continuará sendo assim.”
CAMPO A Serra da Petrovina é reconhecida no mercado pela qualidade da semente que produz. A atividade surgiu na década de 1980 na região e ganhou de imediato essa marca.
Por exemplo, o padrão determinado pela Aprosmat é que as sementes tenham germinação acima 85% em uma amostra, ante 80% como regra no mercado. São várias as fazendas multiplicadoras do grão que se tornaram referência e que praticam taxas bem acima desse porcentual. “É por isso que a região se tornou a maior e mais famosa produtora do Estado”, afirma Goellner. O grupo Girassol, por exemplo, que vende somente sementes que tenham germinação acima de 95%, espera uma receita de R$ 400 milhões em 2017, dos quais R$ 240 milhões devem vir da sementeira.
A holding, que emprega 550 pessoas e atua também em pecuária e reflorestamento, faturou R$ 439 milhões no ano passado. Há cinco anos faturava cerca de R$ 370 milhões. “Nosso setor é atrelado ao dólar, por isso estamos esperando a retomada neste ano, em função de uma moeda mais equilibrada na casa de R$ 3,20, e de uma safra agrícola maior”, afirma Goellner. Em volume, a dimensão do crescimento da empresa é mais perceptível.
Há uma década, a Girassol produzia 500 mil sacas de 40 quilos de sementes, a medida padrão do mercado. Hoje são 1,1 milhão de sacas de sementes de soja e 800 mil sacas de sementes de algodão. Elas saem de 25 mil hectares de cultivo nos municípios de Pedra Preta, Jaciara e Ribeirãozinho, no entorno da Serra de Petrovina, além de fazendas parceiras em Goiás, Minas Gerais, Bahia e Distrito Federal. “As outras áreas de produção vieram para diversificar a oferta de cultivares”, afirma Goellner.
O próximo passo é a certificação. Hoje, o grupo Girassol espera uma decisão dos sócios da Aprosmat, cerca de 40 sementeiras associadas, sobre a condução de um estudo para certificar com um selo de qualidade a semente em todo o Mato Grosso. No País há cerca de 250 empresas sementeiras. “É com esse mecanismo que vamos apertar os critérios de qualidade e dar mais segurança ao agricultor”, diz Goellner. “Acredito que o produtor pagaria por esse serviço, porque ele dá segurança no manejo do campo.” Hoje, uma saca de soja com a tecnologia Intacta, da multinacional Monsanto, com resistência ao glifosato e a pragas, e que seja de qualidade, custa no mercado R$ 240, ante a média de R$ 140 para a semente RR, da primeira geração de transgênicos, ou para o produto convencional. Goellner diz que a ideia é que o produtor de sementes se submeta à auditoria de empresas como a SGS Brasil, subsidiária da suíça SGS, maior certificadora mundial, ou alguma outra do setor, como a holandesa Control Union, ou a brasileira Totvs, hoje presente em 41 países. “É uma política ousada para a Aprosmat, mas possível de ser implantada”, afirma ele.
Para o produtor Victor Griesang, de 27 anos, herdeiro do grupo Sementes Tropical, o agricultor que antes não fazia conta da compra de semente, hoje tem destacado o custo da tecnologia na gestão do negócio. “Para ter a tecnologia da Intacta, a mais moderna, o custo ao produtor chega a R$ 350 por hectare. Se for incluído o tratamento industrial da semente com agroquímicos são mais R$ 60 por hectare”, afirma Griesang. “Então, se agregar qualidade ao processo, o agricultor precisa de garantia de que a semente vale.” A Tropical, criada pelo pai Celso Griesang em meados da década de 1980, cultiva cinco mil hectares em cinco áreas de produção, das quais três estão na região da Serra da Petrovina. “Nosso foco será sempre produzir para o Mato Grosso”, diz Griesang, que é administrador de empresa com MBA em Munique, na Alemanha. “Não temos ambição de fazer 300 mil sacas de sementes, para atuar no mercado de varejo.” Embora não escolha compradores, o objetivo é acessar produtores com áreas de cultivo acima de dez mil hectares.
Para isso, a Tropical tem uma equipe de seis agrônomos que visitam seus clientes, como o grupo Botuverá, de Gaúcha do Norte (MT), que pertence à família do produtor Vilymar Bissoni, 64 anos, e que há 30 anos compra sementes da empresa. Nesta safra, o grupo está cultivando 24 mil hectares. O administrador Edilson dos Anjos, responsável pela aquisição das sementes desde 1997, quando o Botuverá começou o cultivo de soja, afirma que 30% das sementes consumidas pela empresa são compradas na Tropical. “Não compramos mais porque não conseguimos”, afirma dos Anjos. “A Tropical nunca falha no que promete, em termos de germinação, e a entrega de cultivares é sempre correta. Eles não misturam sementes.” Assim, embora a intenção não seja ser grande, clientes como o grupo Botuverá fazem Griesang pensar longe. Como herdeiro, ele projeta a empresa para os próximos 30 anos. “Vejo a Tropical com, no máximo, dez mil hectares de cultivo de sementes, não mais que isso”, diz ele. “Porque há também outras estratégias para agregar valor nesse mercado.”
Uma delas, juntamente com as sementeiras Arco Íris, do agricultor Holand Trentini, e a São Jerônimo, do holandês naturalizado brasileiro Rudolf Aernoudts, ambas no município de Alto Garças, nas imediações da Serra da Petrovina, foi a criação, há cerca de uma década, da G3, uma prestadora de serviços especializada na entrega de sementes. “São empresas que pensam a qualidade sob a mesma perspectiva”, diz Aernoudts. “O que fazemos é atender os agricultores de forma coordenada, com custos reduzidos.” A São Jerônimo, que iniciou o cultivo de sementes em 1987, com 400 hectares, hoje possui 15 mil hectares. A produção atual é de 220 mil sacas, ante 120 mil há cinco anos. Para ele, o crescimento esperado no Estado, justamente nas áreas de terras mais arenosas, vai, de fato, ditar um novo ritmo nos negócios. “Nessas áreas entrarão sistemas de Integração Lavoura-Pecuária”, afirma Aernoudts. “São produtores que, ao agregar valor no negócio, olham para o sistema e para os avanços que ele propõe e que hoje ainda são objetos de pesquisa.” Para ele, o produtor que ficar parado no tempo, sem foco nas novas tecnologias adequadas ao seu sistema de produção, pode desaparecer do cenário. “E a tecnologia começa com um boa terra semeada para tirar o máximo do campo”, diz Aernoudts.
À espera de novas regras
A Lei Federal 9.456, de 1997, conhecida como Lei de Proteção de Cultivares (LPC) já não atende o setor sementeiro, embora ela tenha cumprido o seu papel inicial. Na safra 1997/1998, o volume comercializado de sementes de cultivares protegidas era de 14% do total da produção. Pulou para 58% na safra seguinte e está estimada em 70% atualmente. Ou seja, do total de quatro milhões de toneladas de sementes, 1,2 milhão de são de sementes salvas pelo produtor, ou seja, tiradas do campo para serem sementes. Desse volume, metade é vendida como ilegal, ou pirata. Pela atual legislação, o agricultor pode produzir a sua própria semente, mesmo com tecnologias embarcadas, mas apenas para uso próprio.
No último ano, uma comissão especial de deputados federais analisou um projeto de reforma da LPC. Mas 2016 terminou, as audiências públicas foram canceladas e o projeto encontra-se paralisado. José Américo Pierre Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), diz que para entrar em pauta novamente o projeto precisa ser revalidado. O tema está com o relator, o deputado pelo PSDB-MT, Nilson Leitão, que tomou posse no mês passado da Frente Parlamentar do Agronegócio. “O negócio é que o texto que vem sendo discutido nessa comissão não é bom tecnicamente”, diz Rodrigues. “Ele ainda deixa brechas técnicas, o que provoca insegurança no setor.”
A Abrasem tem discutido um modelo de projeto com entidades como CNA, OCB, Abiove e Acebra, ligadas a produtores, cooperativas, indústria e empresas cerealistas. “Uma nova lei de cultivares é complexa, porque é preciso levar em conta as leis do País e também os tratados internacionais. “E isso não tem sido feito.”