Sete anos depois de Mariana, em Minas, ser atingida pelo lamaçal de rejeitos de minério de ferro em razão do rompimento da barragem de Fundão – que deixou 19 mortos -, mais de 200 mil vítimas que sofreram perdas materiais elevadas, muitos ficaram sem suas próprias casas, estão em alerta com o estágio do processo de repactuação dos danos da tragédia. O grupo já acompanhava com apreensão a negociação, apontando a não participação das vítimas nas tratativas. A preocupação aumentou após passar a circular, entre os envolvidos nos ajustes, um rascunho do termo de adesão a ser proposto aos municípios impactados.

O documento, ao qual o Estadão teve acesso indica todas as obras que são de responsabilidade da Fundação Renova e que, após a repactuação, seriam extintas e substituídas por ações de competências dos municípios.

A Fundação Renova foi criada em 2016 para ‘promover medidas reparatórias, compensatórias, socioambientais e socioeconômicas’, com recursos da Samarco. A avaliação do Ministério Público Federal é de que tais ações não foram adotadas de forma eficaz.

Segundo o documento, o montante repassado às cidades habilitadas deve ser usado nas áreas de: ‘saúde, educação, saneamento, meio ambiente, geração de emprego e renda, fomento à agricultura, turismo e cultura, sistema viário, infraestrutura, mobilidade e urbanização e fortalecimento do serviço público’.

O termo não cita valores, considerando que ainda não foi estabelecido o montante final da repactuação. Nos bastidores, o valor citado gira em torno de R$ 110 bilhões a R$ 120 bilhões – inferior ao apontado pelo Ministério Público Federal, em 2016, como dano estimado: R$ 155 bilhões.

O documento contém informações como o prazo de 90 dias que as cidades teriam para aderir à repactuação, depois de o acordo ser homologado, e ainda o prazo para que seja efetuado o depósito dos valores, 30 dias após a assinatura do termo de adesão.

O rascunho ao qual a reportagem teve acesso apresenta uma tabela estabelecendo porcentagens de recursos que serão recebidos por cinco municípios ‘considerando ações a serem desenvolvidas em substituição aos programas da Renova extintos pelo acordo e as de fortalecimento dos serviços públicos a serem executadas pelos municípios’.

A lista cita os municípios de Mariana (20%), Barra Longa (6%), Rio Doce (4%), Santa Cruz do Escalvado (4%) e Ponte Nova (2,5%).

O documento também indica outros municípios considerados ‘elegíveis’ para receberem os valores para ‘novas iniciativas para fortalecimento dos serviços públicos municipais em substituição aos Programas da Fundação Renova e por uma compensação coletiva e difusa global de todos os danos causados pelo rompimento’.

Segundo o documento, os valores a serem repassados a tais cidades devem ser estabelecidos com base em critérios como: ‘impacto no abastecimento de água’; ‘proporção da calha do rio Doce pela área do município’; ‘Proporção da população’; Índice de Desenvolvimento Humano Municipal; Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal; e coeficiente FPM, atribuído pelo Tribunal de Contas da União por meio da faixa populacional do município em 2022.

Advogados que acompanham as vítimas do desastre veem o documento como um indicativo de quão avançado está o acordo. Ao mesmo tempo contestam diferentes pontos não só do arquivo, mas também de todo o processo de negociação da repactuação, apontando que as condições não são benéficas para os atingidos.

Em audiência pública na Câmara dos Deputados no último dia 6 foi externada preocupação com a possibilidade de o acordo ser finalizado ainda em 2022.

Representantes das vítimas da tragédia disseram que foram pegos de surpresa com a notícia. Eles sugerem que as negociações perdurem por mais quatro meses, com a inclusão do novo governo nas tratativas. Ainda não houve resposta oficial sobre essa solicitação.

A avaliação é a de que não é possível fechar um acordo, tido como um dos maiores da história, sem os novos integrantes do Executivo. Nesse contexto são destacadas as promessas do governo Lula sobre meio ambiente.

Em meio ao avanço do processo de repactuação, a principal contestação tem relação com a publicidade do que é ‘acertado’ nas negociações.

Os advogados sustentam que os termos do acordo estão sendo discutidos a ‘portas fechadas’ destacando que não são divulgadas informações oficiais sobre as negociações.

Nesse mesmo contexto, eles levantam o questionamento de que a eventual proposição de um modelo de negociação unificado para todas as cidades envolvidas pode não ser o melhor para cada uma das localidades, considerando os diferentes danos que o lamaçal causou.

Com relação à possibilidade de que as tratativas sejam encerradas ainda em 2022 – hipótese que chegou a ser levantada pelo governador de Minas, Romeu Zema, em entrevista à rádio Super 91,7 FM, em novembro – os advogados apontam que não existe prazo hábil para manifestação de todos os agentes envolvidos no processo.

O minucioso acordo e suas cláusulas preenchem 250 páginas. Para os advogados das famílias atingidas pela tragédia ocorrida em novembro de 2015 o termo não pode ser negociado de forma apressada.

O termo de adesão que circula entre os envolvidos na repactuação ainda fez advogados refletirem sobre a viabilidade jurídica de eventuais cláusulas do acordo que possam obrigar as partes a desistirem de medidas judiciais futuras ou em andamento.

COM A PALAVRA, O GOVERNO DE MINAS

O Governo de Minas informa que o novo termo de repactuação dos prejuízos causados pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, vem sendo negociado, em conjunto com o Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais e Ministério Público do Espírito Santo e contempla soluções para superar os obstáculos identificados na execução do TTAC.

Todas as negociações e acordos anteriores estão sendo considerados, assim como as causas atuais da lentidão do processo de reparação.

O texto prevê amplo espaço para a participação popular e dos atingidos. Inclusive, há a previsão de um recurso substancial para decisão integral das comunidades atingidas, as quais terão ampla autonomia para indicar quais investimentos serão feitos.

As Defensorias Públicas da União e dos Estados estão participando das negociações e, juntamente com os Ministérios Públicos, têm feito reuniões com as comunidades atingidas, como a audiência pública realizada no último dia 09/12 com a participação de representantes dessas comunidades. As preocupações da população, famílias e municípios impactados estão sendo exaustivamente tratadas pelos Ministérios Públicos e Defensorias dentro do propósito de construir uma repactuação que seja efetiva, célere e justa para todos os prejudicados.

COM A PALAVRA, O GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO

O Governo do Espírito Santo informa que após o encerramento da mesa de negociação no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) continua aberto a conversas com os demais entes e órgãos da Federação e também com a empresa Samarco e suas mantenedoras BHP e Vale. O objetivo é garantir a reparação dos danos ambientais, sociais e econômicos provocados em municípios capixabas após o rompimento da barragem de Mariana (MG), ocorrido em 2015.

COM A PALAVRA, A FUNDAÇÃO RENOVA

A Fundação Renova esclarece que não é parte das negociações de repactuação. A instituição permanece empenhada na reparação e na compensação, que se encontram em um momento de avanços e entregas consistentes dos programas que tiveram definição clara pelo sistema de governança participativo.

O processo de indenização avança com a prioridade que o tema exige. Até outubro, a Fundação Renova indenizou mais de 407,7 mil pessoas, com pagamento de R$ 12,1 bilhões em indenizações e Auxílios Financeiros Emergenciais (AFEs).

Das 568 famílias que tiveram moradias afetadas pelo rompimento, 209 tiveram os seus casos resolvidos com a mudança para os seus novos imóveis ou indenizações. No novo distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), 84 casas estão prontas e 70 estão em construção, estando concluídos também as estações de tratamento de esgoto, escola e posto de saúde e serviços. No novo distrito de Paracatu de Baixo, a infraestrutura também está concluída, as obras seguem focadas na construção de casas e bens coletivos. Até o momento, 56 casas estão em construção, além de oito bens de uso coletivo. As famílias envolvidas podem começar a planejar as suas mudanças para os primeiros meses de 2023.

O monitoramento da bacia do rio Doce demonstra uma tendência de recuperação, com a retomada dos parâmetros de qualidade da água em níveis históricos. A água do rio Doce é classificada como classe 2 pela legislação brasileira e pode ser consumida pela população após tratamento convencional e ser usada para dessedentação animal e irrigação.

Foi concluída a restauração florestal nas áreas diretamente impactadas pelo rejeito em mais de 200 propriedades rurais de Mariana, Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova. Em terrenos em que não houve depósito de rejeito, uma área equivalente a mais de 30 mil campos de futebol está sendo reflorestada por meio de editais que ultrapassam R$ 800 milhões em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Mais de R$ 720 milhões destinados para projetos de saneamento nos municípios impactados. Segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica da Bacia do Rio Doce, 80% do esgoto gerado pelos municípios atingidos são despejados diretamente no curso d’água sem tratamento. Outros R$ 830 milhões foram disponibilizados para os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, além de prefeituras dos municípios atingidos, para ações de infraestrutura, saúde e educação.

No total, até outubro de 2022 foram destinados R$ 25,79 bilhões às ações de reparação e compensação.

COM A PALAVRA, A SAMARCO

A Samarco, com o apoio de suas acionistas Vale e BHP Brasil, permanece aberta ao diálogo e reforça o compromisso com a reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, viabilizando medidas de reparação em favor da sociedade.

Até outubro deste ano, já foram indenizadas mais de 407,7 mil pessoas, tendo sido destinados mais de R$ 25,79 bilhões para as ações executadas pela Fundação Renova.