22/08/2022 - 8:04
Às margens da Rua da Consolação, na região central de São Paulo, há um conjunto de ruas e vielas normalmente pouco movimentadas: as que compõem o Cemitério da Consolação. É caminhando por elas que a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Eliane Del Lama conduz um tour para apresentar a variedade de rochas nos túmulos e mausoléus – e como essas pedras contam muito sobre a história da cidade. Aberta ao público, a edição mais recente ocorreu no dia 13 e foi acompanhada pela reportagem do Estadão.
No mais antigo cemitério da cidade, descansam anônimos e famosos – caso do escritor Monteiro Lobato e da pintora Tarsila do Amaral. Há, ainda, obras históricas que ornamentam os túmulos, como esculturas do italiano Victor Brecheret, e mausoléus de famílias da elite paulistana, como a Siciliano e a Matarazzo. Com 150 m² de área construída, o jazigo dos Matarazzos é considerado um dos maiores da América Latina e foi uma das paradas do tour.
“Cemitérios como o da Consolação têm uma diversidade de pedras muito grande, de todas as cores, com várias texturas. Com os tours, o objetivo é mostrar um pouco disso para o público leigo ou até para os nossos alunos”, contou Eliane. Os chamados geotours já eram oferecidos aos alunos da universidade, como parte de uma disciplina, mas ganharam versão aberta ao público a partir de 2019. A pandemia provocou uma parada nas atividades, que só foram retomadas neste ano. Até agora, houve uma edição no Cemitério São Paulo, na zona oeste, e a do dia 13, na Consolação. “O mais legal é que as pessoas resistem um pouco a fazer o tour, mas no final ficam com outro olhar”, diz Eliane. “Nos Estados Unidos, há um hábito de visitar cemitérios como parques. São lugares arborizados, de paz.” Os passeios contam com, no máximo, 30 pessoas.
Elitização
Por ter sido o primeiro da capital, o Cemitério da Consolação, de 1858, teve uma fase mais popular, sem um padrão definido de túmulos. Mas a partir do fim do século 19 – com a inauguração de outros cemitérios, como o do Araçá -, se intensificou um processo de elitização, também influenciado pelo avanço econômico da Avenida Paulista, ali perto.
“Na Época do Café, os túmulos passaram a ser construídos com pedras estrangeiras, principalmente com o mármore de Carrara”, explicou Eliane. Ornamentado com estátuas de bronze, o mausoléu da família Matarazzo é revestido com pedras italianas, como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi.
A prática de importação de rochas, porém, foi perdendo força com a crise de 1929. E o uso de pedras nacionais foi ampliado. É o caso dos granitos Itaquera, que era encontrado na zona leste, Cinza Mauá, Piracaia e Verde Ubatuba.” Em uma das construções mais famosas do cemitério, a estátua O Sepultamento, Victor Brecheret usou o Itaquera e o Cinza Mauá. As pedras utilizadas nos túmulos também decoram fachadas de prédios no centro histórico da cidade. Um exemplo é o prédio do antigo Banco de São Paulo, revestido com o granito Preto Bragança, mesmo material do túmulo de Monteiro Lobato.
História de SP
O empurrão para a realização dos tours foi a dissertação de mestrado de Luciane Kuzmickas, orientada por Eliane. “Sempre gostei dessa área de monumentos por conta da história da minha família”, conta Luciana. “Sou descendente de lituanos que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor.”
Ao entrar na USP, Luciana começou a participar de pesquisas sobre rochas usadas no cemitério. “Identificamos mais de 20 tipos”, contou a geóloga. “No Brasil, não tem nenhum cemitério comparável com o da Consolação na variedade de rochas. Ele conta muito nossa história, principalmente de São Paulo.”
Nas visitas, um novo olhar sobre o local
Pouco após as 9h30, um grupo de 11 pessoas recebeu as boas-vindas da professora Eliane na entrada do Cemitério da Consolação. Com um microfone acoplado ao rosto, a pesquisadora conduziu os visitantes pelas vielas do cemitério e explicou desde a textura das pedras a maneiras de como identificá-las. Foram cerca de duas horas desvendando segredos de túmulos, esculturas e mausoléus.
Aluna do último ano do curso de Geologia, Giovana Grossi, de 22 anos, já tinha ido a um tour com Eliane, mas voltou para compartilhar a experiência com o namorado. “Achei que seria interessante ele conhecer esse universo”, conta a jovem.
O casal saiu da região do Butantã, na zona oeste, e pegou um ônibus para ir até o local. “Achei legal ver os túmulos e as culturas e religiões diferentes”, disse o namorado de Giovana, o atleta Vinícius Castro, de 22.
O clima frio – os termômetros marcavam pouco mais de 10ºC – não espantou os participantes. “O medo era estar chovendo, mas como o tempo estava firme, não impediu a gente de vir”, disse a pesquisadora de geografia humana da USP Ana Carolina Almeida, de 28.
Interessada no assunto, ela lamentou apenas a falta de divulgação fora dos contextos acadêmicos, mas disse entender que o assunto ainda é um pouco estigmatizado. “Falei para a minha avó que viria aqui e ela disse: ‘Ai, o que você vai fazer no cemitério?'”, contou.
Ana Carolina foi ao local após ser convidada por uma amiga, a também pesquisadora Iara Silva, de 27. “Recebi um e-mail do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP), que onde trabalho, falando sobre o tour. Achei interessante.”
Dois estudantes de História que caminhavam pelo cemitério – João Pedro Lopes, que estuda na Unicamp, e Antônio de Almeida, aluno da USP, ambos de 19 anos – passaram a acompanhar o tour.
“Viemos aqui procurando o túmulo do Caio Prado, que é uma leitura canônica nos cursos de História”, disse João Pedro. A dupla gostou de ter encontrado o grupo de Eliane. “É muito legal que é um tour de Geologia, mas que tem questões históricas atreladas a ele”, complementou Antônio.
A Prefeitura informou que oferece visitas guiadas gratuitas no cemitério todas as sextas-feiras, às 14 horas. É necessário agendar (assessoriaimprensa@prefeitura.sp.gov.br). Já o geotour não tem periodicidade definida. As edições são divulgadas nas redes sociais do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), grupo localizado no Instituto de Geociências, e nas do Museu de Geociências da USP.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.