01/11/2008 - 0:00
Um imigrante suíço que comprou um boi indiano importado de um zoológico alemão. Assim começou a história do nelore no Brasil, no distante ano de 1878. E, por incrível que pareça, o autor da façanha, um fabricante de rodas d’água chamado Manoel Lemgruber, fez sua primeira aquisição por impulso, ao suspeitar que o tal animal se daria bem no calor brasileiro. Assim que o gado desembarcou no Brasil ele começou uma bem-sucedida criação no município de Carmo, próximo a Petrópolis, na serra fluminense. Em pouco tempo o gado se disseminou por todo Estado do Rio de Janeiro, avançando as fronteiras de São Paulo e Minas Gerais. Passados 130 anos, a linhagem Lemgruber continua preservada de forma praticamente intacta.
Quem quiser pode verificar toda a genealogia até os seus primeiros representantes. Na mesma fazenda São José em que Manoel Lemgruber começou seu trabalho há 600 animais, descendentes daquela primeira tropa. À frente dos negócios, um senhor de 75 anos cujo maior orgulho é saber que ele é o guardião da história do nelore no Brasil. Ele é Paulo Lemgruber, um homem de fala macia, com hábitos da vida simples do campo.
OUTROS TEMPOS: à esquerda, touro de três anos da linhagem Lemgruber. À direita, o próprio Manoel Lemgruber com o touro Piron e a matriz Vitória, em 1878, ano da primeira importação
Todos os dias, pouco antes das 5h, ele se levanta e faz seu café no velho coador de pano. Assim que o sol nasce, começa a lida dos 1.000 hectares que abrigam seu rebanho criado a pasto. Essa, aliás, é uma espécie de religião seguida por Paulo. Seus animais não recebem qualquer tipo de suplemento alimentar além do fornecido a rebanhos comerciais. Para ele, esta é a maior prova de qualidade. “As exposições selecionam belos animais, mas o trato dado para eles não reflete a realidade do campo”, analisa. “Por isso, como meu negócio é vender tourinhos, não posso perder o foco”, afirma. Dono do maior acervo particular sobre a origem da raça, ele fala sobre as exposições. “A rotina de exposições é muito puxada, muita viagem durante todo o ano, para mim não dá mais”, comenta. “A maior prova que faço hoje é analisar o desempenho de meus animais a campo, se os tourinhos que vendo estão servindo bem aos rebanhos comerciais”, diz.
CHEIRO DE HISTÓRIA
Brasil afora são muitas as lendas sobre a chegada do nelore ao Brasil. Além da família Lemgruber, no Estado do Rio de Janeiro, o Estado da Bahia também reivindica a primeira importação da raça. Segundo alguns registros, um casal nelore, cujo destino era a Inglaterra, teria sido negociado em Salvador em 1868. Mas há poucos registros sobre o assunto. Um deles está nas mãos de Paulo Lemgruber e reproduzido ao lado. “Nossa linhagem foi campeã numa feira nacional que aconteceu em 1908”, diz. “Naquela edição o nelore era recém-chegado à Bahia”, diz. “Pelas fotos, o que percebemos é uma evolução muito grande, hoje é praticamente outra raça”, avalia o criador.
Mesmo afastado das exposições, Paulo mostra que sua linhagem faz bonito pelas pistas brasileiras. Entre os 1.219 animais que participaram da última Expoinel, uma das mais importantes mostras da raça, 59,4% das fêmeas e 64,3% dos machos possuem sangue Lemgruber. No último catálogo de reprodutores da Lagoa da Serra, uma das mais importantes centrais de inseminações, há nada menos do que 17 touros com sangue da “linhagem” constando entre os melhores.
Mas, mesmo com toda essa história, nem tudo é fácil na saga dos Lemgruber. Ao longo dos anos, sucesso e dificuldades circundaram a fazenda São José. Modismos e mudanças nas diretrizes da raça colocaram os animais da linhagem, como é chamada entre os neloristas, em xeque. “Assim como em outras raças, o nelore começou a dar muito valor para padrões raciais como tamanho de orelha, formato da cabeça e se esqueceu um pouco da funcionalidade”, relembra. Nesse período, explica, seus animais ficaram fora do grande circuito. Manter a linhagem fechada, sem a utilização de sangue externo para “adaptar” as características foi uma decisão complicada, porém, acertada, na opinião do criador. “Chegou um tempo em que ter nossos animais pegava mal, afinal, o importante era ter uma orelha pequena”, brinca Paulo. Segundo ele, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), responsável pelo registro dos animais, chegou a negar documentos a animais alegando falta de padrão racial. “Isso aconteceu há muito tempo, por volta de 1960”, diz.
PAPELADA: em 1910 o Ministério da Agricultura era responsável pelos registros
Hoje, passados muitos anos desta fase difícil, Paulo diz que está satisfeito com a aceitação no mercado. Este ano, ele recebeu uma comenda oferecida pela ABCZ em homenagem aos trabalhos prestados. Para ele, o reconhecimento é uma forma não só de admitir alguns erros cometidos no passado em relação aos animais Lemgruber como uma volta às origens da raça. “Nelore tem que produzir carne e para isso não importa o tamanho da orelha”, brinca.
Com essa mentalidade e com o objetivo de ganhar dinheiro, Paulo viajou todo o Brasil. Há mais de 30 anos ele levou algumas das primeiras cabeças de gado para o Estado do Pará. No mês passado, junto com outros criadores, realizou um leilão de tourinhos em Tocantins com total de R$ 785 mil arrecadados. Para fazer parte do remate, cada animal necessitaria apresentar um mínimo de 25% de sangue da linhagem Lemgruber. Ao todo, 119 animais foram vendidos.
NELORE LEMGRUBER®
Foi no final da década de 1960 que a fabricante de fertilizantes Manah, hoje propriedade da multinacional holandesa Bunge, resolveu investir na pecuária. Após uma longa pesquisa, a empresa percebeu que os animais da linhagem Lemgruber se mostravam uma ótima opção de negócio. “Eram animais rústicos, com boa ossatura e ganho de peso”, comenta Eduardo Cardoso, ex-sócio da Manah e detentor da marca Nelore Lemgruber. “Compramos a marca e decidimos, assim como faz o Paulo Lemgruber, manter a linhagem fechada.” Segundo ele, a venda de genética para rebanhos comerciais tem sido um grande negócio . “Em seu último leilão ele vendieu cseus animalis R$ 6 mil de média. “É um ótimo preço para gado de campo.” Cardoso dá todos os créditos a Paulo Lemgruber. “Ele tem feito um trabalho fantástico ao manter a linhagem sem se importar com modismos”, diz. “É um herói da pecuária brasileira.”