“É hora de resolvermos os problemas do setor para aproveitar ao máximo o bom momento do mercado” Antônio Fortes, citricultor em São Paulo

A colheita segue a todo vapor nos pomares espalhados pela fazenda Ponte Alta, localizada no município de Conchal, no interior de São Paulo. Do alto de um caminhão, o dono daquelas terras, o produtor Antônio Fortes, acompanha atentamente todo o trabalho dos colhedores, que retiram a fruta do pé com uma habilidade impressionante. Enquanto observa as centenas de caixas abarrotadas de laranja se enfileirar no chão da propriedade, Toninho, como é conhecido na região, lembra do passado. O avô era espanhol e chegou ao Brasil para trabalhar nas lavouras de café, mas logo encontrou na citricultura a fonte de sobrevivência. Seu pai seguiu os mesmos passos e fez dos laranjais sua única escola. Com muito suor descobriu os macetes desse cultivo e, mesmo sem estudo, aprendeu a multiplicar seus ganhos.

Fruta doce: com um rígido controle de produção, Fortes produz fruto de alta qualidade e consegue destinar a maior parte do que colhe para venda in natura, a preços bem melhores

Uma lição que Fortes aprendeu muito bem e que o ajudou a erguer um pequeno império, em que os pomares não param de dar bons frutos. Em suas três fazendas situadas no interior paulista, ele mantém cerca de 250 mil pés de laranja e produz um milhão de caixas da fruta por ano – dados que o colocam entre os gigantes dessa cultura. Mas não são apenas os números suntuosos que fazem de Fortes um produtor diferenciado. Em suas fazendas, ele adotou um rigoroso modelo de gestão, unindo métodos tradicionais de cultivo a novas tecnologias. Com sua empresa, a Lima Fortes, ele beneficia a maior parte do que produz, direcionando- a para o mercado de fruta in natura, o que aumenta seu nicho de atuação.

US$ 1,6 bilhão foi o faturamento com a

exportação de suco de laranja do Brasil

Tudo para espremer o máximo dos ganhos que a fruta tem a oferecer. “Fui um dos pioneiros na produção de laranja nessa região e agora quero ser o último a deixar a atividade”, afirma. Atento a oportunidades, Fortes acredita que o melhor ainda está por vir. Com o preço da caixa da laranja em patamares históricos, o produtor segue os passos dos seus antepassados e faz as contas para lucrar com um dos melhores momentos da citricultura brasileira. Um cenário que inclui preços recordes, quebra de safra do principal concorrente e uma inédita aproximação entre indústria e agricultores, que pode pôr fim ao tradicional clima de guerra do setor e transformar essa cultura em um grande negócio nos próximos anos. “Acredito que os produtores que conseguirem se organizar, trabalhar com tecnologia e alta produtividade poderão ganhar muito dinheiro”, analisa.

Todo esse otimismo se deve a um simples fato: está faltando laranja no mercado e isso tem provocado uma alta de preços sem precedentes.

 

Arlindo Salvo Filho: braço direito de Fortes, o consultor alerta para as perdas causadas pelo greening

Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), em julho o preço da caixa da laranja, sem contrato e posto na indústria, chegou à incrível marca de R$ 14. No mesmo período do ano passado, esse valor era de R$ 3,65, ou seja, um crescimento superior a 300%. A explicação para esse valor está a milhares de quilômetros dos laranjais paulistas, mas precisamente no Estado da Flórida, nos Estados Unidos.

Problemas climáticos e o avanço do greening, uma das mais graves doenças que já apareceram nessa cultura, provocaram uma redução de 20% na produção daquela região – hoje em 135 milhões, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) – , segunda maior produtora mundial, atrás exatamente do Brasil. “Hoje temos observado quedas sistemáticas de produção de laranja nas duas regiões. A última safra da Flórida teve uma quebra importante, enquanto no Brasil também não se produziu tanto.

 

Christians Lohbauer: o presidente da Citrus BR acredita que acordo pode reaproximar indústria e agricultores, com grandes benefícios para as duas partes

Com a menor oferta da fruta, os preços dispararam”, explica o consultor da GConci, Gilberto Tozzati. Ele acredita que a situação pode se agravar nos próximos anos. “Existe uma tendência de que a Flórida reduza sua produção para cem milhões de caixas nos próximos anos, em consequência do avanço da doença”, diz. Um cenário que, se confirmado, poderia representar a consolidação desse patamar de preço e, consequentemente, um alto ganho para a produção brasileira. “Mas é preciso lembrar que há outros fatores que podem modificar esse panorama e não é possível afirmar que a previsão de redução na Flórida de fato aconteça”, pondera Tozzati.

Embora especialistas ainda falem com cautela sobre o futuro dos pomares da Flórida, um estudo, ao qual DINHEIRO RURAL teve acesso com exclusividade, desenvolvido pelo economista do Departamento de Pesquisa de Citrus da Flórida, Mark Brown, mostra que a possibilidade de redução drástica na produção dos Estados Unidos é real. O levantamento demonstra três cenários, prevendo o comportamento das lavouras de acordo com a evolução do tratamento contra o grenning. Segundo a pesquisa, na avaliação mais otimista, imaginando que o país consiga uma cura para a doença nos próximos cinco anos, a produção média americana cairia para algo em torno de 130 milhões de caixas, ou seja, cinco milhões a menos do que a safra atual.

Na outra ponta, a redução de produção da Flórida também consolida a posição do Brasil como maior exportador de suco de laranja do mundo.

Hoje, as quatro empresas processadoras brasileiras, Cutrale, Louis Dreyfus, Citrosuco e Citrovita – estas duas recentemente fundiram suas operações – respondem por nada menos do que 80% do fornecimento do suco que é consumido no planeta. Ao todo é exportado 1,3 milhão de toneladas, o que gera um faturamento de US$ 1,6 bilhão.

 

Multiplicação dos frutos: na fazenda Ponte Alta, produtividade é de 60 toneladas por hectare, praticamente o dobro da média do Estado

“O mercado está muito positivo, com o mercado externo pagando bons preços”, conta o presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (Citrus BR), Christians Lohbauer. Embora a entidade não revele valores negociados com os engarrafadores internacionais, fontes de mercado dão conta de que o preço médio pago na tonelada do suco está em US$ 2,2 mil, praticamente o dobro, se comparado ao ano passado. “O mercado consumidor hoje é maduro, com consumo praticamente estagnado. Além disso, temos o fator cambial, que deve fazer com que os volumes e o faturamento das exportações deste ano se mantenham”, diz Lohbauer.

Para o presidente da consultoria AgraFNP, Mauricio Mendes, que também possui lavouras de laranja no interior de São Paulo, as boas perspectivas exigem uma mudança no perfil dos produtores. “A boa gestão será primordial. Estamos passando pelo momento de reflexão mais importante da história da cultura. Quem souber identificar oportunidades e esquecer velhas brigas, irá ganhar dinheiro”, afirma o consultor- produtor. Um recado que Fortes conhece muito bem.

Desde que plantou seus primeiros pés de laranja, ele já tinha uma ideia fixa na cabeça: não ficar dependente da indústria. Para isso, investiu em um modelo de produção moderno, com áreas irrigadas, adubação e variedades bem adaptadas. Tudo para ter frutos de qualidade e alta produtividade. Hoje apenas 20% da sua produção é destinada a indústria, o restante é vendido diretamente no mercado. “Tenho contrato com a indústria, firmado no ano passado, no qual recebo R$ 7 por caixa. O restante vai para o mercado, que está pagando R$ 14 a caixa”, revela. “Assim não fico refém da indústria e posso aproveitar os bons preços nos dois lados”, conta o produtor, que possui uma produtividade de 60 toneladas por hectare, praticamente o dobro da média do Estado. O citricultor ainda reserva uma área de sua fazenda para o plantio planejado de variedades tardias. Nesses casos, as frutas são plantadas e manejadas para que apareçam em uma época em que não haja tais variedades no mercado. “Com o mercado aquecido a oferta baixa, tenho um lote que pretendo vender a R$ 40 a caixa”, prevê.

Um modelo que ilustra bem o que deverá ser o “produtor do futuro”. “É preciso se modernizar para crescer”, opina Paulo Biasioli, presidente da Associação dos Citricultores de Limeira (Alicitros), entidade cujos membros produzem mais de cinco milhões de caixas. Para o produtor, um novo momento na cultura só será possível se for estabelecido o inicio de um relacionamento mais saudável entre os agricultores e a indústria. “É necessário promover um ambiente novo e moderno, pois o modelo comercial atual está exaurido e ultrapassado”, diz Biasioli. Segundo ele, o momento positivo requer união de toda a cadeia. “Já perdemos muito terreno para outras culturas. Dos 20 mil produtores de tempos atrás, restam pouco mais de sete mil. Se considerarmos ainda as condições da Flórida, em constante declínio, concluímos que a hora da citricultura brasileira é agora”, ressalta.

O pilar desse “ambiente novo” ao qual Biasioli se refere está em um inédito acordo que vem sendo costurado entre as processadoras de laranja e os produtores. A ideia é criar o Consecitrus, um órgão que coloque na mesma mesa representantes de todas as pontas da produção, a fim de que se estabeleça um preço de referência a ser pago pela caixa do produto. “Trata-se de um mecanismo feito nos moldes do Consecana, que levantará todos os custos de produção e a partir daí estabelecerá o preço referencial do produto”, explica o presidente da Citrus BR, Christians Lohbauer. Ele conta que o objetivo não é ter um preço obrigatório.

 

“A ideia é termos mais transparência nos custos reais e estabelecer com os produtores um preço para o setor. Mas claro que todos poderão negociar preços melhores”, pondera. Por esse mecanismo, uma auditoria independente levantará os custos de produção das quatro empresas do setor e estabelecerá o custo médio da cadeia. “Acredito que essa medida seja um grande avanço para o setor”, avalia o secretário de Agricultura de São Paulo, João Sampaio, que vem atuando na coordenação desse acordo. “É um modelo que visa o futuro, o início de um novo relacionamento que beneficiará toda a cadeia”, revela. Mas, para que a ideia saia do papel, um longo caminho ainda precisa ser percorrido.

João Sampaio: o secretário da Agricultura de SP destinou R$ 35 milhões para o seguro sanitário, que vai indenizar citricultores que perderem rentabilidade com a doença

Rusgas e desconfianças, geradas por anos de uma relação marcada por conflitos e acusações, ainda impedem que alguns pontos caminhem. “O Consecitrus, nos moldes pensados pela indústria, é baseado em informações unilaterais e sem possibilidade de verificação”, afirma o presidente da Associação Brasileira dos Citricultores (Associtrus), Flávio Viegas. Para Lohbauer, da Citrus BR, o argumento não tem sentido. “Todos os termos estão sendo negociados com a participação da própria Associtrus e os números serão auditados por auditorias internacionais”, rebate.

A negociação para a formação do Consecitrus não é o único desafio. Um aspecto que pode azedar o suco é a estagnação do consumo nos principais importadores. O temor é de que a alta do preço da laranja reflita nas gôndolas dos supermercados, o que pode retrair o consumo. “É preciso buscar o equilíbrio para não perder espaço para outros sucos”, diz Mendes da AgraFNP.

Outro ponto crítico é o avanço do greening, considerado a “Aids da citricultura”. “É uma doença transmitida por um mosquito e que acaba com a planta”, explica o consultor e braço direito de Fortes, Arlindo Salvo Filho. De acordo com o consultor, o grande problema é a necessidade de erradicação dos pés infectados do pomar. “Muitos produtores não arrancam os pés por conta das perdas e do alto custo. Em um momento de preços altos, isso pode se intensificar”, conta Salvo, que cobra ajuda do Estado no combate à doença. “Precisamos de políticas de combate à doença.”

Já para o secretário da Agricultura, João Sampaio, a principal ajuda foi a criação de um seguro sanitário feito para o grenning e que pode ser contratado pela internet, no momento em que o produtor envia o relatório de infestação da doença. Na primeira fase do modelo, a contratação do seguro é gratuita e atende aos citricultores que possuem até 20 mil plantas, pagando R$ 4,50 por árvore erradicada, até um limite de 3% do total da área. “Já disponibilizamos R$ 35 milhões para fazer essas operações”, afirma Sampaio.