No Brasil: Gustavo Grobocopatel na Fazenda Guaíra, no Maranhão, com 36 mil hectares plantados com soja

O empresário Gustavo Grobocopatel é um argentino no mínimo diferente. Afinal, ele é fã de Chico Buarque, não perde uma oportunidade de degustar uma boa caipirinha e, ainda que não reconheça que Pelé foi melhor que Maradona, se diz apaixonado pelo futebol brasileiro.

Dono do grupo Los Grobo, maior produtor de soja da Argentina, esse senhor de 54 anos vem ganhando espaço na América do Sul e já se tornou o maior produtor de grãos do continente. Com 250 mil hectares cultivados, englobando Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil, ele já é maior que a Vanguarda do Brasil, que tem 210 mil hectares, que o Grupo Maggi, com 204,5 mil hectares, e a SLC Agrícola, com 180 mil hectares. Toda essa área dá ao grupo uma receita de US$ 700 milhões ao ano.

Mas o que faz de Gustavo Grobocopatel um produtor realmente diferente dos demais é o fato de ele conseguir erguer seu império agrícola sem possuir um hectare de terra própria e sem comprar um único trator. Para isso, ele desenvolveu um sistema que tem como eixo central uma verdadeira cadeia de produtores, que podem participar do negócio sendo clientes, prestadores de serviços, parceiros ou até mesmo sócios da companhia.

Com pouco mais de um ano atuando em terras brasileiras, desde que firmou sociedade com o PCP, empresa de participações dos exsócios do Banco Pactual, é por aqui que ele vem colhendo os melhores resultados do grupo.

Hoje, com 50 mil hectares plantados – principalmente nos Estados do Maranhão, Piauí e Tocantins -, as operações brasileiras crescem em ritmo acelerado e já respondem por 50% dos negócios do Los Grobo.

A expectativa é de que o faturamento, que em 2009 fechou em US$ 267 milhões, neste ano ultrapasse os US$ 700 milhões.

O curioso é que, ao contrário da maior parte das grandes empresas, esse crescimento não está ligado a grandes investimentos com compra de terras ou superaquisições.

Na lavoura ideal de Grobocopatel, sua empresa atua como uma espécie de gestora de risco, oferecendo um arrojado modelo de agricultura no qual todo o seu plantio é feito em áreas arrendadas e suas operações são terceirizadas. “O Brasil tem as maiores oportunidades de crescimento agrícola em todo o mundo. Num futuro próximo ele responderá por 80% da nossa atividade”, afirma o empresário.

Escambo rural: para o produtor Netinho, o sistema de troca de soja por insumos deixa a produção mais segura

Diante dos bons resultados, o plano agora é ultrapassar as fronteiras do Mapito e partir para outras regiões. Para tanto, o grupo resolveu unificar as atividades da Selecta Sementes e da Ceagro, empresas em que eles possuem participação majoritária e que até então trabalhavam de forma distinta.

Com isso, desde fevereiro último, a Ceagro, com longo histórico de atuação produtiva no Nordeste, passa a ser a marca do Los Grobo no Brasil e deverá comandar a expansão para outras bandas. “Nós conhecemos bem as necessidades do produtor brasileiro e já tínhamos uma filosofia similar à do grupo”, conta o presidente da Ceagro, Paulo Fachin.

Jorge Romagnoli: o produtor argentino diz que o modelo do Los Grobo ajudou a alavancar a produção em seu país

A estratégia da empresa é oferecer serviços para outros produtores, atuando nas operações de plantio, colheita, apoio logístico, venda de insumos, armazenagem, gestão financeira e tudo o mais que se possa terceirizar dentro de uma fazenda.

Um modelo que Grobocopatel acredita cair como uma luva para o campo brasileiro. “Hoje a agricultura é uma atividade de alto risco. Se o produtor assume todos os processos da produção, seu custo é alto e o risco a que está exposto é maior ainda”, explica. A “unidade” de serviços já responde por 70% da receita do grupo.

Outro ponto diferencial dentro do modelo do Los Grobo é a flexibilidade dos contratos, que podem ser adequados ao perfil de cada produtor. Produtores que possuem capital para assumir riscos podem operar como sócios da empresa, dividindo toda a produção da fazenda. “Se o produtor tem a terra, nós podemos entrar com a parte do maquinário ou insumos.

Normalmente, é uma divisão de 40% a 50% dos custos”, explica o presidente. Já agricultores que não estejam interessados em arcar com a produção podem arrendar suas terras para a companhia, recebendo o pagamento em dinheiro ou em soja. Nesse caso, há ainda a possibilidade de o produtor continuar trabalhando na terra, transformandose em prestador de serviço e tocando todo o cultivo da lavoura, recebendo uma renda extra com a atividade. O produtor pode ainda utilizar os serviços de armazenagem e logística. Entre armazéns próprios e alugados, a capacidade estática é para armazenar 658,3 mil toneladas de grãos.

Liderança brazuca: Paulo Fachin é o presidente da Ceagro e comanda as operações brasileiras

Expansão: o diretor de negócios, Cassiano Prado, é o responsável por buscar novos mercados para a empresa

Mas a atuação mais comum está na venda de insumos para os fazendeiros, uma prática conhecida como originação, ou como chamam na Ceagro: “change”. Nesse caso, o Los Grobo fornece insumos para os produtores. O pagamento pelos produtos é feito em sacas de soja, ou seja, o produtor troca parte de sua produção por insumos. “Isso oferece uma segurança muito maior na atividade”, pondera Francisco Pugliesi Neto, ou simplesmente Netinho, como é conhecido.

Netinho chegou à cidade de Balsas (MA) em 1993 e desde então produz soja e milho em 2,2 mil hectares da sua Fazenda Guairá. Há quatro anos ele deixou os contratos de originação que mantinha com grandes tradings para se tornar parceiro do Los Grobo. Segundo Netinho, no acordo é acertado o pagamento, que varia conforme a quantidade e o prazo.

A prestação de serviços já corresponde a 70% do faturamento global da empresa e a tendência é crescer

Em seu caso, na última safra “desembolsou” cerca de 23 sacas por hectare. “Com isso posso travar o preço do meu produto na bolsa e fico com esse custo garantido”, revela o produtor, admitindo que há risco, caso o preço da soja suba muito no mercado. Nesse caso, o produtor só conseguiria participar com uma parte da produção, já que outra parte está comprometida.

De acordo com o consultor da Ag Rural, Eduardo Godoy, este modelo pode ser interessante para os produtores, mas é preciso estar atento para o valor pago pela saca de soja. “É um sistema que sem dúvida oferece mais segurança para quem produz. Mas é importante fazer as contas para que o valor pago pela saca de soja não fique muito abaixo do de mercado”, pondera.

Com tantas variedades de serviço, a atuação da empresa, principalmente em regiões de novas fronteiras agrícolas, tem sido estratégica para grandes empresas de insumos.

Plantando tudo dá: insumos e manejos são testados na fazenda experimental do grupo, localizada em Balsas (MA)

Mas esses entraves parecem não diminuir a confiança que os produtores depositam no Los Grobo, que vem do trabalho de pesquisa. Na cidade de Balsas (MA), uma propriedade de pouco mais de 15 mil hectares é utilizada como campo de experimentos. “Aqui testamos todos os produtos, fertilizantes e variedades que serão utilizadas nas nossas lavouras e nas dos parceiros. Conseguimos ter uma visão exata do que dá certo e do que não funciona”, revela o diretor de pesquisa, Thiago Decicino.

Diante desses aspectos fica fácil entender a empolgação de Gustavo Grobocopatel. Filho de imigrantes judeus, ele colhe os frutos de um modelo inovador que vem desenvolvendo desde que se formou em agronomia, aos 25 anos de idade. Ele observava que não iria longe se seguisse o caminho da família, que há 100 anos trabalha com agricultura na região de Carlos Casares, na província de Buenos Aires. Sua vontade de criar um novo sistema de produção e a maneira diferente de enxergar a agricultura o aproximaram de autores poucos usuais no mundo dos negócios.

Obras de nomes como o sociólogo espanhol Manuel Castells, autor de Sociedade em rede, e do economista Stefano Zamagni, que possui vários livros sobre capital social, são frequentadoras usuais da cabeceira do empresário. “Vivemos a era da informação. Não acho interessante ser dono de terras, mas quero sim ser o detentor do conhecimento para extrair riquezas dela. Essa é minha vocação”, conta.

Uma filosofia que ajuda a explicar o modelo da empresa em sua terra natal, a Argentina. “Nosso país sofre com a instabilidade política e com os altos custos de produção. É preciso buscar formas de reduzir os riscos e o modelo do Los Grobo contribui com isso”, ressalta o ex-presidente da Associação do Plantio Direto da Argentina, Jorge Romagnoli. Produtor de soja, milho e trigo, em 28 mil hectares, há dez anos Romagnoli se tornou sócio do Los Grobo em uma empresa de biotecnologia, a Bioceres.

“Eles sempre estão dispostos a buscar parceiros e no meu caso o negócio tem sido muito interessante”, declara o argentino, que acredita que o modelo pode ser útil para agricultores brasileiros. “Terceirizar as operações da fazenda é o melhor caminho para se manter ativo nessa atividade”, diz.

É dessa forma, um tanto excêntrica, sem terras e sem máquinas, apostando em parcerias e em redes de serviço, que Gustavo Grobocopatel quer mudar a cara da agricultura e levar sua empresa para novas fronteiras. “Gostamos de quebrar paradigmas. Não queremos ser uma nova Cargill. Queremos ser inovadores. Queremos ser a Google do agronegócio.”

Desbravando o mapito

Uma das estratégias de Gustavo Grobocopatel para conquistar terreno no Brasil é conhecer de perto os produtores, que podem se tornar parceiros ou clientes de sua empresa. Para tanto, o empresário promove anualmente o Rally Ceagro, no qual ele sai a campo, enfrentando sol e poeira.

Na edição de 2010, acompanhada com exclusividade por DINHEIRO RURAL, foram cinco dias percorrendo fazendas nos Estados do Maranhão, Piauí e Tocantins, numa viagem de mais de três mil quilômetros. Enquanto técnicos avaliam as lavouras e recolhem dados sobre a produtividade da safra, Grobocopatel vai conquistando produtores e expandindo seu modelo de negócio.