07/06/2021 - 9:30
O ano de 2020, em que pese o receio inicial trazido pela Covid-19, foi uma tempestade perfeita ao contrário para os exportadores de commodities agrícolas brasileiras. Mesmo com a pandemia, a demanda internacional surpreendeu positivamente para a maioria dos itens da pauta brasileira, a produção nacional atingiu números impressionantes, a logística interna funcionou à despeito das medidas para restrição de trânsito de pessoas e, como cereja do bolo, o dólar foi extremamente favorável para quem vende ao exterior. A consequência da combinação foi um recorde de US$ 100,8 bilhões movimentados com os embarques, crescimento de 4,1% em relação ao ano anterior, e volume suficiente para que o agronegócio representasse 48% das exportações brasileiras. Para o futuro, a expectativa é deque o Brasil produza e exporte cerca de 40% a mais até 2050. Essa quantidade, segundo a Organização das Nações Unidas, seria a necessária para que o País tenha papel relevante na segurança alimentar de um mundo que deve ser habitado por 10 bilhões de pessoas. O desafio que se impõe para tanto vem da crescente cobrança para que o campo comprove estar em conformidade com os padrões de sustentabilidade que estão sendo definidos por agentes internacionais.
A soja é o carro-chefe das exportações brasileiras, com US$ 35,24 bilhões
Nessa conturbada perspectiva, os produtores de soja – que em 2020 exportaram US$ 35,2 bilhões, 35% a mais do que em 2020 – e de carnes (US$ 17,16 bilhões, 17%) são os que mais sofrem pressão pela reputação que os liga ao desmatamento da Amazônia. Além das duas commodities que, vale destacar, lideram o ranking dos maiores exportadores do agronegócio, não há como garantir que outros setores como o de produtos florestais (US$ 11,4 bilhões e 11,3%) não sofrerão impactos também. Ainda que indiretos, há gastos como as horas demandas para atender aos inúmeros questionamentos que começam a aparecer com regularidade tanto dos mercados compradores como de investidores. “Nenhum setor aumenta as receitas de exportações como o agronegócio, que passou de US$ 20 bilhões para US$ 100 bilhões em poucos anos, mas temos problemas sérios que precisamos resolver”, afirmou o ex-ministro Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e Embaixador Especial da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura para as Cooperativas.
Apesar das ameaças reais de quebra do fluxo de comércio, a projeção é de um novo ano expressivo para os embarques nacionais
A sustentabilidade e assuntos correlacionados encabeçam a lista. E mesmo que os produtores aleguem que cumprem os rigorosos códigos ambientais brasileiros, as notícias de recordes de desmatamento na Amazônia circulam o mundo, como a manchete do New York Times de 30 de novembro que cravou: “Desmatamento na Amazônia brasileira atinge a maior alta de 12 anos sob Bolsonaro”. E não adianta culpar a imprensa. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. O fato preocupa Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). “O Brasil está prejudicado em termos de imagem. É imperativo mostrarmos o que fazemos”, afirmou. O argumento de que são práticas cometidas por ilegais só prejudica ainda mais as empresas brasileiras ao criar uma insegurança jurídica aos investidores, que tendem a ver com desconfiança um país que não cumpre as próprias leis. Para Guilherme Bellotti, gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, as consequências serão sentidas em breve. “A discussão sobre a pauta ambiental é inexorável e está migrando da retórica para ser uma ruptura comercial”, afirmou.
Como risco pouco é bobagem, os desmatamentos trazem outro problema relacionado à garantia de produção futura, como afirma Sérgio Mendes, presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec): “Se a temperatura do planeta de fato aumentar, perderemos nosso diferencial competitivo que está atrelado à nossa vocação para a agricultura tropical”, disse. Cientistas do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático (PIK) e do Instituto de Pesquisa Mercator para Global Commons e Mudança Climática (MCC) indicam que um aquecimento global de 4°C até 2100 pode fazer com que países tropicais percam quase 20% da produção econômica. Já um estudo da Embrapa, assinado pelo pesquisador Eduardo Assad, indica que “nas simulações dos possíveis cenários [de aumento de temperatura global], o que se estima é redução de 40% na área de baixo risco de produção de soja e de 33% de café arábica”. Para o pesquisador, mantidas as condições atuais de manejo de culturas e oferta de material genético não tolerantes a altas temperaturas e deficiência hídrica, o futuro é incerto.
CURTO PRAZO Ainda que o produtor precise ficar atento à agenda de sustentabilidade e, via organizações setoriais, cobrar um plano institucional de defesa das exportações brasileiras do Planalto, as notícias para os próximos meses são animadoras. A projeção da consultoria Datagro indica embarque de 85,5 milhões de toneladas de grãos e receita de US$ 43,1 bilhões em 2021, 21% acima da obtida em 2020. Em proteínas animais o otimismo se repete na ABPA. “A dizimação do plantel asiático pela Peste Suína Africana, a redução de produção dos concorrentes e o aumento do consumo de mercados emergentes está impulsionando as vendas”, afirmou Santin. De acordo com a entidade, as exportações de frango devem chegar a 4,4 milhões de toneladas, superando em até 3% o ano passado, e a de suínos, com alta de 10%, tem 1,1 milhão de toneladas previstas. Já para as carnes bovinas, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC) projeta aproximados US$ 8,8 bilhões em receita com volume exportado de 2,1 milhões de toneladas. O impulso, segundo Bellotti, gerente do Itaú BBA, vem de fora. “O apetite chinês, a expectativa da volta da vida ao normal com as vacinas contra o coronavírus e a recuperação global da economia após a pandemia vão impulsionar o agronegócio brasileiro”. O trabalho no campo está sendo feito. Brasília precisa fazer o mesmo.