Por volta de 1560, quando os colonizadores espanhóis chegaram aos pés da Cordilheira dos Andes, no limite ocidental do que hoje é o território argentino, encontraram uma planície pouco fértil, onde raramente chove, há muito sol e grandes variações de temperatura. Nada muito promissor, exceto pelo fato de que a água do degelo das montanhas andinas, ao correr por rios sazonais, formava alguns oásis. Verdadeiros mananciais que poderiam ser canalizados por gravidade para irrigar plantações, como as populações indígenas locais já haviam descoberto.

Divulgação

Foi isso que permitiu o primeiro assentamento da atual Mendoza, região semidesértica que ganharia fama séculos depois pela qualidade de seus vinhos, especialmente da uva Malbec. Originária da França, a variedade quase caiu em desuso por lá, mas ganhou vida nova graças à boa adaptação ao clima mendoncino. Favorecida pelas condições meteorológicas e do solo, ela é a base de tintos de alta complexidade aromática, com muitos sabores de frutas frescas e de compotas, alguns reconhecidos com as mais altas pontuações dadas à bebida pela crítica especializada. Produtores de renome como Nicolás Catena Zapata, José Alberto Zuccardi, Susaba Balbo e o enólogo norte-americano Paul Hobbs, que assina rótulos para a argentina Viña Cobos, são exemplos que contribuíram com seu trabalho e dedicação para consolidar a reputação de Mendoza no mundo do vinho. Com isso, atraíram o interesse de grandes grupos internacionais, caso do conglomerado francês LVMH, que ali produz o espumante Chandon e vinhos da linha Terrazas de Los Andes, assim como da grife austríaca de cristais Swarovski, atual proprietária da Bodega Norton.

Divulgação

Atualmente há cerca de 170 vinícolas em atividade na província de Mendoza. Algumas delas têm o Brasil como um de seus principais mercados, seja para a exportação de vinhos, seja como público predominante no enoturismo. Pois além de atrair cada vez mais viajantes brasileiros, Mendoza está se tornando uma segunda pátria para muitos deles. Isso porque a grande aposta da região está nos condomínios vitivinícolas, nos quais é possível adquirir pequenos lotes de vinhedos e deixar que os empreendedores locais cuidem de tudo, desde o manejo das plantas até a colheita, vinificação, engarrafamento, rotulagem e até a venda, se for o caso.

A ideia não é nova. Ainda no ano 2000, a família espanhola Ortega Gil-Fournier iniciou um projeto de condomínio vinícola com a venda de lotes para produção de uvas e uma vinícola ultramoderna, a O. Fournier, dedicada à elaboração de rótulos de alta qualidade. Apesar de ter conseguido vender vários lotes, inclusive para brasileiros, a ideia não vingou e o empreendimento mudou de donos e de nome, passando a se chamar Alpha Crux. Ainda hoje elabora grandes vinhos, parte deles com as uvas plantadas com investimento dos primeiros proprietários.
Como ocorre em muitas aventuras pioneiras, a história da O. Fournier serviu de alerta para projetos que a sucederam. Entre as precauções que os novos empreendedores tomaram está o cuidado com o acesso à água. As mudanças climáticas têm reduzido a ocorrência de neve nos Andes, resultando em estiagens mais severas na planície de Mendoza. Com isso, a água vem sendo mais regulada e há restrições para seu uso na agricultura. As propriedades mais afastadas dos oásis têm menor valor, pois irrigá-las exige investimentos mais altos. Por essa razão é preciso agregar valor ao vinho com outras atividades. É aí que entra o enoturismo.

A reportagem da DINHEIRO RURAL visitou três empreendimentos que combinam áreas de cultivo a hotéis de alto luxo na região do Valle de Uco, onde a vista dos Andes é por si só um atrativo e tanto. Por tudo o que oferece, o mais interessante (e caro) se chama The Vines of Mendoza. O projeto foi iniciado em 2005 pelo argentino Pablo Gimenez Riili e pelo norte-americano Michael Evans. Eles reconheceram o potencial do Valle de Uco para o turismo de luxo e investiram na compra de um terreno com o propósito de tornar possível a mais pessoas o sonho de possuir um vinhedo, produzindo ali seu próprio vinho de alta qualidade. Desde então, os sócios já venderam vinhedos privados para mais de 220 donos, de todas as partes do mundo. “Cada passo no caminho tem sido um trabalho de amor, e adoramos poder compartilhar os frutos de nossos desafios”, afirmou Evans.

The Vines pode ser considerado o projeto enogastronômico mais sofisticado da região, com 21 villas magníficas, todas com cozinha completa, salas de estar e jantar, varanda com banheira e lareira externa — e muitos mimos. Há um spa de luxo e academia aberta 24 horas aos hóspedes. Para celebrar bons momentos em grande estilo, o restaurante do hotel é o Siete Fuegos, do lendário chef argentino Francis Mallmann. O enólogo Santiago Achával, mundialmente reconhecido por seu trabalho na vinícola Achával-Ferrer e posteriormente na Matervini, é o consultor que acompanha a produção dos quase 300 rótulos diferentes que são engarrafados a cada ano na propriedade.

EM condomínios como the vines, casa de uco e dragonback, investidores adquirem lotes de parreiRAS e podem produzir seu próprio vinho

Quase em frente, na mesma sub-região de Los Chacayes, está a Casa de Uco, com proposta e características semelhantes. Concebida pelo arquiteto argentino Alberto Tonconogy, também se baseia na venda de lotes para quem quer ter vinhedos próprios e, além de um hotel de luxo com spa, oferece uma moderna vinícola gerenciada pelo enólogo Gustavo Bauza. A proposta já atraiu alguns brasileiros, entre os quais está o designer e empresário do ramo de calçados Jorge Bischoff. Ele escolheu a Casa de Uco para produzir a linha de vinhos lançada este ano com a marca Bischoff Wines. São três tintos (Malbec, Cabernet Sauvignon e Pinot Noir) e um branco, que combina várias uvas. “O resultado, posso afirmar, ficou fantástico”, disse Bischoff à época do lançamento. Os vinhos estagiam em barricas de carvalho na própria vinícola.

ENOTURISMO A partir do alto, o luxuoso The Vines; construções típicas do Chozos by Aken Soul (ainda não concluído); um vinhedo do projeto Dragonback Estate, com 820 hectares. Ao lado, a fachada do hotel Casa de Uco

Com uma área de 820 hectares de vinhedos, a Dragonback Estate se define como a maior propriedade vinícola do mundo e oferece uma oportunidade acessível para entusiastas e investidores do vinho. Os proprietários de lotes têm a possibilidade de selecionar qual será seu nível de envolvimento na produção. A parte hoteleira ainda está em fase de finalização, com algumas villas prontas e outras não. Mesmo sem um restaurante em funcionamento, a propriedade já recebe hóspedes e oferece refeições como tábuas de queijos e frios para petiscar no jantar, além de um farto café da manhã.

Para 2023, além dos Chozos (construções com teto em forma de abóboda que reproduzem habitações dos povos indígenas locais), haverá acomodações em estilo ‘glamping’, que são tendas de acampamento repletas de luxo. Queira ou não ter seu próprio vinhedo em Mendoza, conhecer a região e explorar sua excelente oferta enoturística é uma escolha certeira em qualquer época do ano.