A Transparência Internacional (TI) denunciou o Brasil nesta quarta-feira, 9, à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) por retrocessos no combate à corrupção durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. O relatório é divulgado na mesma semana em que o Congresso contrariou determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e instituiu nova brecha para não divulgar o nome dos parlamentares que apadrinham emendas do orçamento secreto.

No documento, a TI elencou marcos legais e institucionais do Executivo, Legislativo e Judiciário que considerou danosos ao combate à corrupção no Brasil no último triênio, até 2021. Entre os destaques, a organização cita o orçamento secreto, esquema de compra de apoio ao governo no Congresso por meio das chamadas emendas de relator. Revelada pelo Estadão em maio do ano passado, a prática, que libera o pagamento de emendas sem apresentar o real autor do pedido, é definida como um dos fatores de diminuição da transparência e controle dos recursos federais.

O documento também denuncia como retrocesso “ataques e ameaças contínuas do presidente Bolsonaro contra instituições democráticas”, incluindo como alvos o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), governadores e prefeitos.

O Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE, que recebeu o relatório da TI, monitora o cumprimento da Convenção contra o Suborno Transnacional da OCDE. O Brasil é signatário do tratado há 20 anos e, nos últimos três anos, tem sido monitorado de perto pela OCDE no cumprimento dos dispositivos referendados. Segundo a Transparência, a reunião plenária do grupo está acontecendo esta semana na capital francesa, Paris.

“Os retrocessos na pauta anticorrupção, refletidos na situação cada vez mais crítica do Brasil no Grupo de Trabalho Antissuborno, somam-se às graves preocupações no campo ambiental como os dois maiores obstáculos à pretensão do governo do Brasil em aderir ao ‘clube das nações ricas’”, escreveu a TI em nota.

Conforme o Estadão mostrou, o processo de acessão à OCDE leva, em média, quatro anos para ser finalizado. Os candidatos devem aderir a 251 instrumentos para conseguir a aprovação como integrantes da entidade. Em janeiro, o Brasil teve o processo de entrada oficializado, já com o aval para 103 destes instrumentos. Temas como o combate à corrupção, a educação e o meio ambiente, porém, são tomados como avanços necessários para que o Brasil consolide seu processo de entrada na Organização. A terceira denúncia da TI, após balanços similares produzidos em 2019 e 20, pode dificultar a entrada do País.

Legislativo

Como principais marcos do Legislativo, a entidade acusa o Congresso Nacional de promover retrocessos na transparência legislativa, em especial por meio do orçamento secreto. A Transparência afirmou à OCDE que o esquema “maximiza uma prática política antiga de negociações secretas entre governo e parlamentares para distribuição do orçamento federal” a redutos eleitorais de aliados.

“Essa prática ignora recomendações técnicas e necessidades locais e distorce as políticas públicas, apenas para favorecer alianças políticas que garantam a governabilidade no Congresso Nacional e, em alguns casos, esquemas de corrupção”, destacou a TI.

A organização também apontou que o Congresso atendeu parcialmente decisões do Supremo Tribunal Federal, que tentaram travar os repasses e obrigar a revelar o nome dos padrinhos das emendas. Nesta semana, a Câmara encontrou mais uma forma de ignorar a Justiça ao permitir que o parlamentar não preencha o próprio nome ao destacar uma emenda de relator.

Outro ponto que chamou atenção da Transparência foi o que a organização chamou de enfraquecimento da Lei de Improbidade Administrativa. Em 2021, o Congresso abrandou sanções previstas na lei. Agora, por exemplo, a regra prevê condenação por improbidade apenas nos casos em que seja comprovado o “dolo específico”, ou seja, a intenção de cometer irregularidade.

Para a entidade, essas mudanças somadas ao aumento bilionário do fundo eleitoral – estabelecido pelo Congresso em R$ 4,9 bilhões para este pleito, mais que o dobro que os anos anteriores – evidenciam uma “falta de transparência como modus operandi no Congresso”.

Governo federal

Entre os pontos levantados no relatório sobre o governo federal, a TI acredita que o Brasil perdeu a capacidade de gestão independente de órgãos de controle. A suposta influência da família Bolsonaro na Polícia Federal, por exemplo, é citada no relatório.

“A família do presidente agiu para cooptar e interferir em instituições como a Agência de Inteligência (ABIN), Receita Federal e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para recolher provas para minar um relatório feito pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que desencadeou uma investigação criminal ao senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente”, diz a Transparência.

Outro ponto levantado pela organização internacional foi a operação da PF que apurou esquema de corrupção envolvendo o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, suspeito de atuar na exportação ilegal de madeira. Somado ao aumento do desmatamento e à baixa recorde no número de multas ambientais emitidas pelo Ibama, a TI alega à OCDE que houve um desmonte da política ambiental no Brasil nos últimos anos.

A Transparência reportou ainda tentativas do governo federal de desfigurar a Lei de Acesso à Informação e dificultar que jornalistas e sociedade civil acessem dados relevantes ao controle social. Um dos exemplos citados foi um caso revelado pelo Estadão, no qual servidores do Palácio do Planalto orientaram ministérios a avaliar o “risco político” e omitir informações nas respostas aos pedidos solicitados por meio da lei.

O grupo de trabalho da OCDE também recebeu, no documento, o histórico da CPI da Covid e os crimes imputados ao presidente Bolsonaro como resultado da atuação do colegiado.

A TI aponta ainda disputas entre os senadores e o procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre a continuidade do processo. A organização cita um “risco” na relação entre a PGR e o governo, imputando possível interesse político na atuação do procurador.

Judiciário

No Judiciário, a TI entende que uma decisão do STF tomada em 2019 de levar à Justiça Eleitoral o julgamento de crimes comuns associados à eleição como Caixa 2, “está resultando em dezenas de casos graves anulados e prescritos, além do impacto extremamente negativo na capacidade do País de processar e punir grandes esquemas de corrupção”.

Recomendações

Entre as principais recomendações do relatório, a Transparência sugere que o Fundo Monetário Internacional (FMI) leve em consideração o “orçamento secreto” ao analisar as condições de governança e corrupção no Brasil nas tratativas com o País.

Também pede que a OCDE considere o relatório ao avaliar a acessão do Brasil ao órgão e delibere medidas que assegurem o cumprimento da Convenção contra o Suborno Transnacional. Ao Brasil, a TI pede o fim da interferência política em instituições de controle, remoção de oficiais que respondem processos de corrupção, deliberação de medidas de transparência orçamentária e respeito à Lei de Acesso à Informação e às instituições democráticas.

O Estadão procurou a Presidência da República e o comando do Congresso para que se pronunciassem sobre o relatório, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.