01/11/2009 - 0:00
“Para os azeites premium trabalhamos com parceiros específicos”
Francisco Leitão, diretor de compras da Gallo
O carro acelera nas bem cuidadas estradas portuguesas, seguindo o trajeto de Lisboa com destino à porção Sul do pequeno País. Em termos geográficos, Portugal não é muito maior que o Estado de São Paulo. Árvores com o caule grosso e uma frondosa copa esverdeada fazem contraste com uma terra pálida – cuja coloração lembra a palhada de uma colheita recém-debulhada. Dependendo da incidência da luz, a terra ganha contornos dourados lembrando as riquezas que brotam daquele chão. Em outras palavras, o azeite, também conhecido como ouro líquido. O país de Luiz Vaz de Camões, maior poeta da língua portuguesa, está na Bacia do Mediterrâneo, uma espécie de Eldorado da produção de oliveiras, cujo fruto, a azeitona, está naqueles prados há mais de cinco mil anos. Entre árvores centenárias há, porém, espaço para a modernidade em que novas plantas formam um sistema superintensivo que concentra duas mil oliveiras por hectare. As árvores são plantadas uma após a outra em um esquema que remete aos parrerais. Embora a Espanha seja o maior player no mundo dos azeites, quando se trata de Brasil, a marca líder é a portuguesa. “A Gallo exporta para 32 países, mas o Brasil é o nosso principal mercado, representando um terço do faturamento da empresa, que no ano passado foi de 120 milhões de euros”, diz Pedro Cruz, CEO da Gallo Worldwide.
Não por acaso, a empresa vem ampliando sua linha de produtos no Brasil. Atualmente, o portfólio conta com três itens perenes: azeite puro, o extravirgem e o extravirgem reserva. Mas nos períodos de maior demanda – Páscoa e Natal – a Gallo trabalha com azeites premium com edição limitada. Para a primeira data, a novidade é o Colheita ao Luar, um azeite de colheita noturna e com aromas e sabores acentuados. Já para as festas de final de ano, o diferencial é o Azeite Novo, produto originado das azeitonas verdes, as primeiras a serem colhidas, que, embora tenham um baixo rendimento de óleo, têm uma complexidade única e um sabor que lembra erva-mate.
O raio X da produção de azeite
Da colheita à extração do óleo de oliva, o tempo não pode exceder 12 horas
Azeite novo: produto premium produzido com as primeiras azeitonas colhidas chega ao Brasil no início de dezembro
No entanto, para se chegar a estes azeites especiais, há uma conjuntura de fatores. Cada detalhe faz uma enorme diferença. Tanto é que para a edição 2009 do Azeite Novo, que chega ao Brasil no próximo mês, foram escolhidos os olivais do Alentejo e variedades de azeitonas como picual e arbequina. “Para os azeites premium trabalhamos com parceiros específicos e escolhemos esta região porque o solo tem características físico-químicas que favorecem a qualidade”, diz Francisco Leitão, diretor de compras e planejamento da Gallo. O engenheiro agrônomo José Luis González Ocaña, da agropecuária Olivais do Sul, é um dos parceiros. Produtor em Évora, ele tem 700 hectares de oliveiras no sistema superintensivo. O modelo permite a colheita mecânica, o que reduz os custos de produção. Só para se ter uma ideia, duas colheitadeiras colhem 90 mil quilos de azeitonas por dia.
A relação da Gallo com os fornecedores é bastante heterogênea. As parcerias podem ser de curto, médio e longo prazo.
Algumas são direto com os agricultores, outras via cooperativas. A empresa não tem terras, mas arrenda algumas propriedades, nas quais comanda toda a produção. E ainda há profissionais que prestam assistência técnica para os parceiros. Estes agricultores têm uma espécie de manual a ser seguido. Por exemplo: o tempo entre a colheita e a extração de azeite não deve ultrapassar 12 horas. Em outras palavras, o transporte das azeitonas deve ser rápido para evitar a oxidação dos frutos, o que compromete a qualidade. Por isso, o lagar tem que ser próximo da lavoura. Uma vez nele, a matéria-prima segue para a máquina limpadora, que retira folhas e pedaços de caules. Na sequência, as azeitonas são trituradas, depois batidas e então o azeite é separado do bagaço. Em seguida, é feita uma centrifugação para retirar os resquícios de bagaço do azeite, que segue para tonéis de aço inoxidável protegidos por gás inerte.
O pagamento do produtor é por rendimento e qualidade do azeite. Por isso é retirada uma amostra para análise de cada lote que chega ao lugar. “O preço varia muito. No ano passado, tivemos agricultores que receberam 0,35 de euro por quilo de azeitona e outros que receberam 1 euro”, diz Cruz.
A qualidade é o critério de escolha. Tanto é que, das 5 mil amostras de azeites que a Gallo recebe anualmente, 70% são rejeitados. Mas isso tende a mudar, porque entre 1998 e 2006 Portugal recebeu um subsídio da União Europeia para plantar 30 mil hectares de oliveiras. Para estes novos campos foram escolhidas variedades de azeitonas que conciliam qualidade e produtividade. Isso explica o crescimento da produção portuguesa de azeite, que passou de 32,2 mil toneladas em 2007 para 53,8 mil toneladas em 2008. Além disso, o governo lusitano investiu na construção de uma barragem hídrica no Alentejo, o que favoreceu a irrigação dos olivais. “Isso permitiu que esta região, antes cerealista, começasse a produzir azeitona”, explica Ocaña. Só para se ter uma ideia, no sequeiro, um hectare de oliveiras rende 1,5 mil quilos, com irrigação a mesma área produz dez mil quilos. Nada mal para a Gallo que tem por objetivo aumentar cada vez mais sua participação de mercado.
Melhoramento genético: é a segunda fase do projeto e vai ser feito com as oliveiras que se adaptaram
Olivais tupiniquins
Pesquisa no semiárido brasileiro quer tornar viável a produção de oliveiras em solo nacional
No Brasil, a árvore milenar tem sido plantada em caráter experimental no semiárido brasileiro, mais especificamente em Petrolina. O estudo é fruto de uma parceria entre a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e Embrapa e visa descobrir quais culturas se adaptam aos projetos de irrigação da região. A pesquisa teve início há quatro anos com o plantio de 17 variedades de azeitonas. Agora, ela está a caminho da segunda fase, que consiste no melhoramento genético das oliveiras que apresentaram um bom desenvolvimento. Embora a pesquisa seja vista com ceticismo pelos países produtores, Osnan Ferreira, engenheiro agrônomo da Codevasf, está otimista. “Aconteceu o mesmo com a uva. Ninguém acreditava que poderíamos produzir a fruta em Petrolina. Hoje é um case de sucesso”, diz. O engenheiro acredita que ainda há uns 13 anos de pesquisa pela frente, mas que a chance de dar certo é grande.