01/04/2014 - 4:07
A cerveja é uma espécie de figurinha carimbada das bebidas, facilmente encontrada em qualquer comemoração País afora. A loira gelada não pode faltar no encontro no barzinho com os amigos, no Carnaval, nos jogos de futebol, nas festas familiares. O alto consumo levou o Brasil a ser o terceiro maior produtor de cervejas do mundo, atrás somente dos Estados Unidos e da China. Segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), o setor fatura mais de R$ 60 bilhões por ano. A produção da bebida em 2013 foi de 13,46 bilhões de litros. Com apreciadores espalhados do Oiapoque ao Chuí, seu principal ingrediente, a cevada, é praticamente encontrado apenas na região Sul, em volume insuficiente para atender as cervejarias. Historicamente, com a escassez da oferta interna, o Brasil costuma importar mais de 50% da matéria-prima utilizada pela indústria. Somente no ano passado, entraram no País 368,4 mil toneladas de cevada, das quais 325,5 mil toneladas vieram da Argentina, segundo o Ministério da Agricultura.
Mas os fabricantes pretendem virar esse jogo. A estimativa é de que na safra 2013/2014 o Brasil produza 361,3 mil toneladas de cevada, um crescimento de 25,8% da produção em relação ao período anterior, segundo a Conab. “Esse aumento de safra é motivo para comemoração”, diz Marcelo Coelho Otto, diretor agroindustrial da Ambev. “É um passo importante rumo ao nosso sonho de, em médio a longo prazo, o Brasil ser autossuficiente na produção de cevada.”
Segundo Otto, parte desse sucesso é creditado ao programa de incentivo da Ambev, a multinacional verde-amarela do setor cervejeiro que faturou R$ 32,2 bilhões em 2012, a grande vencedora do prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL na categoria AGRONEGÓCIO INDIRETO. A empresa mantém parceria com cerca de 2,5 mil produtores de cevada do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, financia seus parceiros com a oferta de sementes e fertilizantes, investe em pesquisa e desenvolvimento de novas variedades cervejeiras, dá assistência técnica aos produtores e acompanha de perto a produção da sua matéria-prima. “Temos um trabalho de mais de 30 anos atuando em toda a cadeia e incentivando a cevada no Brasil”, diz Otto. No ano passado, a empresa tomou uma decisão inédita. A Ambev passou a permitir que os contratos de compra do cereal tenham como base os preços futuros do trigo na bolsa de Chicago, além do contrato convencional, com preços prefixados. “Foi uma inovação que trouxemos, para dar a oportunidade de o produtor definir o preço da cevada no momento que for mais interessante para ele.”
Para Otto, esse esforço vale a pena. “Estamos contando com o crescimento da produção de cevada”, diz. “Esperamos que a área de plantio avance dois dígitos.” A empresa opera uma fábrica em Porto Alegre, que produziu 90 mil toneladas de malte de cevada em 2013, e está finalizando a implantação de uma nova unidade do gênero em Passo Fundo, a cerca de 300 quilômetros da capital, com capacidade inicial de 110 mil toneladas de malte por ano, ou seja, a demanda por cevada vai mais que dobrar. “Garantimos a compra do produto, com um sistema de comercialização que tem o nome e a solidez da Ambev como lastro”, diz ele. “É um pacote atraente e o produtor tem orgulho de tomar a bebida e saber que sua produção foi parar naquele copo de cerveja.”
Enquanto o Brasil não alcança a autossuficiência, parte da cevada que atende às necessidades da Ambev no mercado nacional vem da Argentina, onde também implantou o programa de relacionamento com produtores e maltaria. A cervejaria controlada pelo grupo belga-brasileiro AB InBev também adquire malte de terceiros. Um dos fornecedores é a paranaense Agrária, a maior cooperativa do setor. Com cerca de 600 cooperados e produtores parceiros, que cultivam cevada em uma área estimada em 45 mil hectares, a Agrária colheu algo em torno de 180 mil toneladas do cereal em 2013. A cooperativa opera uma maltaria em Entre Rios (PR), capaz de produzir 220 mil toneladas de malte por ano, e pretende investir na ampliação da terceira torre de malteação, que deverá aumentar a capacidade da fábrica para um total de 340 mil toneladas por ano, em 2016. “Vamos precisar de mais cevada”, diz André Spitzner, gerente agrícola da Agrária.
Para Spitzner, o que fará a cultura deslanchar no Brasil será o aumento de produtividade. Enquanto a média nacional é de três mil quilos por hectare por ano, os cooperados da Agrária alcançaram uma produtividade recorde de 4,8 mil quilos de cevada por hectare no ano passado. “Trabalhamos atualmente com quatro cultivares, com alto potencial produtivo, boa tolerância a doenças e qualidade excelente para a produção de malte”, diz o gerente. Segundo ele, desde 1996 a produtividade vem crescendo numa média de 100 quilos por hectare ao ano. “Já atingimos uma produtividade de dez mil quilos de cevada por hectare em áreas experimentais de pesquisa”, diz Spitzner. “Por isso, acreditamos que a cultura ainda possa avançar muito.” Não por acaso, tanto a Ambev quanto a Agrária estão sondando novas oportunidades de ampliação da produção. Na Bahia, o secretário estadual da Agricultura, Eduardo Salles, participou de reuniões com a cooperativa paranaense sobre a proposta de levar a cevada para a região oeste do Estado, em municípios conhecidos pela alta produtividade de suas lavouras de soja, como Luís Eduardo Magalhães e Barreiras. Mas as empresas ainda não deram uma resposta definitiva. Spitzner apenas confirma que “existe a possibilidade de ampliar o cultivo para outras regiões do Brasil.” Segundo o pesquisador da Embrapa Trigo, Euclydes Mimella, a lavoura brasileira de cevada conta com tecnologia agrícola de ponta e apresenta qualidade competitiva. O único empecilho é o clima. “Ela é muito sensível à umidade”, diz. “Com chuvas em excesso, frio ou geadas, não conseguimos uma cevada com a qualidade que a indústria cervejeira exige.” Nesse caso, o pesquisador acredita que há, sim, um grande potencial adormecido, que seria o cultivo irrigado do cereal em Estados de clima mais seco, como Goiás, Minas Gerais e Bahia. Otto, da Ambev, concorda com Mimella. “Precisamos aumentar a produção de maneira sustentável, pois não desejamos lidar com uma frustração climática com o plantio em áreas de risco”, afirma o diretor agroindustrial. “A gente tem de ter a variedade correta, plantada no local certo e por produtores profissionalizados.”
Do campo ao copo
A cevada também é usada na produção de farinha e na alimentação animal
A fabricação das cervejas não é um segredo. O processo envolve basicamente quatro ingredientes: malte, água, levedura para a fermentação do produto e lúpulo. O malte é um produto rico em amido, resultado da germinação parcial de grãos dos cereais. Nesse caso, qualquer cereal pode passar pelo processo de malteação. Por isso, existem maltes como o de trigo, centeio e milho e cervejas que levam esses produtos. No entanto, a cevada cervejeira é a que melhor se enquadra no processo de fabricação da bebida. Além dessa aplicação, há variedades de cevada destinadas ao mercado de alimentação animal e para a produção de farinhas.