23/01/2019 - 15:05
Penélope Charmosa, a garota vestida de rosa choque que desafiava o masculino universo ao seu redor pilotando um carro de corrida, foi uma criação do final dos anos 1960, nos Estados Unidos. Ainda que não representasse uma contestação social, a personagem de desenho animado simbolizou uma peça de resistência do movimento de afirmação feminina.
Trazida para os dias atuais, Penélope personificaria mulheres poderosas como a americana Mary Barra ou a britânica Emma Walmsley. Mary, formada em engenheira, é CEO global da montadora de automóveis General Motors, com 215 mil funcionários. Ela é a primeira mulher na história a dirigir uma companhia do setor. Emma, formada em línguas na universidade de Oxford, é CEO da GlaxoSmithKline, o sexto maior conglomerado farmacêutico do mundo, com 100 mil funcionários.
É também a primeira mulher a comandar um gigante do setor. “A inclusão das mulheres no mercado de trabalho é uma das soluções para os desafios globais”, disse a inglesa Sarah Theurich durante o 3º Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, realizado em São Paulo, no fim de outubro. Sarah é diretora para a América Latina da GeoEconomia, uma consultoria de análise de riscos políticos, com sede em Genebra. Como não poderia ser diferente, era possível contar nos dedos a presença de homens entre os 1,5 mil presentes no evento. Sarah afirmou que o networking – a rede de contatos e de relacionamentos profissionais e pessoais –, é cada vez mais uma ferramenta indispensável. E as mulheres estão sabendo utilizar esse recurso de forma vantajosa. “Eu diria que congressos como esse facilitam o networking para as mulheres.”
Promovido pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) desde 2016, a presença das mulheres no evento deste ano dobrou, na comparação com o primeiro. “O movimento tem crescido e ele está só no começo”, afirma Luiz Cornacchioni, diretor executivo da entidade. “As mulheres ainda enfrentam muitos desafios para liderar seus negócios.” Mas, para onde vai esse movimento?
Parte da resposta está nos dados do Censo Agropecuário 2017, divulgados em julho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O censo mostra que na comparação com o levantamento de 2006 a participação da mulher como tomadora de decisões de negócios no campo é maior. A quantidade de propriedades rurais nas mãos das mulheres deu um salto, passando de 12,7% no censo anterior para 18,6%. Isso significa que das 4,1 milhões de propriedades, 945,5 mil têm administração feminina. Se a esse número forem somadas aquelas nas quais a administração é compartilhada, a participação sobe para 34,7%. Assim, a soma total é de 1,7 milhão de propriedades administradas por mulheres.
Esse cenário ainda pode mudar muito nos próximos anos e influenciar a economia do planeta. As políticas atuais de afirmação feminina nos espaços de decisão têm base em estudos que não são uma novidade. A McKinsey & Company, firma global de consultoria estratégica, por exemplo, já mostrava há anos que se a promoção da igualdade de condições de trabalho para as mulheres fosse uma prática constante, seria possível aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) global em US$ 28 trilhões, entre os anos de 2015 e 2025. O estudo aponta que o Brasil ganharia US$ 850 bilhões no período.
Não por acaso, as ações de promoção da igualdade de gênero, em busca de equipes executivas com mais diversidade, têm aumentado nas companhias do setor. Cargill, Bayer, Basf, Corteva, entre outras, têm elevado a quantidade de políticas das quais são signatárias. Boa parte delas são inspiradas nos princípio da Organização das Nações Unidas (ONU), com o movimento ONU Mulheres, no qual “igualdade significa negócios”, como consta nos “Princípios de Empoderamento das Mulheres” (WEPs, na sigla em inglês). Neste ano, por exemplo, a campanha para o setor rural, que termina no próximo mês, se chama “Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos”.
Já a Corteva Agriscience, divisão agrícola da DowDupont, iniciou em outubro as atividades da Academia de Liderança das Mulheres do Agronegócio. Ela nasce em parceria com a Abag e com a Fundação Dom Cabral (FDC), visando a capacitação de mulheres para gerir negócios. “Mulheres como protagonistas trazem um olhar diverso, diferentes perspectivas, oferecendo às organizações e ao setor a oportunidade de aprimorar a qualidade das decisões tomadas, com impacto direto nos resultados”, diz Viviane Barreto, diretora da Fundação Dom Cabral.
A ação da Corteva tem como base uma pesquisa realizada com cerca de quatro mil mulheres que atuam no agronegócio em 17 países. Para 78% das entrevistadas há desigualdade de gênero no campo. Além disso, metade das mulheres não se considera tão bem-sucedida quanto os homens.
Para diminuir essas disparidades, a pesquisa aponta como caminho mais treinamento em tecnologias e mais educação acadêmica nas políticas para o setor. “Por isso queremos proporcionar treinamentos para que mais mulheres possam se desenvolver e se destacar”, diz Ana Cerasoli, diretora de marketing da Corteva para a América Latina.
Os treinamentos, em parceria com a FDC, são gratuitos, com 72 horas de aulas que começam em fevereiro de 2019. O primeiro grupo, considerado o piloto do projeto, terá 20 mulheres que receberão aulas de gestão, liderança e políticas públicas, além de visitas a fazendas modelo. A partir de 2020, as vagas serão ampliadas para 280 mulheres.