O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) livrou a Global Gestão em Saúde, do empresário Francisco Maximiano – que se tornou conhecido ao virar alvo da CPI da Covid -, de pagar uma indenização de R$ 1,6 milhão à Petrobras, em razão de suspeitas de fraudes em um contrato com a petrolífera.

O contrato entre a Global e a Petrobras – no valor total de R$ 549 milhões – foi firmado em 2015. Pelo termo, a empresa de Maximiano seria a responsável por gerir o fornecimento de medicamentos aos associados do plano de saúde da estatal petrolífera. O negócio, porém, foi parar na Justiça, após trocas de acusações.

A Global apresentou denúncia no Tribunal de Contas da União (TCU) segundo a qual beneficiários do plano de saúde da Petrobras cometiam fraudes na compra dos medicamentos. A petrolífera, por sua vez, acusou a fornecedora de descumprir o contrato e impedir a aquisição dos remédios pelos associados. Neste ano, o Comitê de Integridade da Petrobras multou a Global em R$ 2,3 milhões e proibiu sua contratação pela estatal.

A Global moveu na Justiça uma ação para cobrar R$ 182 milhões da Petrobras por prejuízos que alega ter sofrido durante a execução do contrato. Em abril de 2019, no entanto, a juíza Anelise Soares, da 5.ª Vara Cível de Barueri, acolheu uma contestação da estatal e condenou a empresa de Maximiano a indenizar a Petrobras em R$ 1,6 milhão. Segundo a magistrada, a Global, tão logo venceu a licitação, “começou a interpor óbices ao cumprimento de sua parte no contrato”.

A anulação da sentença de primeiro grau ocorreu em outubro passado. Durante julgamento na 26.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, o relator, desembargador Carlos Dias Motta, afirmou que a juíza de primeira instância desconsiderou que a Petrobras pode ter se omitido diante de irregularidades denunciadas pela Global. Com isso, ele entendeu que a empresa teve seu direito de defesa cerceado.

Agora, o caso vai para a fase de produção de provas e um novo julgamento sobre os R$ 182 milhões requeridos pela Global será realizado.

INVESTIGAÇÕES

A Polícia Federal apontou suspeita de corrupção no contrato – Maximiano teria pago propina a agentes públicos para obter o contrato com a petrolífera. “As compras simuladas iniciaram em abril de 2015, mês antecedente ao primeiro pagamento recebido da Petrobras. Uma das hipóteses é que o dinheiro em espécie gerado pelas operações simuladas teve como destino o pagamento de vantagens ilícitas a algum servidor público ou agente político ligado à Petrobras”, afirma trecho de relatório da PF.

No dia 30 de setembro, a Global foi alvo da Operação Acurácia, da PF, por suspeita de envolvimento em esquema de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e corrupção em contratos com empresas públicas. A investigação teve início em 2018. “O grupo investigado simulou operações comerciais e financeiras inexistentes com a finalidade de desviar dinheiro de empresas que atuam na área de medicamentos para empresas de fachada. O intuito dessas operações fictícias era gerar dinheiro em espécie, utilizado como propina a agentes políticos como pagamento em troca de favorecimento na contratação das empresas por estatais”, afirmou a PF, na época da operação. No mesmo dia, Maximiano foi denunciado pelo Ministério Público Federal por organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo um contrato da Global com os Correios.

CONTRATO

A Global ainda é investigada pelo Ministério Público Federal por um contrato de quase R$ 20 milhões para venda de remédios contra doenças raras, firmado com o Ministério da Saúde em 2017. Uma semana antes da Operação Acurácia, a PF deflagrou outra ação, a Pés de Barro, para apurar fraudes na aquisição desses medicamentos pela pasta.

Também sócio da Precisa Medicamentos, Maximiano entrou no radar da CPI da Covid. Durante a pandemia, ele atuou como intermediário na negociação de compra, pelo Ministério da Saúde, de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. O contrato, no valor de R$ 1,6 bilhão, foi cancelado por suspeitas de irregularidades, e o empresário figura na lista de 78 indiciados pela comissão.

A Petrobras afirmou que tem conhecimento da decisão da 26.ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP e “está analisando para verificar a viabilidade de eventual recurso”.

A defesa de Francisco Maximiano já declarou que há “oportunismo” e “pirotecnia” nas investigações que atingem a Global Gestão em Saúde.

BRIGA JUDICIAL

Na briga judicial com a Petrobras, a Global Gestão em Saúde conta com a atuação em sua defesa de um ex-presidente do Tribunal de Justiça e o filho de um desembargador da Corte, além de dois advogados investigados na CPI da Covid.

Em janeiro de 2020, o ex-presidente do TJ paulista Ivan Sartori foi contratado pelo escritório que faz a defesa da Global para atuar na causa envolvendo a indenização à Petrobras. Embora tenha se aposentado em março de 2019 e esteja proibido de atuar na Corte até março de 2022, Sartori obteve uma procuração para advogar no processo em uma apelação perante o tribunal.

Além de Sartori, a defesa da Global também contratou o advogado Rafael Sartorelli, filho do desembargador Renato Sartorelli, o que levou ao impedimento do magistrado para julgar o caso.

A empresa de Maximiano conta ainda com os advogados Márcio Anjos e Márcio Miranda Maia. Sócios, Anjos e Maia também se tornaram alvo da CPI da Covid após o Coaf apontar transferências suspeitas de R$ 4,8 milhões de uma empresa da dupla para Maximiano.

Em uma nota conjunta, os advogados Márcio Anjos e Rafael Sartorelli afirmaram ao Estadão que contrataram para atuar em segunda instância “advogados especializados em atuar nos tribunais”.

Segundo eles, o desembargador aposentado Ivan Sartori “não atuou na segunda instância” e foi contratado “dada a sua experiência, na primeira instância, caso ocorresse o retorno do processo” ao primeiro grau. “Houve revisão técnica de peças e discussão da estratégia jurídica por todos os advogados oficiantes”, diz o comunicado.

Questionados sobre as transferências suspeitas a Maximiano, Anjos e Maia alegaram que foram em decorrência da compra de um imóvel.

‘ASSISTÊNCIA’

O escritório de Ivan Sartori afirmou que foi contratado para atuar “em primeiro grau” e “dar assistência jurídica intelectual ao trabalho dos demais advogados”. Ainda segundo a nota do escritório, “o fato de o processo ter demorado um ano e meio para ser julgado não era previsível ao tempo da contratação” de Sartori.

O desembargador aposentado ainda afirmou que não recebeu honorários até o momento, mas que “certamente” receberá, “na hipótese de sucesso com a causa, fato que somente ocorrerá após o trânsito em julgado, se houver êxito”.

O desembargador Renato Sartorelli disse ao Estadão que “afirmou seu impedimento para atuar no julgamento da apelação em face dos laços de parentesco com Rafael Sartorelli, que é seu filho”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.