06/10/2022 - 12:54
O mercado financeiro nunca esteve tão próximo do meio ambiente como agora. Com a orientação do Fórum Econômico Mundial e de fundos de investimentos com trilhões de dólares em carteira de que a mudança climática representa risco de negócio, novas ferramentas de financiamento voltadas para preservação ambiental surgem com uma velocidade nunca antes vista. Caso do Banco BV, um dos maiores financiadores de automóveis do Brasil. Com uma carteira de R$ 25 bilhões em crédito, a instituição decidiu compensar suas atividades emitindo uma Cédula de Produto Rural (CPR) Verde. O instrumento vai oferecer R$ 500 mil para a conservação de vegetação da Mata Atlântica dentro da Reserva Chico Nunes, propriedade de 487 hectares localizada na Serra da Mantiqueira, em Cruzeiro (SP). Ao todo 49,5 mil toneladas de CO2 serão neutralizadas.
“A emissão da CPR Verde é mais um passo que o BV dá rumo a uma economia de baixo carbono”, disse o diretor-executivo de Corporate & Investment Banking e Tesouraria do banco BV, Rogério Monori. Segundo ele, ao contrário do financiamento à produção rural, que antes era feito pela CPR normal, hoje o novo instrumento é um investimento do próprio banco para preservação do meio ambiente. A ferramenta, regulamentada em outubro de 2021, vai funcionar como um título de crédito destinado a subsidiar atividades de preservação ambiental, para que proprietários de áreas preservadas recebam pela contribuição que geram para a humanidade. A CPR Verde do BV possui a metodologia da Global Forest Bond, greentech brasileira, em aliança com a KPMG, empresa internacional de auditoria, para avaliação e publicação dos dados relacionados à conservação da área.
De acordo com Monori, o objetivo do banco é gerar uma renda para que o produtor consiga preservar as áreas. “Com isso, ele também poderá vender seu produto com o apelo da preservação ambiental”, afirmou o executivo. Segundo ele, mesmo sendo ainda pouco conhecido, o produto deve ter aumento de demanda. “Ser sustentável passará a ter valor financeiro.” Ainda segundo Monori, o banco poderia até compensar suas emissões com a compra de crédito de carbono, mas decidiu investir para ajudar os produtores que querem preservar suas áreas. “O programa de compensação é ambicioso e temos intenção de fazer novas emissões como decisão estratégica de ESG”, afirmou. Até o momento, o BV já conseguiu compensar 955 mil toneladas desde que começou o programa. “Nessa estratégia também captamos R$ 1 bilhão em CDBs verdes e temos ainda um negócio crescente de financiamento de placas solares”, disse o executivo. Ao todo, as emissões de ativos na linha de ESG da instituição cresceram 115% no primeiro semestre deste ano.
Após a lei do agro em 2020, foi o decreto 10828/2021 que estabeleceu as regras para a compensação financeira pela preservação
OPÇÕES Outro gigante financeiro que entrou nessa seara foi o Itaú Unibanco, que anunciou sua segunda emissão de Letras Financeiras (LF) Verdes, no valor de R$ 1 bilhão e com prazos de dois e três anos (R$ 500 milhões cada). As LF são títulos de longo prazo emitidos por bancos que se destinam a levantar recursos para que as instituições financeiras possam conceder empréstimos. Para Paula Costa, uma das fundadoras da consultoria ambiental Pretaterra, as novas ferramentas de financiamento, institucionalizadas em 2020, abrem a possibilidade efetiva do pagamento pelo serviço ambiental, ou ecossistêmicos. Mas toda a elaboração precisa ser feita de forma séria, com práticas conservacionistas de manejo do solo e redução de impactos, por exemplo. E tudo auditado. Porque quem vai pagar pela CPR Verde tem de ter muito claro pelo que ele está pagando. Tudo precisa ser mapeado. Dessa forma, ambientalistas e produtores, que antes ficavam um em cada lado, agora podem trabalhar juntos. “A CPR Verde veio para alinhar esses dois lados. Estamos num momento muito oportuno para nos tornarmos agentes da preservação”, afirmou outro sócio da Pretaterra, Valter Ziantoni.
De acordo com o advogado e especialista em agronegócio e finanças sustentáveis do escritório VBSO, Phillipe Käfer, a CPR sempre foi um dos principais títulos de financiamento do agronegócio. Criada em 1994, pela Lei 8929, ela estava atrelada a uma promessa de entrega futura de produtos agrícolas. “Mas em 2020 a Lei do Agro fez uma alteração na Lei da CPR para que fosse permitida a inclusão de produtos relacionados à conservação de florestas nativas ou de biomas.” O grande pulo do gato para a ferramenta deslanchar, portanto, foi a compensação financeira pela preservação. Foi em outubro de 2021, por meio do Decreto 10828/2021 que as regras foram estabelecidas. “Ele coloca expressamente a emissão ligada à recuperação de florestas nativas, que resultem em redução de emissão de gases de efeito estufa e outros benefícios ecossistêmicos”, afirmou.
O efeito da lei foi uma ampliação de mercado que aos poucos se concretiza, uma vez que manter a floresta e plantar também se tornam produtos. “Isso vai permitir uma gama de possibilidades de novas ferramentas de financiamento como estamos vendo”, afirmou Käfer. O desafio, segundo ele, será o desenvolvimento das metodologias certificadoras para garantir o título no mercado financeiro. “Para que esse mercado se fortaleça será necessário criar regras claras, tanto técnicas como jurídicas, dando o embasamento total.” Mesmo processo que ainda precisará ser feito no mercado de crédito de carbono que no Brasil ainda é voluntário. Isso inclui certificações, laudos, e todas as etapas para que aquele ativo seja validado. Um processo demorado e caro. E nesse contexto, a CPR pode se tornar um título intermediário que pode financiar as etapas.
O mercado financeiro nunca esteve tão próximo do meio ambiente, e o agro tem tudo para ser a ponte nessa relação
MERCADO DE CARBONO Com essas ferramentas, o Brasil pode começar a assumir o protagonismo na preservação ambiental. Segundo o coordenador do observatório de bioeconomia da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), Daniel Vargas, muito do que foi estabelecido no mercado de carbono até hoje foi feito por grandes países, vários deles grandes poluidores que precisam abater a sua conta de emissões de gases de efeito estufa adquirindo créditos de quem preserva. “Temos uma oportunidade gigantesca se juntarmos o fato de sermos um dos maiores produtores de alimentos do mundo com a parte da conservação”, disse. Um bom reservatório deste potencial é a Amazônia, uma reserva legal que não existe em nenhum lugar do mundo. “Se agregamos valor aos nossos produtos, seja milho, soja, carne, atrelando a possibilidade do pagamento pelo serviço ambiental, podemos converter isso em ganhos”, disse.
Assim, poderemos participar ativamente de um mercado que vive um momento de efervescência. Um estudo da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil) estima que os créditos de carbono podem gerar US$ 100 bilhões ao País até 2030. Em volume, isso significa que até o final desta década, setores como agronegócio, floresta e energia podem evitar a emissão de 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente. Dados referentes a 2021, divulgados pelo Ecossystem Marketplace (EM), mostram que o mercado voluntário, aquele que independe de legislação específica, cresceu quase quatro vezes no último ano, chegando a US$ 2,5 bilhões de créditos negociados no mundo. O preço médio por crédito, que representa uma tonelada equivalente de CO2, foi de US$ 4 em 2021, um valor 58% acima do ano anterior.
Para que possamos participar ativamente desse mercado promissor precisaremos estar preparados, com regras claras e acesso transparente, criando condições para o surgimento de todo um sistema de certificação eficaz. “Boa parte do País é uma fotossíntese a céu aberto e temos tudo para participar ativamente desse mercado verde. Só precisamos estabelecer as regras”, disse Vargas.