30/08/2022 - 11:13
A resiliência dos produtores nunca foi colocada tão à prova como agora. A inflação que encareceu os insumos, a alta do dólar que elevou os preços dos importados e o aumento da taxa de juros tornaram o custo da aquisição de crédito ainda mais difícil. Em junho de 2021, segundo dados do Banco Central, a meta da taxa de juros era de 4,25% ao ano. Doze meses depois, esse índice saltou para 13,25%. A inflação também não tem dado trégua. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preço ao Consumidor (IPCA) no acumulado dos últimos 12 meses, a contar a partir de maio, ficou em 11,73%, com o câmbio na casa dos R$ 5,00. De acordo com o pesquisador da FGV Agro André Diz, juros altos, inflação e câmbio desfavorável “é o pior cenário para o setor, sobretudo para quem comercializa no mercado interno”. Segundo ele, a conjuntura só não é tão ruim para os exportadores, pois as vendas das commodities em dólar ajudam a elevar a margem de renda.
Nem todos os analistas, porém, concordam plenamente com Diz. Mesmo para quem tem como estratégia embarcar a produção a outros países, o cenário é desafiador. A culpa, segundo o gerente de investimento da cooperativa de crédito Sicredi União PR/SP, Roberto Rodrigues, é a instabilidade do mercado internacional. “Do lado da oscilação de preços, temos o contexto internacional de inflação global e o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que têm exigido que todas as economias façam um rearranjo”, disse. Some ao cenário duas quebras consecutivas de safra que interromperam o ciclo de alta rentabilidade registrado nos últimos anos.
Aumento acentuado nos custos de grãos e insumos derruba a rentabilidade dos produtores
O produtor do município de Mamborê, oeste do Paraná, Wilson Menin Júnior é um bom exemplo do complexo cenário enfrentado pelo agro. O agricultor semeou nesta safra de inverno 355 hectares de milho. Seu investimento em adubos chegou a R$ 3,1 mil por hectare, mais de 20% de diferença em relação ao mesmo período do ano passado, quando o gasto foi de R$ 2,5 mil. Somente em defensivos, Menin registrou acréscimo de 12%. “O aumento do preço do insumo foi um susto enorme”, afirmou. De acordo com ele, a conta começou com os defensivos químicos, depois com os fertilizantes e na sequência vieram os juros. “Isso sem contar o alto valor dos combustíveis.” O óleo diesel, conforme o produtor, subiu R$ 2,50 por litro só neste ano em sua região.
Mas o que mais surpreendeu negativamente foi o adubo. “Produtos que comprávamos em média por R$ 3,5 mil a tonelada, neste ano foi para R$ 7 mil”, afirmou Menin. E essas diferenças de preços de uma safra para outra já estão sendo contabilizadas. De acordo com dados da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), o preço médio de 23 adubos saltou de R$ 2.629,31 para R$ 5.642,24 a tonelada, entre maio de 2021 e maio de 2022. No mesmo período, a relação de troca (produto x insumos) no milho saltou de 28,77 sacas para uma tonelada de adubo para 70,21 sacas. No caso da soja, passou de 16,19 sacas por tonelada de adubo para 32 sacas, e a relação de troca para trigo pulou de 30,62 sacas para 57,22 sacas.
RENTABILIDADE O mercado da soja ainda enfrentou outro dilema, que foi a quebra de safra. Apesar de o Mato Grosso ter sido beneficiado por uma colheita positiva, as lavouras da região sul do Mato Grosso do Sul, do oeste do Paraná e de parte do Rio Grande do Sul, foram castigadas pela seca. Como consequência, os custos da oleaginosa aumentaram em todo Brasil, segundo recente estudo da FGV. Na ponta, o reflexo foi a queda na rentabilidade do agricultor. A Bahia, segundo André Diz, foi o estado mais prejudicado. Os sojicultores receberam, em média, R$ 167,30 por saca na última safra, a um custo de produção de R$ 153,53/sc, valor que representou 91,8% da receita.
Ainda que todos sofram com a conjuntura, o presidente executivo da Coamo Cooperativa Agroindustrial, sediada em Campo Mourão (PR), Airton Galinari reforça que o maior prejuízo acaba mesmo na mão do produtor que não exporta, seja o produto em grão ou proteína animal, pois são pagos em real. “Um produtor de frango está pagando mais caro por milho e farelo de soja, mas o preço de referência do seu produto continua sendo o mercado doméstico, que não é dolarizado”, disse. O preço dos dois insumos essenciais para a ração animal registraram alta de 70% e 150% neste ano, respectivamente. Segundo o diretor de mercado da Associação Brasileira dos Produtores de Proteína Animal (ABPA), Luis Rua, a consequência é nefasta. “O custo de produção ficou tão alto que o agricultor precisou tirar do bolso para poder continuar na atividade”, afirmou.
Outra questão que preocupa o agronegócio e que dificulta ainda mais a retomada da rentabilidade, disse Galinari, da Coamo, é a questão dos financiamentos do governo que ficaram represados. “Tivemos mais de R$ 1 bilhão travados. Uma parte foi liberada somente no final do ciclo do ano operacional da soja, que vai de junho a junho.” Na análise de Rodrigues, do Sicredi, a redução dos subsídios diretos do governo impacta diretamente quem precisou recorrer ao capital de terceiros. “Essa redução dos subsídios faz com que cresça, em termos percentuais, as operações com recursos livres, que possuem taxas não controladas.”
ALTERNATIVAS A compra antecipada de insumos e a fixação de parte da produção para comercializá-la em momentos estratégicos são ações que podem ajudar os produtores a manterem um nível de rentabilidade aceitável, explica o doutor em economia e analista de desenvolvimento de mercado da Ocepar, Salatiel Turra. “O produtor precisa ser estratégico e, para isso, deve buscar apoio de especialistas.” De acordo com ele, fazer contrato futuro para garantir o investimento que se fez na safra, comprar com antecedência, efetuar a venda antecipada e guardar uma parte da safra para fazer uma estratégia de venda para especular no mercado são boas medidas para garantir a saúde financeira para a propriedade rural.
Na lavoura propriamente dita, a receita do produtor Wilson Menin Júnior para amenizar os custos elevados dos insumos é otimizar o máximo possível o uso dos produtos. “Aplico somente onde for preciso para não reduzir a minha produtividade”, disse. Além disso, ele também segue a cartilha citada pelo analista da Ocepar. “Tento travar o preço da produção na cooperativa para manter a minha margem”, afirmou.
Quem acha que a complexidade na gestão financeira se encerra em julho, engana-se profundamente. Para a safra 2022/23, Roberto Rodrigues, do Sicredi, estima que o custo de produção será 40% maior em comparação à temporada anterior. “Pelo lado da inflação, temos a rentabilidade afetada porque os custos dos produtores cresceram de forma superior à inflação do consumidor”, afirmou.