22/05/2020 - 13:15
O desembargador Antonio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), anulou nesta quinta, 21, a nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias para a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio, a Funai. O magistrado considerou que a nomeação ‘representa alto grau de risco à política consolidada de não contato com as populações e o respeito ao isolamento voluntário desses povos, em flagrante violação ao princípio da autodeterminação dos povos indígenas’.
A decisão atende recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra decisão de 1º grau. Ao TRF-1, a Procuradoria alegou ‘grave risco de genocídio em caso de reversão da política brasileira de não forçar o contato com povos em isolamento voluntário’.
As informações foram divulgadas pela Procuradoria.
Ao avaliar o caso, Prudente entendeu que Ricardo Lopes Dias já tomou decisões que violam o direito dos povos indígenas isolados e por isso, é necessário inibir ‘a adoção de medidas que venham a afrontar as garantias fundamentais, notadamente, aquela que assegura aos povos indígenas o direito à sua autodeterminação, nos termos da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais’.
“Historicamente, os missionários procuram promover o contato com povos indígenas isolados e de recente contato para evangelizá-los, o que contraria uma política consolidada no Brasil”, registra o texto da liminar. Ricardo Lopes Dias atuou como missionário da região do Vale do Javari, no estado do Amazonas, ligado à organização religiosa antes conhecida como Missão Novas Tribos do Brasil, hoje rebatizada de Ethnos 360, indica a Procuradoria.
A liminar concedida pelo desembargador anula não só a nomeação de Ricardo Lopes Dias, mas também a portaria 167/2020 da Funai que alterou o regimento interno do órgão, retirando a exigência de que o coordenador da área de isolados fosse um servidor efetivo da fundação.
O magistrado também considerou que a nomeação de Ricardo, ‘servidor engajado com a linha de atuação da referida organização missionária, representa alto grau de risco à função institucional da própria Coordenador-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, que, dentre outras atribuições, deve garantir a proteção dos indígenas e das terras onde estão’.
Risco de etnocídio e genocídio, segundo o MPF
Na peça apresentada à Justiça, o Ministério Público Federal alega que a responsabilidade da coordenação assumida por Ricardo Lopes Dias é implementar uma política não assimilacionista e não integracionista.
“Há, portanto nítido conflito de interesses na nomeação de pessoa com profundas ligações, de formação e de trabalhos desenvolvidos, com organização que tem por meta estreitar com os indígenas, preferencialmente os isolados e de recente contato, relações de dependência favoráveis à propagação da fé, representando um movimento assimilacionista e de integrar o indígena à sociedade nacional”, argumentam os procuradores.
O MPF indicou que teve acesso a documentos assinados por movimentos missionários internacionais aos quais Ricardo Lopes Dias é ligado que comprovariam o envolvimento da Missão Novas Tribos do Brasil, a que ele pertenceu por dez anos, em um movimento de ‘fazer contatos forçados e evangelizar povos isolados. Segundo a Procuradoria, nos documentos utiliza-se o termo ‘finalizar a missão’ para designar o que os missionários dizem ser uma ‘comissão’ dada por Jesus Cristo em trecho da Bíblia, e que ‘obriga evangélicos a promoverem a conversão de povos indígenas em todo o planeta’.
“Os documentos do movimento missionário permitem verificar o esforço em obter dados que auxiliem ‘na tentativa de identificar as necessidades e oportunidades entre aqueles que pouco ou nada ouviram de Cristo’, ou seja, em obter dados sobre identificação e localização dos povos em isolamento voluntário e de recente contato, para concluírem a tarefa de que ‘o evangelho de Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, chegue a todos em todos os lugares, prioritariamente àqueles que pouco ou nada ouviram da única e insubstituível salvação em Cristo Jesus'”, aponta o Ministério Público Federal em nota.
Na avaliação dos procuradores, tais dados são extremamente sensíveis e o acesso de missionários aos mesmos pode colocar os povos em risco de genocídio e etnocídio.