08/01/2020 - 12:28
Às 20h45 do dia 20 de agosto, dois peões abriam a porteira de acesso à pista do tatersal de leilões Rubico de Carvalho, no parque Fernando Costa, em Uberaba (MG). Esse foi o sinal para que o touro Guerreiro da Hora, contido na embocadura da pista, entrasse na área de apresentação. Na batida do martelo, o touro nelore, nascido em outubro de 2017 e pesando 711 quilos, saiu por R$ 13,5 mil para o criador Admilson Robson Oliveira, de Prainha (PA). Guerreiro foi o primeiro animal vendido no 6º leilão Genética Provada Hora.
O evento é promovido pelo criador paranaense José Roberto Höfig Ramos, 52 anos. Mas ele não era o lance mais esperado. Cerca de uma hora depois, a posse de 50% de Gold, com a mesma idade e peso, foi disputada por 8 compradores até os segundos finais do lance. E não poderia ser diferente: o preço foi até R$ 142,5 mil, com lance fechado por Rafael dos Santos, da Agropecuária Terra Nova, de Luiziânia (SP). Gold saiu da pista direto para a central de inseminação Accelerated Genetic, de Ribeirão Preto (SP), já com 4 mil doses de sêmen encomendadas durante o remate, pelo valor de R$ 128 mil. “Cada vez mais, a pecuária tem sido vista como atividade de alta produtividade”, diz Ramos. “Hoje se abate boi aos 22 meses, em vez dos 48 meses de anos atrás, porque a genética do nelore está sendo trabalhada e se aproxima cada vez mais dos índices de produtividade do gado europeu e do americano”, declara.
O leilão de agosto foi um das centenas de eventos que marcaram a temporada de venda de reprodutores, considerada entre as melhores dos últimos anos. A temporada 2019 se encerra neste mês. Com um rebanho de cerca de 200 milhões de bovinos, dos quais 70 milhões são de fêmeas em idade reprodutiva – contanto vacas e novilhas de 2 a 3 anos –, seriam necessários substituir nos planteis 420 mil touros por ano. Isso, já levando em conta a utilização da inseminação artificial. Tomando como base o preço da arroba do boi gordo nos últimos meses, praticada no Centro-Oeste, o mercado de touros representa um potencial de R$ 4,8 bilhões por ano. A ciência reprodutiva prega uma renovação de 20% de touros de uma propriedade, por ano, o que significa rodar por completo a genética de uma fazenda no período de uma década. A disputa por uma fatia desse mercado, ainda longe do ideal, explica a disposição dos criadores de touros na promoção de remates. “O setor da pecuária está acreditando muito em uma retomada dos negócios”, diz Lourenço Miguel Campo, dono da leiloeira Central, de Araçatuba (SP), organizador do evento da Hora Höfig Ramos. “Há três elementos que sustentam essa percepção: China, PSA e UE-Mercosul”.
No primeiro caso, Campo se refere à demanda crescente por carne bovina no País asiático. No ano passado, os chineses importaram 1 milhão de toneladas (em equivalente carcaça), das quais 31% foram do Brasil. A principal ajuda nesse aumento, ainda que seja uma tragédia, vem da Peste Suína Africana (PSA), doença que já dizimou metade de rebanho chinês, hoje estimado em 200 milhões de animais. Os suínos são a fonte da principal proteína consumida por lá.
Além disso, e não menos importante, é o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Caso ele seja aprovado pelos países do bloco europeu, deverá entrar em vigor nos próximos dois anos. O acordo prevê uma cota de 99 mil toneladas à Europa, das quais 45 mil toneladas serão originadas no Brasil com tarifa intracota de 7,5% e volume crescente em 5 anos.
Além disso, a tarifa foi zerada para as 10 mil toneladas desossadas, destinadas à Cota Hilton, um mercado global de cerca de 70 mil toneladas que podem valer até o dobro de uma carne commodity. “Quem investe agora em genética está pensando no boi que será abatido em 2022”, afirma Campo. “É isso que não deixa o mercado de touros parar”, destaca ele.
No caso da Hora Höfig Ramos, a AgroHora, o plano é dobrar a oferta de touros nos próximos anos. Esta é uma ideia florescente entre pecuaristas que participam de programas de seleção. Atualmente, Ramos cria 200 touros, a partir de um rebanho de 4 mil fêmeas alojadas em Brasilândia (MS), em sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, há seis anos. O total de terras é de 14 mil hectares em outras propriedades, incluindo o Paraná onde está a origem da família. Ele ainda tem soja e floresta plantada de eucalipto destinado à Suzano Papel e Celulose. “A pecuária integrada com a agricultura e boa genética é rentável”, diz ele. “Mas, para isso, é preciso investir.”
A família Höfig Ramos é de agropecuaristas tradicionais, no mercado há 60 anos. Ramos administrou todos os negócios da família desde os 23 anos, mas somente em 2015 passou a tomar conta exclusivamente da parte que lhe cabia na herança, depois de dois processos de sucessão familiar. “A pecuária sempre foi vista como uma boa reserva de caixa”, diz ele. “Mas agora a história é outra.”
Lição de casa
Marga Schultz Ramos, a esposa que está junto no projeto de construção da marca AgroHora, afirma que a mudança de conceito no campo passa pela visão de futuro. “Então, se não tratar essa pecuária como se ela fosse uma grande empresa não haverá retorno,” diz. Marga conta sobre a experiência, por exemplo, da decisão de investir em uma fábrica de ração. “Na agricultura, comprar maquinários sofisticadíssimos não causa espanto, mas quando você diz que vai investir numa fábrica para o gado, muita gente se espanta. Mas é ela que vai garantir comida barata lá na frente.”
Touro no campo
O Brasil tem um rebanho estimado de 2,1 milhões de touros. São reprodutores em atividade, mas a maior parte não vem de programas de seleção liderados por instituições como a Embrapa, USP, ABCZ, entre outras. Não há no País um único dado oficial sobre o volume de animais provados, mas a estimativa é que não chegue a 70 mil os touros ofertados pelas fazendas inscritas em programas de melhoramento do gado. Para o selecionador William Koury, 77 anos, dono da fazenda Kaluene, de 4,4 mil hectares em Gaúcha do Norte, no Mato Grosso, as fazendas que engordam gado e que são mais tecnológicas utilizam touros superiores e demanda por eles. “Esse é um mercado crescente, à medida da sofisticação do mercado de carne”, diz ele. Mas há um desafio, que é o mercado de cria.
Koury começou a selecionar nelore em 1964. Hoje são 1,4 mil fêmeas, com uma produção de touros entre 400 e 500 animais por ano. Desde os anos 1980 o rebanho está inscrito no programa Nelore Brasil, da Associação Nacional de Criadores
e Pesquisadores (ANCP/USP). “O segmento menos informado, que menos utiliza tecnologias na pecuária de corte é o criador de bezerro”, diz ele. “Então, é uma questão de evolução, porque somente quando esse produtor cria um bezerro melhor ele vai sentir a necessidade de entrar no mercado de touros.” Nos últimos anos, a produção brasileira de bezerros tem oscilado entre 50 milhões e 55 milhões, ante 44 milhões de uma década atrás.
Além disso, o touro é fundamental para um rebanho melhorar suas matrizes, as mães dos animais que irão ao abate. “É isso que interessa. Mas na pecuária de cria, muita gente ainda fala que a fêmea é só uma fôrma. Não é verdade, porque ela contribui com 50% da genética de um bezerro”, diz Koury. “Se ela for de genética melhorada, com um touro superior, vai fazer um boi mais cedo.” Para ele, essa é uma evolução pela qual a pecuária comercial ainda precisa passar. E o caminho a ser traçado até 2030, para produzir acima de 10 milhões de toneladas de carne bovina, 1 milhão a mais do que hoje.