Filas de navios nos portos, caminhões na beira da estrada à espera para descarregar, estoque de grãos a céu aberto e fretes caros, que por anos a fio têm transformado em dor de cabeça a vida dos agricultores brasileiros, que batem recordes em cima de recordes na produção, estão com os dias contados. Foi o que garantiu a presidenta Dilma Rousseff, no dia 15 de agosto em Brasília, ao lançar o Programa de Investimentos em Logística, um importante passo para melhorar a infraestrutura de transportes do País. Para os próximos 20 anos, serão gastos R$ 133 bilhões na duplicação de rodovias e na ampliação da malha ferroviária nacional. “As obras irão beneficiar a população e saldar uma dívida de décadas de atraso em investimentos de logística”, afirmou Dilma.

Do total a ser desembolsado pelo governo federal, em parceria com o poder privado, o programa prevê R$ 91 bilhões para a ampliação de dez mil quilômetros de trilhos. Já as rodovias receberão aportes de R$ 42 bilhões, na duplicação de 7,5 mil quilômetros. Segundo o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, a cadeia de modais de transporte do País vai se integrar com mais eficiência. “Serão grandes corredores de trilhos que se articularão com importantes rodovias do Brasil”, afirma Passos. Para que o projeto não desande e fique no papel, Dilma criou uma superestatal, a Empresa de Planejamento Logístico (EPL), e colocou no comando um economista que tem um pé no agronegócio. Bernardo Figueiredo, além de ter acesso livre à sala da presidenta, mora numa fazenda próxima de Brasília, onde cria gado nelore e cavalos mangalarga marchador.

Dos Estados produtores de grãos, Mato Grosso é o que mais deve se beneficiar com uma logística que dê vazão à produção agrícola, porque também é o que mais sofre com os gargalos da infraestrutura precária do País. Somente de milho safrinha, o Estado está colhendo um recorde de 15 milhões de toneladas neste ano, mas a comemoração vem pela metade. “Os produtores estão eufóricos com o recorde e, ao mesmo tempo, preocupados porque não sabem como vão escoar os 70% do milho já vendido”, diz Carlos Favaro, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja). Mas, segundo ele, o problema é resultado de um acúmulo de gargalos não resolvidos antes.

Nos últimos anos, tem sido comum não encontrar caminhões no auge da safra para transportar o que se produz no Estado, com fretes que chegam a custar 50% mais nesse período. “Somos reféns do transporte rodoviário, já que as ferrovias ainda não são uma realidade para nós”, diz Favaro. Transportar uma tonelada de grãos do município de Sorriso ao Porto de Santos, no litoral paulista, por exemplo, um trecho de 1,9 mil quilómetros de distância, pode variar de US$ 60 a tonelada a US$ 130 a tonelada. “Veja o caso do milho”, diz o executivo. “Temos o cereal em abundância, mas não conseguimos escoar para os Estados do Sul, que estão desabastecidos.” Em agosto, a situação dos produtores sulinos estava tão desesperadora a ponto de alguns criadores de frangos de Santa Catarina matarem pintinhos com poucos dias de vida, jogando-os em valas, por não ter como alimentá-los. Apenas de uma granja foram enterrados vivos 114 mil pintinhos. As imagens do desatino, transmitidas pela televisão, eram chocantes.

No País, 65% da atual safra de 165 milhões de toneladas de grãos, o equivalente a 108 milhões de toneladas, é transportada por rodovias. A estimativa é do presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC), Flávio Benatti. Já as ferrovias absorvem apenas 42 milhões de toneladas por ano. Com o novo plano do governo, as ferrovias do País ganharão a capacidade de transportar mais três milhões de toneladas de grãos por ano. “Com as empresas privadas no plano do governo, temos a garantia de que as obras serão realizadas”, diz Benatti. “Mas é um primeiro passo, apenas. No curto prazo ainda vamos ter problemas sérios de escoamento de grãos.”

Para as próximas duas safras, que novamente devem bater recordes de produção, os gargalos podem ser ainda maiores que os deste ano. Somente de soja e milho, a previsão é de que o País produza a mesma quantidade de toda a safra atual. Manoel Reis, professor da Fundação Getulio Vargas, diz que não há o que fazer. “Por mais boa vontade que se tenha, não é possível construir uma ferrovia num piscar de olhos”, diz Reis.

É provável que as cenas vistas nos últimos meses, de montanhas de milho armazenadas a céu aberto em Mato Grosso, se repitam em 2013. Também no curto prazo é provável que se repitam as filas de mais de 128 navios nos portos, como o de Paranaguá nos primeiros dias de agosto, por exemplo, com embarcações esperando pelos grãos para zarpar.

Por isso, o governo federal tem outros dois coelhos na cartola. De olho nesse outro lado da logística, o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, pretende apresentar nos próximos meses um Plano Nacional de Armazenagem, que já está nas mãos da presidenta Dilma Rousseff para ser analisado. O segundo coelho do governo, previsto para ser apresentado neste mês, será para a melhoria de portos e aeroportos.

A situação dos portos, apesar de menos crítica que a das rodovias e ferrovias, também gera perdas ao agronegócio. O Porto de Paranaguá, que tem capacidade para movimentar até 20 milhões de toneladas por ano, só com produtos do agronegócio, deve atingir sua capacidade máxima nesta safra. Segundo Luiz Dividino, superintendente dos portos de Paranaguá e Antonina, com os Estados Unidos sem milho para exportar, as vendas externas do Brasil vão aumentar. “Para não perder tempo, os navios vêm ao Brasil aguardar um contrato”, diz. O Porto de Santos está na mesma situação do vizinho paranaense. Com capacidade de movimentar 45 milhões de toneladas de granéis por ano, nesta safra a previsão é chegar a 43 milhões de toneladas.