21/02/2022 - 8:01
Luana e Marcela cumpriram penas de quase 15 anos por tráfico de drogas. Ao saírem da prisão, tentaram reconstruir a vida, mas a marca pela “passagem no sistema” sempre foi uma barreira. “Eu sou cozinheira, mas não consegui um trabalho que ficasse comigo após descobrirem o meu passado”, disse Luana dos Santos de Assis, 41 anos. “A gente é descartada com uma desculpa qualquer, mas sabemos o real motivo da dispensa”, completou Marcela Alexandre, 34 anos.
Hoje, as duas trabalham na oficina do movimento Eu Visto o Bem, empresa que produz roupas e acessórios com matéria-prima 100% reciclada de garrafas pet e aparas de algodão. Além disso, toda a mão de obra do movimento é composta por mulheres encarceradas no sistema prisional (presídio de Santana e da Penitenciária Feminina da Capital) ou por egressas.
A criadora do projeto é Roberta Negrini, 44 anos. Ela construiu uma carreira de sucesso como executiva de grandes empresas. “Mas chegou um momento em que comecei a me questionar. As empresas não refletiam os meus valores. Eu buscava algo que, além do lucro, refletisse o cuidado com as pessoas e a defesa do meio ambiente”, disse.
Em 2013, já fora do mundo corporativo, interessou-se em estudar o mercado da moda – principalmente depois de ter acesso a uma planilha de custos de uma empresa que comprava lingeries por 37 centavos de dólar e revendia por R$119.
“Fui estudar o fenômeno e conheci o quão destrutiva é a indústria da moda, tanto do ponto de vista social quanto ambiental. É uma cadeia muito injusta – onde se vende uma peça por R$ 5 mil ao mesmo tempo em que se paga R$ 2 para quem trabalha”, contou.
Roberta ficou instigada em criar uma marca que conseguisse equilibrar lucro e impacto social. Assim, em 2104, fundou a Joaquina Brasil, uma loja que só trabalhava com resíduos de tecidos. “Eu articulava com estilistas e tecelagens para aproveitar as estampas que seriam incineradas por estarem fora dos padrões”.
A Joaquina Brasil chegou a ter cinco lojas (em shoppings, inclusive) e Roberta começou a sentir necessidade de uma produção em maior escala. Um dia, ela foi ao Brás, na região central, para conhecer uma oficina de costura e a forma como se produzia no lugar. “A oficina ficava em um beco. Era um espaço gigantesco e escuro. As mulheres trabalhavam por 10 ou 12 horas, com seus filhos amarrados ao pé da máquina de costura”, lembrou. Roberta saiu de lá tendo a convicção que não colocaria R$ 1 em um negócio como aquele.
Poucos dias depois, ela foi conhecer um projeto social chamado Segunda Chance, que tinha como princípio cuidar da empregabilidade de ex-detentos. Lá, conheceu uma egressa do sistema prisional que chorava e pedia por um emprego. A ex-detenta precisava de um emprego com CLT e endereço fixo para conseguir reaver a guarda dos seus sete filhos.
“Perguntei se ela sabia costurar. Ela me disse que não. Questionei se queria aprender. Ela me garantiu que sim. Sai de lá com ela e comecei a pensar em caminhos para a ressocialização dela e de outras mulheres”, disse. Foi quando Roberta começou a estudar o sistema carcerário. Estudou casos de mulheres presas por furto de comida Percebeu que aquelas mulheres eram pessoas sem oportunidade de trabalho, sem carteira assinada, com estudos interrompidos, que engravidaram cedo e que foram abandonadas pelos seus companheiros.
“O que eu acreditava é que eu podia transformar vidas por meio da geração de emprego”, disse. Roberta teve a ideia de montar uma oficina apenas com egressas do sistema prisional. Como a formação desta profissional poderia demorar, decidiu que o trabalho deveria começar dentro do próprio sistema e, claro, prosseguir tão logo ganhassem liberdade.
Com dificuldade de acesso ao sistema prisional, Roberta foi para frente Funap (Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” de Amparo ao Preso) com um cartaz em que pedia uma reunião com a direção. Depois de muita insistência, conseguiu esse encontro. Assim, ela começou a operar no presídio do Butantã.
“Eu estava mais focada na ressocialização do que nas lojas. Elas me sugavam financeiramente. Tive que fechá-las”. Mas Roberta não encerrou o seu projeto. Ela apenas mudou o modelo de negócio. Saía de cena a Joaquina Brasil e começava assim o movimento Eu Visto O Bem. “Eu comecei a produzir para outras marcas (Natura, Renner), que também buscavam um novo propósito na forma de trabalhar”, disse. Agora, o movimento Eu Visto o Bem tem 38 mulheres trabalhando na Penitenciária Feminina da Capital e outras 30 no presídio de Santana.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.