26/06/2013 - 14:05
Em Franca, no interior de São Paulo, todo mundo é sapateiro, ex-sapateiro, conhece alguém que trabalha ou já trabalhou no ramo, ou é parente de um profissional desse setor. Na cidade, conhecida no País inteiro por essa tradição, foram fabricados mais de 37 milhões de pares de calçados no ano passado. Para crescer, o setor calçadista precisa de um item fundamental: o couro. No entanto, como a matéria-prima é disputada por outros setores, a exemplo do moveleiro e do automotivo, cada vez mais os calçadistas locais são obrigados a trocá-la por materiais sintéticos. A alternativa para manter a qualidade é verticalizar a produção, mediante a operação de curtumes próprios ou em parceria com outros fabricantes da cadeia do couro.
É o caso da fabricante de sapatos masculinos Freeway, que produziu 1,8 milhão de pares no ano passado e faturou R$ 82 milhões. Seu proprietário, Jânio Machado, encontrou praticamente dentro de casa o seu parceiro ideal: o irmão e sócio Wayner Machado, dono do Curtume Tropical. As duas empresas estão umbilicalmente atreladas: uma, a Freeway, de Jânio, espera dobrar a produção de calçados. Com isso, a outra, o Curtume Tropical, de Wayner, vai vender mais couro e acompanhar esse salto. “O couro é um artigo tão nobre e tão disputado que não podemos ficar à mercê do mercado”, diz Jânio. Embora a parceria entre os irmãos Machado exista há uma década, as duas empresas sempre atuaram de maneira independente. Agora, porém, já passaram a planejar o futuro juntas. “Para termos a garantia da matéria-prima, redução de custo e flexibilidade, essa parceria com o curtume é fundamental”, diz o presidente da Freeway.
O Curtume Tropical produz cerca de duas mil peles por dia. Metade dessa produção é de wet blue, um dos primeiros estágios do curtimento, e as outras mil peles são de couro acabado. Cerca de 500 peles do couro acabado seguem para a fábrica da Freeway – o restante da produção é vendido a outras empresas da região. “Estamos preparados para duplicar a produção. A Freeway não vai ficar sem matéria-prima”, diz Wayner. “Desde 2007, investimos R$ 20 milhões em tecnologia e no aumento da capacidade do curtume.”
Maysa Mitidieri, diretora do Curtume Tropical, diz que o desenvolvimento das peles já segue a moda ditada pelo fabricante. “Hoje produzimos cerca de 200 artigos, uns 30% deles são exclusivos para a Freeway”, afirma. “Já desenvolvemos o produto seguindo a identidade da marca.” Segundo Jânio, a Freeway vai investir R$ 50 milhões para aumentar a produção. A meta é fabricar mais de três milhões de pares e faturar R$ 200 milhões em 2015. “O crescimento só será possível porque sabemos que o curtume atenderá à nossa demanda”, diz Jânio. O empresário só tem a ganhar com o trabalho a quatro mãos com Wayner, que lhe permite, literalmente, dar um olé na concorrência, ao lhe fornecer produtos customizados para a marca. “Os concorrentes compram o que o mercado tem a oferecer”, afirma Jânio. “Nós recebemos o que queremos e precisamos.”
Enquanto isso, o couro brasileiro ganha o mundo. Em 2012, foram exportados 29 milhões de peles, contra 26,6 milhões exportados em 2011, rendendo ao País mais de US$ 2 bilhões em divisas. Segundo dados do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (Cicb), o País conta com mais de 700 empresas ligadas à cadeia do couro, de organizações familiares a médios e grandes curtumes, e produziu mais de 40 milhões de peles no ano passado. A estimativa é de que cerca de dois milhões de couros foram fornecidos para o setor calçadista doméstico. Mas, para o presidente-executivo do CICB, José Fernando Bello, esse volume tende a cair no futuro. “Lamentavelmente, o País está consumindo muitos calçados com materiais alternativos. É muito difícil que o couro se volte para a indústria calçadista nacional”, diz. “O foco principal é o mercado internacional, que reconhece a qualidade, os avanços e o apuro estético do couro brasileiro.”
Na região de Franca, há apenas quatro curtumes que fazem todo o processo de fabricação do couro e 14 empresas acabadoras, segundo o Sindicato da Indústria de Calçados local. “Não falta material na região, mas a qualidade do couro vem caindo ao longo dos anos”, afirma o presidente da entidade, José Carlos Brigagão.